Noite de lua cheia. É bom ver a rua cheia, e, melhor ainda, é sentir que os homens estão com menos vontade de andarem olhando para os próprios sapatos.
Noite de lua cheia. Meu olhar sobe e desce qual um iô-iô. A lua está num apogeu de beleza gritante, enquanto os homens, aqui na terra, estão mais preocupados com a lista do mercado, com o horário do ônibus que, fatalmente, atrasará ou com ânsia de uma chamada telefônica.
Noite de lua cheia. Lembro-me do meu olhar horizontal, completamente contemplativo, criando fantasias do Santo versus o dragão, quando o mar lhe chicoteava no horizonte, ou na excitação da penumbra que sua sobra me dava no imaginário mundo de entes misteriosos.
Hoje, a lua cheia exige um olhar vertical. Quantos prédios foram construídos só para apaga-la! A cidade é o habitat mais ingrato para tentar ver a lua!
Mas ela está lá, visivelmente escandalosa! Impossível seria, nessa noite, não tem um torcicolo nem receber um perdão dos céus.
Foi quando meu olhar iô-iô, céu e chão, viu um casal esteticamente feio. O filho, nos braços magros do homem, me chamou a atenção. Ele falava e falava, mais até que a própria idade o permitia. Olhava para o céu com aquele olhar que tive quando criança: horizontal. A mãe, magérrima, sem força para emitir palavras, acariciava seu homem, suposto companheiro, e dedicava um carinhoso olhar para o menino-falante. Me questionei como braços tão magros suportavam o peso daquela criança.
— Cadê aquela outra lua, mãe?
— Lua, filho, só existe uma!
— Então a de ontem não tinha catado lixo...
O casal, perplexo e enamorado, beijou-se na tristeza e na miséria, deixando pouco espaço até a para urbana lua cheia.
Agradeceram a Deus pela sagacidade do filho e pela falta de teto. Pois, se sob paredes morassem, não teriam tempo, sequer, para ver a luz natural do mundo.
Cataram lixo, jantaram e dormiram iluminados pela lua.