Saiu do elevador com o jornal dobrado, amassado nas mãos. Caminhou pelo corredor penumbrento. Cheiros velhos, impregnados nas dimensões estreitas, apelavam para que voltasse correndo, mesmo que fosse escada abaixo. Resistiu.
Precisava encontrar o número trinta e quatro. O corredor parecia infinito. O som dos passos não se propagava, amortecido pelas sombras e pelo silêncio. Olhava para trás de minuto a minuto, vigiando a retaguarda vulnerável. A escuridão ia fechando a passagem de volta.
Parou na porta velha, lascada, com o número trinta e quatro escrito com giz amarelo, apagado.
Apertou, discreto, a campainha.
Um olho mágico enferrujado, parecia analisá-lo em raio-x. Resistiu mais uma vez. Conferiu o jornal. Estava no lugar certo. Edifício Asa, vigésimo andar, trinta e quatro.
O umbigo deu alarme, esfriando a barriga. Estava preso para sempre, sem corredor para a fuga. O calafrio escorreu sorrateiro lá para baixo de seu corpo franzino.
Ouviu passos longínquos. Rangido de porta. Vontade de fugir. Necessidade de ficar. O olho mágico vigilante, frio. Ninguém atendendo.
Olhou para o botão da campainha. Vontade de apertar novamente. Vontade de correr, mergulhando naquela escuridão do corredor sem se importar com mais nada. Apenas sair daquela situação insana. Do outro lado a certeza da escada, do elevador. Era só correr. Descer aos pulos até a galeria lá de baixo, cheia de gente. Cheia de luzes. Cheia de barulho bom. Chegar lá e ouvir o alarido da praça. Os meninos jogando bola. O Sol agulhando a pele. O jornal que achou no lixo, era só devolver ao lixo. Entraria no jogo e passaria mais um dia igual aos outros.
Voltaria pra casa à noite. O mais tarde possível. Daria uma nova desculpa justificando porque não conseguiu dinheiro algum. Enxergaria a mãe enfiada naquela cama escura, no canto da casa penumbrenta como este corredor.
A sua casa. Casa com cheiros velhos, impregnados nas dimensões estreitas. Silêncio da noite quebrado pelos gemidos da mãe. Gemidos da doença ou das pancadas que o pai vai dar nela quando chegar de madrugada e pedir o dinheiro do trabalho. Trabalho que ele não fez e que está atrás deste trinta e quatro, que tem esse olho mágico espiando. Examinando. Esperando uma eternidade pra atender.
A janela estreita no final do corredor derrama no chão um jato de sombra clara, vinda do túnel cinzento que separa os prédios. A esperança aguça as idéias. Nasce a alternativa ao corredor sem volta. Ao olho mágico aterrador. Aos gemidos da mãe.
Correu até a janela. Espiou lá para baixo e pensou no edifício Asa e nas asas que não tinha. Sentiu cócegas nas costas. Ouviu o barulho da chave, virando lá no trinta e quatro. As cócegas aumentaram e sentiu as asas nascerem céleres. Num esforço de raiva e desespero, empurrado pelo ruído rangente da porta, ergueu-se no parapeito. As cócegas pararam. Atirou-se batendo as asas e esvoaçou pela galeria iluminada.