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Contos-->"Decerto, dirão que os sonhos são apenas sonhos -- 23/03/2002 - 16:09 (Ferdinando Genduso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Decerto, dirão que os sonhos são apenas sonhos que não serão nada mais do que isso”.




O despertador tem hora marcada e as seis da manhã já se põe de pé. Os olhos ainda adormecidos espelham os sonhos e se arrepiam diante da água fria, gelada que se perde da torneira. Penteia o cabelo, pega as chaves e se põe no caminho. Pára para tomar um café; são quase seis e cinqüenta, o frio é arrasador e cortante, sua velocidade é incalculável e estranha.
O expediente no escritório só começa às sete. Os funcionários aos poucos chegam. Uns no horário, outros atrasados – adormecidos, perdidos em seus problemas, em suas cismas; às vezes dizem palavras que caem no vazio, sem sentido – apesar de existir algum, senão não haveria razão para dize-las, mas quem pode saber? Talvez assim se sintam fortes, realizados ou mesmo disfarçados com máscaras de rostos humanos que escondem suas cicatrizes e medos do dia a dia.
O telefone toca, Marli o atende:
- Alo! Pois não.
- Ah sim. Claro, fala Chuchu!
- O quê! Tchau seu idiota.
Marli cursa o 3º ano de jornalismo na Fiam e na verdade tem muita conversa, conversa até demais. Os olhos profundos e uma expressão de tristeza nas pestanas. A boca grande e os seios pequenos. Ela caminha com passos desconcertantes, com um gingado rebolativo – mas principalmente, com a cabeça erguida.
Oito horas. Chega o chefe. Com sua cara mal lavada e o cabelo despenteado. Mas por favor, não vá pensar que ele é relaxado, é apenas modesto, apesar do seu cargo dentro da empresa e ter na mesa uma plaqueta que diz: CHEFE.
- Alo! Quem quer falar com ele? Ah sim! um momentinho.
- É o Dr. João na linha b.
Oito e meia. O office boy recolhe o serviço que vai ser distribuído entre os funcionários.
Hélio é o arquivista; mas esse é uma figura – boa gente não se pode negar, mas tropeça nos erros e na ingenuidade dos anos. Tem olhos negros e cabelos espinhosos, e dentes desarticulados que lhe dão uma fisionomia feia e ridícula que é motivo de deboche entre os seus colegas.
- Ô Hélio, seu “pai” tá chamando. Disse o pequeno “boy”.
- Qual deles?
- O mais novo. Vamô! Anda logo. Pára de enrolar.
- Vai se danar “macaco”.
- Ô Hélio, seu “pai” tá chamando.
- Ah! Meu Deus do céu. Eu vou te quebrar todo seu moleque.
O office boy é um negro baixo, um garoto de bom porte físico e muito alegre – e revestido de esperteza e malandragem. Há pouco tempo atrás perdeu o pai – mas vai levando a vida assim mesmo. Mora num bairro “barra pesada” e conhece um pouco das coisas da rua. Todos os dias ele se levanta muito cedo e vai para o trabalho sorridente.
Nove e meia. É hora do café. Todos vão para a copa tomar lanche. A copa é pequena – mas com um pouco de jeito todos se ajeitam. Hélio diz que vai se casar. Alguém então diz que ele está louco; que casamento é coisa séria; como que se viver não fosse também.
- Alo! Ah sim! Ele não está. Quer deixar recado? Até logo.
As horas vão se arrastando como se fossem uma cascavel e não seguem nenhuma direção, nenhum posicionamento, não importa, pois todos estão ali; cada qual com suas estórias e esperanças ou quem sabe com suas loucuras – o relógio marca as horas, os minutos, os segundos, as passadas – mas não traça nenhum rumo, nenhum paralelo – cada um deles talvez encontre o que procura.
A campainha toca insistentemente. Alguém impaciente. Alguém apressado querendo receber o pagamento. Valdete é o caixa. Ela é loura com um nariz arrebitado, com seus cabelos dourados, com seu jeito engraçado – engraçado quando diz que está apaixonada pelo seu marido – quando meio receosa diz que está grávida, que vai ser mãe.
Luís é o chefe do escritório e seu olhar é desaprovador e desconfiado parece que Marli está cochichando algo sobre ele ou melhor, não exatamente sobre ele, mas sobre a esposa dele. Sobre os seus óculos, ele percorre silenciosamente todos os cantos do escritório e finge não saber de nada e vai para o banheiro.
