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Contos-->A seco, há sede, o medo mata -- 05/02/2002 - 10:48 (Danilo Meirelles de Souza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Assim era o dia... De cotidiano tórrido e árido, a secura, pairava entre as veias do lugar. Entre alguns poucos, os muitos que ali ficaram, permaneciam calados, mudos ao ambiente, a sonoridade, era letal. As crianças, que pela maldade, mal faziam idade, secavam as secas lágrimas, dos silenciosos e amargos destinos maternos daquele fim. Traduzidos aos ventos e brumas, quem era vivo, no passar das horas, passava as horas ao contar de estórias, bois e boiadas, bruxas, lendas e assombrarias, que se faziam assombrar cada retirante do lugar.
Tião Severo, o mais antigo das passadas, cantador e contador de causos, em mais um dia daqueles, de provocar sede em camelo, de cacto secar e homem matar a sede com saliva, ao lado de sua viola, magra e derradeira, provocava aos demais malungos da roda, as diversas vertigens e sensações, de suas cantadas.
— Foi entre as bandas do rio gavião, nos meados do sertão catingueiro, o boi se chamava Batista, o boiadeiro, era eu, Severo, Tião Severo.
Como se ouvia de proza, nas rodas, costumava se assuntá que Severo, nunca havia perdido um duelo, num havia nenhum boi que num trouxera amarrado no lombo de ventania, seu cavalo alazão.
— Naquela paródia, era eu, Deus, ventania e Batista. Batista se adentrou no mato, na capoeira, costumava se esconder atrás de qualquer capinzal, um marroeiro desses, procurava se vê forro, se oculta da minha visão.
Em outra estória, a dois milharais dali, onde a terra rachava, e tudo o que se brotava a terra comia, andava Olavo Quirino, negro filho de cativo, criador e criatura difamada na imagem de Deus, de mudez aparente e tristeza no sair do suor, pelejava a beira da estrada, num roçado seco de milho, embraçado a sua enxada de meio cabo de guatambú, verga dura e típica do ofício, procurava raiz, e quando muita sorte, um desses calango, que num centésimo de segundo se distraía, e era traído por ele.
...Terra que um dia plantou,
Que já deu de comer,
E que já deu de beber,
Terra que o homem roçou,
É a terra, que um dia, a própria terra secou...
Quirino, de tão só, costumava de vez em diante prozear de seus próprios versos, assuntá de sua mesma andança, e nos prolongares de sua imaginação, provava sua própria vida.
O destino, parecia traçado entre os dois, Tião, era severo até no nome, e Quirino, parecia destemido a qualquer sombra de assombração. Naquela passada, Batista garantia a Severo sua reputação, pra Quirino, só restara algumas raízes, a fome, e o próprio destino.
Destino, era o que o próprio destino reservava para os três, Batista, Severo e Quirino.
Em um momento de silenciação na mata, assim que os dois, em olhares diferentes, cruzaram suas cruzadas, onde Batista de olhar atento a si mesmo, via-se forro e tremulante ao olhar de Severo, que presenciava sua própria sensação de respirar o boi. Os dois, Batista, o boi, e severo o Homem, respiravam-se compassadamente, concentravam-se atenuante ao menor ruído deles mesmos.
...Suspiravam...Silenciavam-se, ao redor, apenas as vontades; novamente, do boi, Batista, a forria, e do homem, Severo, adrenava-se pelo boi. Quirino adiante, de presunção de um ato, cego a sua mesma coadjuvância da estória, andarilhava pequeninos metros do combate, sentia a imensa fartura saciante em sua pele, parecia não temer a morte, nem mesmo a fome. Os três, Batista, Severo e Quirino, respiravam ao mesmo tambor, ventania, esperava por Severo na boca da mata, os três, destinadamente sincronizado a mesma sensação febril, do perto, do frio, de algo que estaria por acontecer, no mesmo momento, até na movimentação atenta do olhar, esperava-se que um deles, descompassasse-se seu medo, colocasse se em direção, a vista, se fizesse caça, destinasse-se a sua própria e intuitiva morte.
Batista parecia morto, de tão mudo, porém astuto, Severo, escutava a sua única e própria respiração, que poderia ser derradeira, e Quirino, ancião de seu pressentimento, atropelado por seu descompasso, destemido e amedrontado pelo seu mesmo e verdadeiro destino, adiantou-se em passo incalculado, traçou seu próprio sepulto nas galhadas secas, e de suficiência única naquele momento. Severo, se fez também suficiente ao tão pouco barulho, se apunhou de sua bacamarte, fez miração, respirou, prendeu o ar...
Batista amedrontava-se... Ele, que se encontrava ao costado de Severo, apiuo-se ao estrondo, ensurdeceu-se em fúria, mugindo, bramindo, em seu ato, partiu certeiro e defensor de sua estalaria animal, reagiu estintivamente...E ele, Severo, se viu traído pelo seu próprio medo, viu seu destino enganado por um ato do desconhecido, por um destino distinto ao seu, a fim de sua fama, agonizava ao impacto que acabara de sofrer, era mesmo seu fim.
Quirino, sim, encontrou, pressentiu a sensação sua, única e verdadeira, alegria... Desconheceu por inocência, o motivo de seu último respiro, reconheceu por insistência a certeza de nunca mais, naquele imenso deserto, seco, brando e traiçoeiro, voltaria a sentir medo, no momento exato, o fogo, ardeu e adentrou-se em seu peito, fez de sua felicidade um instante sem sofrimento.
O momento ainda era confuso entre eles, dois corpos se encontravam, agora, em descanso, o medo, passara, em apenas uma verdade, foi decidido o destino, daqueles... Palavras, não poderiam ser clamadas, nem mesmo explicadas. Não saberiam a certo o que aconteceu, a certeza, era de apenas uma vida, as pessoas se atrapalhavam a entender.
Severo e Batista nunca mais se encontraram, Batista nuca mais encontrou Severo. Tião Severo teve ali, seu derradeiro fim. Há quem duvide de tudo, suicídio, bruxaria, assombração.
Naquela quadrada, coisas incertas e estranhas aconteceram, um tiro, dois corpos, e um boi assustado, a morte tratou de mostrar a cara, a fome mal passava por perto, e algumas roças dali, a terra continuava seca, tórrida, triste...


- FIM -
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