Enquanto arrumo as coisas de que ele mais gosta para visitá-lo, começo a lembrar de uma briga idiota que tivemos. Foi a primeira vez que fiquei orgulhosa dele. Do que ele sentia por mim. De nós dois.
“Não agüento mais”, gritei, na porta do banheiro, enquanto ele terminava seu banho.
Bati a porta da sala, abri o guarda-chuva e saí na chuva, andando apressadamente. E com raiva.
Foi uma briga à-toa. Para ser sincera, nem me lembro mais por qual motivo.
Mas nunca me esquecerei de que ele saiu correndo pela rua. Só de cueca. Pedindo desculpa e gritando que me amava.
Larguei o guarda-chuva ali mesmo e o abracei.
A idiota sou eu. Uma boba. Basta ele fazer essas cenas para eu me derreter.
Alguns meninos que estavam no ponto de ônibus começaram a aplaudir e nós corremos de volta para casa, morrendo de vergonha, encharcados, mas muito felizes. Como nunca mais fomos.
Estou com tantas saudades. Coloco um livro novo para ele. Será que ele vai estar deprimido como na última vez que o visitei? O que dizer? O que fazer? Eu faria tudo para vê-lo sorrindo e cantando de novo. Como naquela noite.
“Se eu te pedisse para você subir nessa mesa agora e começar a cantar aquela música do filme, você faria isso por mim?”
Louco, ele subiu e cantou.
Todos no bar pararam de falar para assistir ao espetáculo.
Senti vergonha dele, com o cabelo despenteado, bêbado até a alma, cantando fora do tom, do ritmo, e gritando que me amava. Em cima da mesa.
Era ridículo, mas confesso que satisfazia ao meu ego como nada que eu tivesse vivido até então.
No começo, eu não o entendia bem, mas depois percebi que ele estava, de fato, disposto a fazer tudo por mim.
“Se eu te pedisse para esquecer a promessa que fez à sua mãe no meio do ano e passar o Natal só comigo, não que eu esteja pedindo isso, coitada da sua mãe, passar a noite de Natal sozinha, mas, vamos supor que eu te pedisse, você faria isso por mim?”
E lá fomos nós passar o Natal em Santa Catarina. Só eu e ele. Em lua-de-mel.
Pego uma foto nossa. Também vou levar para ele se lembrar do quanto fomos felizes.
Olho a foto e vejo que a culpa por tudo ter acabado desse jeito foi daquela pilantra. Ruiva, com tintura até na sobrancelha, nariz arrebitado, achando que era a dona do mundo. Deu em cima dele até dizer chega.
E quando ela ficou arrumando a gravata dele naquela festa? Na minha frente! Quase bati nela. Virei uma onça. Logo eu, que sou de paz, fazendo escândalo por causa de uma lambisgóia.
Quando durmo, sonho com o rosto dele entre as grades. Dói muito pensar no quanto éramos felizes. O que fazer? Será que há algo que eu possa fazer para que a felicidade volte às nossas vidas?
Caminho tristemente em direção a ele. Depois que me submeto à revista, meus olhos se enchem de lágrimas, mas eu coloco um sorriso nos lábios e digo, como sempre: “veja só o que eu trouxe para você”. Ele já não sorri como antes. Será que ele ainda me ama? Será que há algo que eu possa fazer?
“Vamos supor, não que eu esteja falando sério, mas, se eu te pedisse para acabar com a vida daquela mulher, pilantra, lambisgóia, você faria isso por mim? Já pensou? Você a convida para jantar e ela, toda prosa, aceita. Mal sabendo que você só quer levá-la a um lugar distante para matá-la. Já pensou? Longe de mim querer uma coisa dessas, mas, vamos supor ...”