O ar vai ficando pesado. Os olhos começam a arder por dentro; parece que agora “eles” vão se definindo nesta estória que eu espero terminar até as cinco da tarde quando acabar o expediente. Esse expediente que não passa de uma maldita rotina sem fim, sem começo. O expediente que decide o que fazer com seus fantoches, seus marionetes e depois passa a ser apenas depois...
Opa! Quase ia me esquecendo de alguns personagens importantes e se fizesse isso não iria me perdoar.
Quando ela veio – seu jeito era acanhado e seus passos indecisos. Porém agora, depois de seis meses, eu posso dizer: quem te viu, quem te vê. Estou me referindo a aquela sanssei maravilhosa.
O departamento pessoal fica numa sala isolada e fria, e por ela passam sonhos, dúvidas, crises, loucuras e espasmos que você pode até imaginar como é que é isso. Esse departamento fica sob a guarda de Roberta. Ela é uma bela garota de 18 anos que tem muitos grilos na cabeça; muitas línguas e muitas bocas para falar e xingar. Nos seus olhos há uma marca de medo, de ódio, de rancor para consigo mesma, para com seu pai. Ela carrega uma angústia no rosto que em determinadas manhãs parece mais com uma velha – uma mulher muito velha e cansada; mas as dúvidas giram em sua cabeça e as idéias surgem aqui e acolá, por aí.
- Puta vida! Tô com uma bronca do Luís que se ele me encher o saco hoje, eu vou mandar ele ... O cara parece bobo! Só pega no meu pé : é Roberta daqui, Roberta dali – vai para a puta que o ...
- O que foi que aconteceu? perguntou “G”.
- Você acha possível? Esses caras uma hora mandam fazer isso, depois mandam parar, depois mandam fazer outra coisa. Que saco!
Dez e meia. As máquinas de calcular singram pelos quatros cantos do escritório, as vozes se perdem entre uma e outra ; o telefone é insistente e barulhento.
A sala é bem iluminada e enfumaçada pela queima de um cigarro esquecido e o ambiente se confunde com o de um botequim. As vidraças estão sujas e as árvores lá fora movem-se devido ao alucinante vento que as cerca. Os carros passam aos montes na avenida Jaguaré e as pessoas não tem tempo para saber o que se passa lá em cima nesse escritório que é apenas mais um entre tantos; e são tantos que se distanciam e se confundem com o que procuram.
Onze e meia. É hora do almoço. É a hora nossa de cada dia. É a hora do agradecimento. Estamos no restaurante – ele é modesto e pequeno, mas seu aspecto é familiar e tranqüilo. As mesas estão bem distribuídas e em cada uma delas há quatro cadeiras, igual número de pessoas.
Nanico é tão pequeno, tão engraçado que todos o tratam com muita estima e consideração. Nanico é um apelido, mas ele não se importa. Por que se importar? Tudo é apenas uma brincadeira, nada mais.
Numa mesa estão sentados, Nanico, Hélio, G e Ivo ainda desconhecido. Ele é um sujeito meio corcunda, seu modo de andar inclinado me faz lembrar o “gênio” Carlitos e sua fala complicada é toda enrolada e muito engraçada e todos os seus companheiros se divertem com ele.
Já chegamos na metade do dia e ainda falta muito a ser dito, muitas coisas, o principal, a razão por estar escrevendo está estória. As intrigas contidas nela.
O frio é cortante e nos castiga com toda a sua intensidade – as folhas lá fora caem. Os carros se mantêm numa disputa infernal e as pessoas pela avenida mal podem se olhar.
Duas da tarde e as máquinas se mantêm numa corrida sem fim.
- Alo! Oi Chuchu.
- Alo! Você está boa?
- Boa não! Eu estou bem.
- Tá certo! Quer sair comigo hoje?
- Hoje? Mas para ir aonde?
- Qualquer lugar. Isso é o de menos.
- ... Mas para sair a pé; pegar ônibus! Olha não vai dar não.
Tal rejeição foi ridícula e sem a menor razão. Acho que se fosse comigo eu ia ficar sem jeito e não sei o que faria. Parece que certas pessoas só fazem as coisas pelo interesse.
- Valdete, o Marcos ligou.
- O que ele queria?
- Me convidou para sair, você acha! O cara não tem carro; não tem dinheiro e só and mal arrumado; você acha que eu ia aceitar?
