De branco vestem-se os vizinhos. Som alto de gostos diversos. Churrasqueiras fumegantes, carros chegando.
Em todas as casas as famílias se reúnem. Os amigos visitam. Cumprimentos e felicitações ecoam em todo o solo nacional.
Com um besouro zunindo perto do ouvido, o jovem em frente a casa mira no chão o cigarro que queima sozinho. Um sorriso débil, a mão canhota segura o copo com qualquer líquido. A destra, um novo cigarro aceso.
Olha as estrelas e ouve os primeiros foguetes, uma hora antes do momento aguardado.
- Feliz ano novo! – Deseja o vizinho cujo nome nem imagina e poucas vezes vira.
Uma ou outra pessoa que passa deseja tal feliz sorte, retribuída com humilde sorriso simpático.
- Vai virar sozinho de novo? – pergunta preocupadamente o vizinho da frente.
- Logo alguns amigos vão chegar e passaremos a noite juntos a bebericar e programar o ano que está por vir – diz o jovem com o mesmo sorriso simpático.
Programar, prometer, é o que ouve das pessoas que passam na rua conversando. Algumas conhece de vista e observa. Entra ano, sai ano, continuam iguais.
A menina gorda, que tantas vezes viu correr pelas ruas do bairro em roupas de ginástica novas, continua gorda, e sempre será. O adolescente com seus amigos diz que nesse ano perderá a virgindade, como em outros tantos. Quando conseguirá, só o tempo dirá.
Enchendo o copo de um líquido qualquer de uma garrafa qualquer, lembra da viúva da quadra de traz. Temia morrer sozinha, já que não tinha filhos, e fugiu da família para casar. Em sua mente, passa novamente o velório da velha, em que a única pessoa presente na capela era ele, por não ter mais o que fazer. Recorda com melancolia a morte prematura da pobre senhora, que mesmo desejando por quatro anos seguidos, sozinha entrou na cova sendo acompanhada apenas pelo padre, que não se preocupou em fazer a última prece.
O único desejo do jovem, assim como a velha viúva, é não passar mais nenhum reveillon sem ter quem abraçar, ou beijar. Virar um ano sem nada a desejar, pois nada mais teria importância melhorar.
O barulho dos fogos aumenta com a passagem do tempo. Minúsculas luzes brilhantes sobem para o céu enquanto acende mais um cigarro. Bebericando do copo vê as poucas luzes explodirem no escuro céu da noite curitibana. Não observa mais os vizinhos, Não ouve mais o que diz quem passa.
Sorri novamente, os olhos brilhando. Larga inconscientemente o cigarro que queimará no chão até o filtro, acompanhado por três outros em filetes de cinzas.
A formigação do álcool no cérebro diz que terá novas esperanças. Várias músicas confrontantes em estilos, das casas dos vizinhos, trazem mensagens de alegria, ou melodia bonita.
No céu negro coberto por fumaça, só as estrelas mais intensas em luz brilha. A lua cheia reina gloriosa. E o dia chega mais cedo mais cedo com as luzes dos fogos, que iluminam ruas, janelas, telhados e olhos.
De toda a parte, baterias de pólvora ensurdece mesmo os poucos que tentam dormir. Esferas imensas enchem a escuridão de cores variantes do vermelho ao verde. Feixes incandescentes sobem e descem formando cascatas. A molecada da rua, com sua pequena contribuição à comemoração, estouram bombinhas, enquanto alguns adultos lançam foguetes.
Um velho mal vestido, aparentemente bêbado, grita na rua felicitações para quem pode ouvir. Abraços apertados, que às vezes tiram os pés do chão, se espalham por todas as partes. Rolhas voam e o líquido espumante derrama mais no chão que no copo.
Gradualmente os fogos cessam, os telhados não estão mais coloridos como a pouco. Por toda a noite bombas e rojões são queimados. As mesas postas de leitão, maionese caseira, arroz carreteiro e outros quitutes.
Gradualmente os vizinhos entram em suas casas para cear. A rua que não brilha mais, novamente deserta. A música continua, de carros parados e aparelhos para fora de residências. No lugar de incessantes estouros, risos e sinais de confraternização ecoa no ar.
Sozinho, sorrindo ainda mais largamente, o jovem deixa outro cigarro para queimar no chão. Os olhos ainda brilhando. Coloca a carteira de cigarro e o isqueiro no bolso da calça, levanta a garrafa numa mão, na outra já estava o copo, ambos vazios. Entre em casa e apaga as luzes. Mesmo com um estouro de rojão ou outro pela madrugada, dormiu tranqüilo, sonhando com tudo que espera que o ano novo lhe reserva.