Não adianta: quando a gente não vai com a cara de uma pessoa, por mais agradável que ela tente ser, parece que não desce pela garganta.
Foi assim com ele, logo que o conheci. Foi durante um churrasco, na casa de uma amiga, num domingo à tarde. Que pessoa intragável! Ele tinha um comentário - desagradável - para fazer sobre qualquer assunto.
Quando ele disse algo machista, não agüentei. Mal-humorada, rebati na mesma hora. E foi assim a tarde inteira. Já havia escurecido quando o pessoal começou a contar pontos: um para mim, outro para ele. Ele falava, eu respondia. Alguém dizia alguma coisa para acalmar os ânimos, mas voltávamos a nos “enfrentar”. Quatro a três. Continuamos nossa batalha verbal. O placar terminou empatado no final da noite. Nas outras vezes que nos encontramos, ele tentou ser simpático comigo, mas eu já havia dado meu veredicto: insuportável.
Um dia, quando eu estava numa fase difícil, envolvida em um relacionamento complicado, encontrei aquele chato na saída do cinema. Ele estava com uma moça e, por coincidência, eu e meu namorado fomos no mesmo restaurante que os dois.
Na verdade, eu havia descoberto que meu “namorado” era casado e nós brigamos feio enquanto a refeição não vinha. Comecei a chorar e fui deixada sozinha, assim mesmo, chorando, na frente do prato, sem tocar a comida.
Pela primeira vez, aquela pessoa que eu considerava intragável foi capaz de um gesto delicado. Ele simplesmente levantou de sua mesa, caminhou na minha direção e encostou a mão no meu ombro: “alguém que conseguiu fazer uma pessoa tão especial quanto você sofrer não merece uma lágrima sequer”.
Levantei os olhos. Queria agradecer, sorrir, mas não consegui.
A moça que estava com ele, juntou-se a nós, falou qualquer coisa e se despediu, dizendo que telefonaria para ele mais tarde.
Ele sentou-se na minha mesa e começou a dizer coisas engraçadas, fazer imitações, para ver se arrancava um sorriso meu.
Tudo em vão. Eu me sentia humilhada e não queria que ninguém tivesse pena de mim.
Com um ar muito sério, ele disse por fim: “sempre soube que você era chata, mas nunca imaginei que fosse tanto!”
Levantou e foi embora!
Nossa, as lágrimas vieram em dobro. Ser deixada sozinha duas vezes na mesma noite era demais.
Não passou nem um minuto e senti as pétalas de uma flor fazendo cócegas no meu nariz. Virei o rosto e lá estava o grande chato, intragável, insuportável, oferecendo uma rosa roubada da cozinha do restaurante.
“Era brincadeira. Nunca achei que você fosse chata, pelo contrário ...”
Deixou a flor sobre a mesa e saiu sem fazer barulho.
Desde então, uma bela amizade nasceu entre nós. Ele é a primeira pessoa que procuro quando tenho um problema e ele me disse que faz o mesmo.
Fui madrinha no seu casamento e o incentivei a voltar a estudar. Ele foi o único a saber que fiquei grávida e sofri um aborto espontâneo. Esses são só pequenos exemplos da nossa cumplicidade.