- Ah coitado! Ele é um cara legal! Você bem que podia dar uma chance para ele.
- Quem! Eu? Corta essa. Plebe comigo não.
Às vezes, os acontecimentos são tão de repentes que não há uma única explicação que possa ser aceita, nem entendida pelas próprias pessoas.
O “homem” entrou porta adentro, sem dizer nada, nem perguntar nada. Olhou na sala da diretoria, depois na sala de reunião e acabou entrando no departamento pessoal.
- Moça! Sabe eu...
- Não sabe ler não? É proibida a entrada de pessoas estranhas.
- Desculpe moça! Eu só queria...
- Mas o que é isso! Você é burro? Olha a placa na porta.
- Desculpa moça! Desculpa.
O homem saiu meio sem jeito, cabisbaixo e desconsolado; levava no olhar um jeito de quem quer entender, mas não tem nada para entender; e para que entender? ninguém nunca entende nada; todo mundo parece que não tem mais nada para entender, por isso, o melhor é não dizer nada e acabou indo embora.
Nanico olhou-me nos olhos e eu claramente pude entendê-lo, de saber assim como eu, ele não aprovara o que houvera acontecido. Sabíamos entretanto que de nada adiantaria criticar ou expressar alguma atitude de repressão, pois já havia acontecido, porém não poderia se repetir, era inadmissível e idiota aquele tipo de tratamento com qualquer que fosse a pessoa.
A sala de Roberta ficava defronte a minha e a porta estava entreaberta; seu comportamento grotesco transparecia em seu rosto e nos seus cabelos despenteados, a sua fúria era nítida e chocante. Mas ela nada dissera e lá continuava, como se nada houvesse acontecido.
- Por favor. Eu quero falar com o Luís.
- Quem quer falar com ele?
- É a esposa dele.
- Um momento.
- Luiz, sua esposa está aí e quer lhe falar.
- Posso mandá-la entrar?
- Claro que sim.
A mulher entrou rapidamente. Atravessou o escritório de cabeça baixa, sem olhar para ninguém; sentou-se e ambos ficaram conversando durante quinze minutos, depois ela se foi da mesma forma que entrou.
- Valdete, você viu a minha esposa? Disse Marli em tom de deboche.
- Você viu o penteado? Que cafona!
- ... E o sapato vermelho, nem combina com a calça marrom; que mulherzinha ridícula, afirmou Marli.
- Nossa! Que língua de candinha a nossa! Será que é pecado falar dos outros assim?
- Que nada! É bem feito para o Luís que acha que todo mundo é porcaria, que só a mulher dele é a tal.
- Mas fala a verdade! Ela é feia, baixinha e toda mal vestida; parece puta. Afirma Vadete.
- Puta merda! Você não era assim!
- Por que ? Eu só falei a verdade!
- É! Essa plebe é assim mesmo. Não tem nenhuma classe.
... E falando em classe, Marli quando fala parece que tem o “rei” na barriga e que anda sobre ouro. Porém, nos seus olhos vê-se que há uma máscara de barro que lhe encobre o rosto e esconde toda a sua falsidade, todas as mentiras escondidas em sua cabeça. Em certos momentos quer parecer suprema, dona da verdade e fazer de conta que freqüenta muito lugares da “alta roda”; mas ela é tão só, tão pequena que só é notada pelas pessoas pela sua beleza, não pelo seu caráter.
Três e meia e ainda faltam duas pessoas importantes dentro da estória que nesse escritório conta. Uma delas chegou aqui a pouco tempo e com aquele jeito meio desajeitado de mulher, ela alcançou um lugar muito importante pela forma e pela força com que se desenvolveu. Seu nome é Ivonete. Ela tem uma boca grande e uma grande boca e principalmente um jeito impulsivo de ser e de responder às pessoas, e aqueles seios grandes e fogosos que insinuam sempre uma aventura; sua estatura alta e seus cabelos longos e sempre despenteados são características dessa mulher que se confunde com a realidade; suas pernas são desproporcionais aos seios e seu corpo ereto lhe dá uma posição vertical quase que real. Enquanto ia descrevendo Ivonete apareceu Tioko, a grande garota que com seu jeito manhoso e sutil de ser logo conseguiu conquista o coração de todo mundo; aquele jeito de andar macio e a fala suave e calma, eram a perfeição da natureza todos em uma única mulher. A principio houve muita dificuldade para que as demais pessoas se relacionassem com ela, sem desejaram um pedaço daquele corpo pequeno, daquela criatura que mais parecia uma boneca. Precisamente agora, chegamos no momento mais importante da estória.
