Paraibano. Sempre foi um garoto levado, simpático e inteligente. Um pouco liberal para os padrões de sua terra. E tinha uma paixão: a vizinha de olhos amendoados, morena mignon, três anos mais jovem que ele. Conheciam-se desde a infância e sempre foram amigos, bons amigos. Ela até sentia alguma coisa por ele, mas eram muito diferentes, pois a família dela era evangélica e seus padrões de comportamento eram tão rígidos que o namoro entre os dois seria inimaginável.
Depois da adolescência, ele apertou o cerco. Até houve um namorico, nada além disto. Tentou ir aos finalmente, mas não conseguiu. Ela era virgem e tinha medo de que ele a desprezasse depois. Um beijo mais ardente já a fazia fugir.
Ele partiu para São Paulo. Foi um aluno brilhante na USP. Saiu da faculdade com um excelente emprego, tornando-se um alto executivo de uma multinacional. E com a vida que muitos pedem a Deus. Passou a residir num edifício sofisticado. E tudo ia muito bem, até que viu na televisão e nas revistas a sua musa. Tornara-se famosa: a Tiazinha.
Parecia que um açude se rompera inundando o solo rachado do seu sertão paraibano. Ficou louco. Toda a antiga paixão voltou com maior intensidade. Só pensava na Tiazinha. Virou obsessão.
Parecia até que o destino conspirava a seu favor, como sempre. Ao ficar rica, Tiazinha foi morar em um elegante apartamento. Inacreditável: vizinho ao seu!
Ele ficou à espreita até encontrá-la. Ela se lembrou dele imediatamente. E ele foi com tudo. Nada feito. Ela disse que não. Lembrava-se dele como uma coisa muito especial, platônica. Não queria substituir a lembrança maravilhosa por um relacionamento sem futuro. Com a fama, já não poderia controlar a própria vida, muito menos, pensar em algo sério. E, não sendo sério, não valeria à pena, afinal, ele era especial.
É claro que ele não desistiu. Continuou, às vezes com delicadeza, às vezes com impaciência, mas sempre tentando realizar a fantasia de sua vida. Representava muito para ele. Faria o que ela quisesse. Nada feito. Dias, semanas, meses. E nada.
Um dia, surpreendentemente Tiazinha lhe disse: - eu entendo o seu sonho, pois eu também tenho um. Desde que saí da Paraíba, meu sonho é ter um excelente Curió. Daqueles especiais. E, recentemente, mudou-se para cá alguém que tem o curió dos meus sonhos. Acordo com o seu canto e passou a ser o meu sonho de consumo tornar-me dona do curió. Eu topo realizar o seu sonho se você realizar o meu. Dê-me o curió e eu transo com você.
Oba! Esta é fácil! Procurou o porteiro. Descobriu quem era o dono do curió. Montou uma estratégia digna de uma grande incorporação. Levantou a vida do sujeito. Tudo. Seus negócios, suas manias, seus prazeres. Preparou-se para o ataque. Mas não conseguiu muito. Nada que pudesse servir para pressionar ou seduzir o dono do curió. Também morava sozinho. Era um negro, solteiro, trinta e cinco anos, advogado bem estabelecido com escritório próprio, sem problemas financeiros, não sonegava impostos, não freqüentava prostíbulos, casas de massagem ou cassinos clandestinos. Não mantinha relacionamento com mulher casada, seus clientes eram empresas da maior categoria.
Procurou-o. Estava um pouco nervoso e inseguro, mas conseguiu não demonstrar. Aparentemente foi um encontro fortuito. Displicentemente perguntou que som era aquele. O outro respondeu: - é o canto de um pássaro. - Pássaro? - Sim. Um curió. É meu. - Ah! Interessante. É um som agradável.
Passou a sair e chegar nos horários do outro. Em uma semana já conversavam como velhos amigos. Começou a manifestar o interesse pelo curió. O outro deixou claro que não se desfaria do curió. E ele foi insistindo cada vez mais. Sem nenhum progresso.
E Tiazinha passou a pressioná-lo. E o "meu" curió? Eu passo um fim de semana inteirinho com você.
Estava ficando maluco. Quando se tratava de um negócio, ele demonstrava habilidade, frieza, paciência, etc. Mas este não era um simples negócio. Radicalizou. Foi absolutamente franco com o outro. Com sua capacidade de comunicação, conseguira convidar o vizinho para jantar e abriu o jogo. Contou tudo. O outro ficou penalizado, mas explicou que o curió era muito importante. Mas havia um desejo, do qual ele se acanhava até em revelar. A sua fantasia sexual: enrabar um branco. - Realize a minha fantasia, eu dou o curió para você realizar o sonho da Tiazinha e ela realizará os seus sonhos. Todos faremos algum sacrifício, mas teremos nossos desejos realizados. - Que é isso, meu irmão! Sou espada! - Desculpe, não se fala mais nisto.
Impasse. Cada um passou a pressionar o outro.
Tiazinha: - cadê o curió? Uma semana inteira!
E ele para o vizinho: - venda o curió. Por favor, pago qualquer coisa.
O outro respondia: - só há uma condição e você sabe qual é.
Tiazinha: - cadê o curió? Uma semana inteira! Se eu gostar, a gente estica, sei lá.
E ele para o vizinho: - faça preço.
O outro respondia: - não é dinheiro e você sabe.
Tiazinha: - um mês, com chance de prorrogação.
Ele: - qualquer preço!
O outro: já fiz meu preço.
Tiazinha: um ano! É minha última oferta. Até segunda-feira, senão eu mesma procurarei o dono.
Cheque-mate. