Naquela noite fatídica tornei-me um paraplégico.
Talvez tenha exagerado na bebida, influenciado pela beleza de morena de olhos verdes, irmã da dona da festa.
Só me lembro de uma ultrapassagem mal feita, o descontrole na direção de meu carro e um poste crescendo à minha frente. Não se completou a viagem de volta ao meu lar.
Recuperei os sentidos sem dores no corpo, o que me apavorou. Não sentia as pernas, não havia sinal de vida da cintura para baixo.
Deplorei, então, a ausência de minha mãe, sempre pronta a amparar-me nas horas difíceis, mesmo após meu ingresso na maturidade.
Desamparo total. Pessoas movimentavam-se à minha volta, mas nenhuma delas me dirigia a palavra. Corrijo, pois houve alguém que perguntou como eu me sentia, afastando-se quando respondi que me achava bem.
Aproximando-se uma militar, provavelmente enfermeira ou oficial da polícia ou do corpo de bombeiros, pedi-lhe segurasse minha mão. Resposta rápida: estava ali para trabalhar e não para perder tempo com bobagens.
Senti-me desamparado. Precisava, naquele momento, de alguém que prendesse minhas mãos entre as suas, afagasse meus cabelos e que me consolasse, dirigindo-me palavras de carinho e encorajamento.
Eu era apenas um número na estatística das vítimas de trânsito e nada mais. Um objeto qualquer a incomodar aqueles que, obedecendo ordens, saíram do hospital ou do quartel para o atendimento de pedido de socorro.
Estendi a mão direita para soldado que passava, pedindo-lhe que a tomasse. Sua reação foi instintiva: era "espada", não podia ficar segurando mão de homem.
Colocado na ambulância, um médico sentou-se ao meu lado. Ora me olhava desatentamente, ora mirava as ruas reveladas pelas janelas do veículo.
Sentindo-me abandonado, relegado ao esquecimento, quando minha vida ruía, roguei ao doutor que me desse a mão, solicitação não acolhida. Houve apenas uma recomendação para que eu ficasse quieto, relaxado.
Hoje, acostumado com cadeira de rodas, creio ter superado o trauma físico, embora sabendo de minhas limitações para algumas atividades.
Revolta-me, contudo, pensar que ninguém, num gesto simples e solidário, ofereceu-me a mão em momento de grande desamparo e aflição, quando uma demonstração de afeto, por menor que fosse, me teria tirado o peso da mágoa que carrego e, certamente, carregarei pelo resto de minha vida.