As quatro horas, quando o relógio já vai perdendo um pouco das suas forças normais. Ivonete e Tioko com o tempo se tornaram grandes amigas, amigas intimas que faziam confidencias sobre os seus casos de amor e as suas incertezas.
O frio continua intenso lá fora e os corpos trêmulos não conseguem-se aquecer sob as roupas que vestem. O arquivo central é um lugar aonde normalmente se guardam muito papéis, caixas e jornais com velhas edições. As duas entraram no arquivo quase que ao mesmo tempo, apenas uma primeiro e a outra depois, e ali ficaram.
O expediente continuava normal. As máquinas de calcular e de escrever atingiam o limite máximo da loucura, e os pequenos gestos nem sempre podiam ser ouvidos devido ao barulho que faziam. A conversa entre Nanico, G e Ivo era animada e eles faziam grande algazarra que confundia-se com as máquinas.
O café da tarde foi servido na mesa e duas delas estavam vazias, exatamente as de Ivonete e Tioko, mas ninguém deu importância para isso, todos tomaram os seus cafés e continuaram a trabalhar normalmente. Apenas quando Marli disse que estranhava o fato de não encontrá-las no banheiro é que causou algum espanto e curiosidade nos demais, mas foi passageiro. O tempo agora ia terminando, digo o tempo de trabalho; são quatro e meia da tarde. Nanico e G silenciosamente se levantaram e foram para o arquivo, os dois, e tiveram uma grande surpresa quando lá chegaram. Haviam encontrado Ivonete e Tioko deitadas nuas sob uma cama de jornais velhos. Os dois continuaram ali parados e calados e nem forma notados e cada vez mais ficavam estarrecidos com o que viam. Ivonete acariciava o corpo pequeno de Tioko, tocava com suas mãos grandes os pequenos seios de menina que se excitava diante de tanta caricia; e ela continuava imóvel e deixava que Ivonete se apossasse de todo o seu corpo; agora ela era apossada de uma forma mais forte e alucinada, pois, Ivonete a tocava apenas com sua língua grande, ia tocando outra vez os seios, o umbigo e as pernas, o vão entre as pernas. Tioko já havia chegado ao clímax e não resistia nem mais um minuto e se deixou vencer pelo cansaço; depois as duas se abraçaram e se beijaram com toda a naturalidade que as cercava naquele momento. Agora as posições se inverteram, Tioko passou a fazer os movimentos. Ainda continuavam ali parados sem serem notados os dois homens que se olhavam incrédulos. Um deles fez sinal para o outro sair e este obedeceu, mas logo voltou e todos os demais do escritório ficaram ali assistindo o amor daquelas duas mulheres, que se amavam sob os jornais de velhas edições. Apenas Marli falou algo para que as duas pudessem ouvir:
- Malditas! Imundas é o que vocês são.
Os demais voltaram para seus lugares e as duas com um ar de medo iam se vestindo lentamente. Ali ficaram até o fim do expediente. Não trocaram olhares nem palavras, apenas continuaram abraçadas e caladas.
- Olha! Eu não sei nem o que dizer para vocês. Afirmou Luís. Acho que eu não preciso nem dizer que vocês estão despedidas e não terão nenhum direito quanto aos seus vencimentos. Agora, por favor, saiam daqui e não voltem mais.
As duas mulheres mão mais motivo para esconder os seus sentimentos. Saíram depois que todos tinham deixado o escritório e nem se perturbaram com nada. Ivonete saiu com Tioko ao seu lado, rebolando debochadamente.
A noite veio chegando mansamente e os tique-taques do relógio logo tomaram conta das horas e os minutos não tinham nenhuma importância nem pressa para passar, davam a impressão de que seus movimentos não queriam se desenvolver com medo de alcançar o novo dia e o despertador parecia abatido e cansado do seu mundo, que tudo o que fazia era ficar ali imóvel, sem nada desejar; nem mesmo notou o novo dia surgindo e para dizer a verdade ele acabou ficando ali no seu lugar, e as suas batidas se confundiam com as batidas dos corações prisioneiros aonde as duas mulheres haviam se amado, como jamais haviam feito... e decerto dirão que havia sido um pesadelo, nada mais que um pesadelo...



FE
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