O pai de Eufena foi um autodidata. Lia escondido os livros do patrão e soube da existência de Eufena, uma das musas gregas. A próxima filha ganhou o nome.
Eufena é uma negra brasileira. Pegou no pesado. Surrou o marido todas as vezes que chegou bêbado. Menos na primeira, quando recém havia casado. Naquele dia ela apanhou feio. Estava desprevenida. Cansado de apanhar e não conseguindo largar o vício, o marido foi embora. Grávida, mais quatro rebentos pra criar, perdeu a ternura e endureceu.
Hoje é velha. Olhando-a de longe não se sabe se é homem ou mulher.
Os vizinhos a chamam de Marreca. É mais fácil. Ela não liga. Foi mesmo uma autêntica marreca. Não deixava ninguém chegar perto dos filhos. Virava bicho, a Marreca. Gritava, esperneava, bicava. Queria todos formados.
As duas meninas seriam professoras. Elas sempre mostraram aptidão. Brincavam de escolinha em casa, ensinando os menores.
O mais velho ia ser advogado. Tinha pinta. Gostava de se vestir a caráter. Era falador que só!
O do meio seria médico. Desde pequeno pegava as tampas de latinhas, uns barbantes. Juntava tudo e virava um estetoscópio. Saía à cata dos irmãos para ouvir o coração.
O menor tinha tudo pra ser comerciante. Tino não faltava. Sempre pareceu persuasivo.
Eufena, a Marreca, sonhava com uma vida tranqüila enquanto dava duro na prefeitura. A vida até que mudou quando “seu” Raimundo foi lá no barraco pedir voto e prometeu um emprego na limpeza de rua. Eufena votou nele e fez quase todos os vizinhos votarem também. Ele se elegeu e cumpriu a promessa.
Depois mudou o Prefeito. A companhia perdeu a concorrência e ela foi pra rua. Catar papel. Foi o que sobrou fazer.
Assim mesmo, anda cheia de esperanças. As meninas, futuras professoras, estão grandes e já ajudam. Trabalham a noite toda numa lanchonete lá do centro. Coitadas! Gastam quase tudo em roupas. Precisam ter sempre boa aparência. Exigência do trabalho. Dormem o dia inteiro. Eufena acha que elas estão juntando dinheiro pra voltar aos estudos.
Os rapazes foram aos poucos sumindo e não recebeu nunca mais notícias deles. Quem sabe um dia aparecem bem vestidos, cheios de si. Sorrindo, vão dizer que vieram buscar a mãe pra morar com eles.
Eufena ajeita os cabelos, olhando-se naquele caco de espelho que um dia achou no lixo. O delegado mandou buscá-la. Ela vai lá na delegacia ver o que aconteceu.
A Marreca fala sozinha:
– Que ofensa é essa? Eles vão ver quanto dói a bicada de uma Marreca enfurecida. Onde já se viu prender assim, sem mais nem menos, duas futuras professoras!