Laura se afastou e, como uma criança, aconchegou-se no colo do pai, observando-o de lá. Ele acariciou seus seios como os pais acariciam a testa de suas filhas, sem ardor, assexuado. Logo, suas bocas se uniram em prolongado beijo. Lauro duvidou se se encontrava na platéia de um teatro, assistindo a uma peça secreta e exclusiva.
Após o beijo, ambos olharam na sua direção e acreditaram ver nos olhos deles pequenas faíscas, chispando como fogo de carvão ao vento. Ficaram de pé, como aguardando salva de palmas. O homem dirigiu-se a ele: "Sinto que eu também participo da grande pulsação sideral. O topo de minha cabeça dilata-se como este cálice, oscila no caule do corpo". Lauro foi adormecendo no acalanto da voz profunda. "Do alto vêm afrescos rosados de deuses imortais, dos quais recebo minha parte, pertencendo a eles. Mas não há nenhum eclipse de consciência. A consciência, até então contida nos limites do cérebro, espalha-se neste instante no ar que respiro, zune nos insetos, canta nas criaturas noturnas." Lauro sonhou ver aquele homem deslocar-se na sua direção com a cadência semelhante à que vira, quando dançavam. Seus traços salientes, cabelos pincelados de branco, iguais à bandeira paulista desfraldada, com suas listras brancas e pretas, expressão de extremo contentamento. A seu lado, sombras semelhantes a mãos de cera pareciam aplaudir em silêncio de fantasma... Outras mãos percorriam seus olhos até penetrarem dentro de sua boca, cócegas no céu da boca! Dedos arrancavam uma a uma as estrelas de sua constelação. "Constelação?" - perguntou. E o cérebro respondeu burlesco: "E quantas estrelas e apetites eu quiser. Porque você é meu, homem ". E a circulação do sangue, o pulso, a respiração, a secreção, ficaram livres, anarquia solta em constante modificação provocando "apetites novos que prometem o bem e o mal, nunca o desdém". Escuridão. De súbito, silêncio e nova vontade de vomitar.