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Contos-->Boca Aberta -- 13/01/2002 - 10:27 (Paulo K) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Continuava ali sentado esperando pela comida que não vinha. Que talvez jamais viesse. Contudo não perdia a esperança. Sempre fora assim, acostumara-se a isso. Esperar... era tudo que lhe restava. A boca aberta, feito filhote de pássaro no ninho. Tanto tempo aberta que secara-lhe a saliva. Nela entravam muitas e muitas vezes as moscas, as abelhas e formigas. Seus olhos mortos não viam o entra e sái dos insetos. Tanto tempo aberta que pensava ter nascido assim. De boca aberta. Esperando pelo alimento que algum dia lembrava-se vagamente, algum dia quiçá tivesse entrado por ela. Tanto tempo aberta que se esquecera de como fechá-la. Assim pensava. Ou imaginava que pensava. Já nada mais sabia com certeza. Seu raciocínio não mais funcionava. Raciocinara algum dia? Não saberia responder. Uma vaga lembrança afluía em sua mente fraca. Por que manter a boca aberta? De que lhe valeria? Pode ser que fechando-a as coisas piorassem. Na dúvida, era melhor permanecer assim. Sim. Isso mesmo. Não a fecharia jamais ou enquanto não reunisse motivos para tal. Uma onda invadiu sua mente. A figura quase invisível do pai surgiu repentinamente em seu pensar. Parece que tinha mais alguém em sua vida. Uma tênue lembrança de que alguém um dia lhe dissera que aguardasse. Que voltaria, mesmo demorando. Tinha sido a voz de alguém com autoridade sobre ele. Não soube precisar quem. Resolvera obedecer. Por isso mantinha aberta a boca. O certo é que na dúvida entre fechar a boca e permanecer com ela aberta, optara pela última hipótese. Assim decidiu. Assim fez. Dias e noites se passaram. Mais, meses se passaram. Mais ainda, anos se passaram. E a boca aberta dele já fazia parte. Achava que fechá-la seria sua ruína. E não queria morrer. Algo que não sabia explicar o que era mantinha-o irredutível naquela posição. Concluíra que fechando-a sobreviria-lhe a morte. Optou pela vida, pela esperança. Hoje não, amanhã talvez. Sempre tinha o amanhã. Quem sabe amanhã seu pai retornaria com comida. Seus cabelos cresceram, cresceram e já tocavam o chão. Seu corpo mudara. Seus músculos tinham crescido, embora entorpecidos pela imobilidade forçada. Seus ombros tinham se alargado, a barriga esticara-se. As rugas assomavam-lhe nas faces, os olhos haviam-se enfraquecido. Ficara míope. Ainda hoje permanece ele imóvel em seu canto, na areia do chão. De boca aberta. À espera do alimento que jamais virá.
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