Godofredo deu entrada na papelada da aposentadoria no final de abril, após 34 anos de labuta incessante na fábrica de biscoitos. Apesar de não ter iniciado o 2º grau, chegou à posição de gerente na área de embalagem e armazenamento. Durante todos estes anosde trabalho dedicado, só chegou atrasado por 5 ou 6 vezes, em virtude de panes ou greves nos trens. Licença médica, apenas uma de 20 dias, quando uma pneumonia grave o derrubou na cama. Conhecia a fábrica como o quintal de sua casa. Trabalhara na limpeza, cozinha, compras, ferramentaria, caminhões e brigada de segurança. Com a ajuda da esposa Marielva, conseguira comprar a modesta(mas confortável) casa em Realengo, onde suas duas belas filhas passaram a maior parte da juventude brincando com as colegas do bairro. Em novembro próximo, o primeiro neto chegaria para
alegrar os bem cuidados jardins deste lar feliz.
Como não gostava de deixar nada nas mãos de terceiros, com a permissão do Dr. Ducem (sócio fundador da fábrica), estava correndo pelas repartições do INPS, Caixa Econômica e assemelhados, para que seu processo não ficasse por alguma pendência ingênua. O valor a receber do FGTS (uma fortuna de quase R$ 75.000,00) daria para construir a 2ª casa, no terreno ao lado de sua atual moradia (manter as famílias unidas
é uma alegria sem comparação), até com algumas mordomias a mais, tais como :
churrasqueira, quadra polivalente(de terra mesmo), piscina com capacidade para 12.00 litros e uma horta de quase 10 m2. Talvez com o saldo do PASEP,pudesse trocar a velha e já bem enferrujada Brasília 76 por um Fiat 92.
Entrou no saguão do Banco do Brasil, cujo piso estava brilhando. A equipe de limpeza dali devia ser bem administrada, pensou. Como não tinha grandes habilidades no uso do cartão magnético, preferiu entrar na fila com 8 pessoas.
Ficar em pé por alguns minutos, até que seria saudável após ter permanecido sentado durante 2 horas, dentro de um ônibus pirata, no meio da Avenida Brasil, pouco antes do almoço.
O caixa Borges (assim indicava a placa pendurada no vidro) até que trabalhou ligeiro : em 18 minutos lhe perguntou o que desejava.
- O sr. pode ver meu saldo no PASEP por gentileza ?
- Qual o seu número ?
- 24696969690
Antes de dizer o último algarismo, Borges já estava lhe respondendo
com voz firme e educada :
- R$ 1.124,69 !
Godô ficou pálido ao retrucar :
- Espere, amigo Borges. Eu não quero o saldo deste ano apenas, mas sim, o saldo total, de toda uma vida de trabalho.
- O saldo é este mesmo, Sr. Godofredo. O computador está ligado ao BD central. Qualquer dúvida, procure o Ministério do Trabalho.
Godô não quis polemizar com o gentil funcionário. Preferiu entrar em outra fila de 4 pessoas para confirmar o valor. Quem sabe o funcionário Pedro não descobriria esta diferença ? Mais 15 ou 20 minutos numa fila não lhe aumentaria a fome.
- O sr. pode ver meu saldo no PASEP por gentileza ?
- Qual o seu número ?
- 24696969690
Antes de dizer o último algarismo, Pedro já estava lhe respondendo
com voz firme e educada :
- R$ 1.119,69 !
- Epa ! No caixa anterior havia uma migalha a mais. Agora já estou começando a sentir cheiro de trapaça contra o trabalhador honesto, que não possui amigos nos altos escalões do governo.
- Cada vez que o sr. solicita o saldo, cobramos R$ 5,00 de taxa bancária.
O dono do banco está atravessando dificuldades financeiras neste semestre.
Suas férias na Europa foram de apenas 2 meses, por medida de economia.
Qualquer dúvida, procure o Mi(ni)stério da Economia.