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Contos-->Que embrulho -- 09/03/2002 - 11:13 (Haroldo Pereira Barboza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Que embrulho !
(M. H. Festival de Cultura Canoas/RS – 2001)

Vitálio só exercia a boa educação dentro do ônibus, quando havia oportunidade de puxar uma conversa com alguma pantera suburbana. Neste momento, tornava-se solícito e gentil. Na fila do ponto final,preferia aguardar mais um ônibus para poder iniciar viagem sentado. Escondia a aliança de casamento na capanga e ficava aguardando que alguma bem dotada começasse a encostar-se em seu ombro, empurrada pela multidão que se aglomerava no corredor do coletivo. O trajeto até Campo Grande, em torno de 90 minutos em dias sem chuvas, lhe oferecia a oportunidade de demonstrar sua gentileza em se oferecer para segurar algum embrulho (quando leve) ou até oferecer o lugar (caso o decote da audaciosa boneca fosse generoso). Ao longo doano anterior havia conseguido tapear 2 ou 3 faxineiras com um papo de empresário fotográfico e conseguiu leva-las para o estúdio do seu primo Rufino (que também participava de bandalhas semelhantes - mas era solteiro).

Naquela 6ª feira morna, quando algumas pessoas corajosas subiram no ônibus na Leopoldina, observou a ruiva que portava duas sacolas de sapataria na mão esquerda. Ela passou pela roleta após pagar a passagem e 5 minutos depois, estava ao lado dele, esbarrando em seu ombro estrategicamente estufado para o lado do corredor. Quando o casaco se movia na curva, ele apreciava o belo traseiro dentro do vistoso vestido florido, onde as margaridas se realçavam.
Ele sorriu para ela e se ofereceu para segurar as duas sacolas. Ela agradeceu o gesto e aceitou, alegando que havia comprando seis pares de sapatos para os irmãos e já estava com os dedos dormentes devido ao peso das sacolas. E o papo se iniciou alegre, começando a tender para a simpatia dela, sua estampa apropriada para modelo, sua imagem fotogênica.

Subitamente o coletivo parou. Os quinze passageiros que ainda se encontravam de pé (inclusive ela) foram arrumados 3 ou 4 metros mais à frente. Ouviram-se vozes vindas da porta traseira, enquanto três sujeitos fardados e armados entravam pela frente. Por acaso, não se tratava de assalto. Era uma batida policial mesmo.
Estavam procurando traficantes, assaltantes e similares. O guarda de bigode pediu a Vitálio que exibisse o conteúdo das bolsas.

- São apenas uns sapatos daquela senhorita ruiva ali na frente.

- E estes 32 pacotes brancos aqui por acaso são de talco para perfuma-los ? Eu não estou vendo nenhuma ruiva dentro deste coletivo.

Enquanto a viatura engrenava a 2ª em direção à delegacia, Vitálio observou a dona na calçada lhe acenando. O vestido era o florido, mas o cabelo era preto. Ah, então ela estava usando peruca! Que safada!

Haroldo P. Barboza - Andarai - agosto de 1995
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