A subida íngreme determina a cadência dos passos miúdos pelas trilhas sinuosas. O sol forte, a brisa suave, ligeiramente fria, o ar puro das montanhas, a paisagem pedregosa do agreste. Todos a pé, nos cavalos apenas os mantimentos. O suor denuncia o esforço da sexta légua da jornada. Corpos magros, musculosos. Rostos empoeirados. Roupas rotas, ligeiramente enlameadas. Botas retorcidas nos pés quase talipes, alpercatas de couro, deixando à mostra as rachaduras dos calcanhares. Olhares serenos e determinados.
A fila indiana heterogênea: dois cavalos, um cachorro, dois homens, uma mulher e quatro crianças. Não fosse a proximidade física, não pareceria viajarem juntos.
Os animais, com os bisacos de milho no focinho, mastigam sem parar para nada, nem mesmo para adubar a terra: cagam em movimento. Balançam as ancas. Às vezes arfam um pouco.
Sultão, perdigueiro, sua sinaleira é o rabo. Endurece ante um ninho. Se de cobras, o pêlo traseiro se eriça. Se de pássaros, com o olhar, pede a autorização, sempre negada, para o ataque. Contém-se ante uma revoada de anu ou ribaçã. Balança o rabo quando as risadas infantis são próximas a gargalhadas.
As crianças, tagarelas, riem de tudo e por nada. Provocam-se à toa. Os adultos, monossilábicos, falam do essencial.
No cume da serra a abertura, ladeada por duas grandes pedras, indica o caminho da encosta a seguir, rodeando-se à esquerda. Não fosse a altura da abertura, pareceria uma gruta. É um túnel, não encravado nas rochas, mas formado pela própria mata, os galhos das árvores encontrando-se no alto. Depois da abertura, o caminho fica mais largo, o túnel mais ainda.
Silêncio absoluto. Os corações parecem bater mais devagar. Cada um, à medida que entra no túnel, retira o seu chapéu. Algo os transformou em um grupo. Parecem tomados pelos mesmos sentimentos e sensações.
Os únicos barulhos são o latejar das frontes e o escorrer do suor. E, muito distante, cigarras e pássaros. As patas de Malhado e de Trigueiro parecem surdo e tarol marciais, dando o toque do cortejo fúnebre. Não há corpo presente.
À medida que se avança, cada qual mergulha em seu próprio mundo. Mais que a escuridão, o que aumenta é a atmosfera de mistério. Chega-se a temer que os outros ouçam os seus pensamentos incontroláveis, os quais, guiados pela sensação mítica e mística, aprofundam-se na essência de cada um. Será a morada de Caipora, a Comadre Fulôzinha?
À esquerda, uma rocha e um lajedo. O silêncio, que já era absoluto, aumenta. Só não dói ou angustia porque há uma imensa paz reinante. O tiro estoura na cabeça de todos e de cada um. É assim toda vez que aqui se passa. A tocaia se repete. O Caboclo foi assassinado outra vez. A revolta, estranhamente, não gera sentimento de vingança, mas um forte clamor por justiça. Por que ninguém mais sabe o nome do assassino? Ele pouco importa. Só o Caboclo permanece. Recarrega a serenidade e a determinação do olhar, não mais cabisbaixo. Todos olham em frente, eretos, cabeça erguida. Deixou-se de entrar para sair da mata. Não é mais o túnel da morte e sim da vida.
Após uma curva à direita, o impacto. Cada um que chega à saída pára um instante. Talvez para se refazer da contração imediata das pupilas ante tanta luz do sol refletido nas cascatas. Talvez para a adaptação ao som intenso da água corrente, do canto dos pássaros e das cigarras, do coaxar dos sapos. Talvez pelo atordoamento do cheiro das frutas. Talvez para a mudança de ânimo.
Lá embaixo está o Sítio das Minas. Imensa área de fruteiras, nascentes e cascatas. Raras casas penduradas nas encostas. A vida que chama. A Mata do Caboclo ficou para trás, conservando o mistério que inspira medo a uns, atrai outros e desperta o respeito de todos.
Manoel Carlos Pinheiro
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