As fotos estão lá, estampadas na primeira página de um jornal sensacionalista. Pouco sobrou do carro do empresário M. R. Thompson, única vítima do acidente ocorrido na estrada de terra que ligava duas cidades do interior de São Paulo. O mesmo pode ser dito da viatura com dois policiais mortos, encontrada em condições semelhantes na principal rodovia da região. “Falha humana ou mecânica, ainda não se sabe. Será preciso aguardar o laudo da perícia. O Sr. Thompson deixou viúva e dois filhos menores. Devido ao horário e ao trajeto que, segundo sua esposa, era o mesmo de todas as manhãs, deveria estar viajando sozinho” – dizia o jornal. Sozinho? Voltemos um pouco no tempo.
Como fazia todas as manhãs, o Sr. Thompson abriu a garagem de sua casa pontualmente às sete horas. Tirou o carro e desceu para fechar o portão, dar um beijo na mulher e nas crianças e, fatalmente, um tapinha na bunda do menor. Enquanto cumpria seu ritual, uma pequena abelha aproveitou a porta aberta do carro e alojou-se no canto direito do painel. O empresário voltou para o carro e seguiu seu rumo de sempre, em direção à cidade vizinha.
A calma só era quebrada pelo som dos violinos da música de Vivaldi que se encarregava da trilha sonora daquela viajem. Durante vinte minutos nada de anormal aconteceu. Porém, sem aviso prévio, aquela abelha aparentemente inofensiva resolveu dar o ar de sua graça. Num vôo rápido surpreendeu o motorista passando duas vezes diante de seus olhos. Ele apenas desviou o rosto instintivamente e continuou a dirigir. Logo em seguida, a abelha resolveu zumbir alguma coisa em seu ouvido. Ou ele não entendeu ou não gostou do que ouviu, pois imediatamente tentou acertá-la com um tapa que atingiu sua própria orelha. Ela se esquivou e pousou no centro do volante como se o encarasse. Não aceitando a provocação, o homem acionou o botão que abria o vidro de sua porta, esperando com isso que ela voasse para fora. Não adiantou. A abelha o atingiu na testa, e mais uma vez ele tentou jogá-la para fora do veículo. Mas ela parecia determinada a não sair dali. Voou para o banco de trás e quis golpeá-lo a traição, na nuca. Embora ele soubesse que não havia tomado nenhuma ferroada, nada era tão incômodo quanto aquele inseto o agredindo. Mais uma vez ele bateu em si mesmo e irritou-se a ponto de parar o carro e jurar que não seguiria viagem enquanto não tivesse certeza de haver se livrado da intrusa. Até os violinos se calaram para que o menor zumbido pudesse ser ouvido. Enfim, silêncio total e nenhum movimento se fazia notar. Um olhar mais atento tentava localizar a abelha parada em qualquer lugar ali dentro, mas nada foi visto. O Sr. Thompson parecia finalmente ter se livrado da carona indesejável. Sentou-se novamente ao volante e seguiu em direção à empresa.
Quando tudo parecia estar novamente sob controle, do carpete sob o seu banco, surge novamente a maldita abelha, e desta vez, ainda mais enfurecida do que antes, sabendo que era possível infernizá-lo sem perder o ferrão, o que seria fatal para ela. Sem lhe dar tempo de reagir, atacou-o nas bochechas, nas mãos, outra vez na testa, outra vez na nuca, zumbiu insistentemente em ambos os ouvidos e por mais que ele tentasse se defender, maior a velocidade do inseto e a fúria com que o atacava. E foi assim, se batendo e se debatendo que, por fim, o Sr. Thompson largou o volante e perdeu totalmente o controle do veículo, chocando-se contra uma árvore. A abelha apenas conferiu se seu ferrão ainda estava no lugar, e voou para fora do carro. Quase uma hora se passou até que um morador da região se deu conta do acidente e resolveu telefonar pedindo socorro.
E o socorro chegou, após um bom tempo, em forma de viatura de onde desceram dois policiais rodoviários. Um deles se aproximou para ver o ocorrido, saber quantas vítimas havia e se alguma sobrevivera, e o outro foi ao encontro do homem que telefonou para tentar saber detalhes. Mas a única certeza era que o carro havia se chocado contra a árvore e que a única pessoa a bordo não havia sobrevivido. Um dos policiais voltou para a viatura e através do rádio comunicou a central para que fossem tomadas as devidas providências.
Enquanto aguardavam a chegada dos outros especialistas, um dos policiais tentava retirar dos restos do veículo documentos e outros objetos que pudessem ajudar a identificar a vítima. O outro, um pouco distante, conversava com a única testemunha que, na verdade, nada tinha a testemunhar.
Enfim, chegaram reforços e os dois policiais foram dispensados para seguirem rumo à cidade mais próxima, onde estavam escalados para patrulhar a principal rodovia. Ambos foram em direção à sua viatura, porém, sem saber que, no canto direito do painel, havia uma pequena abelha pousada.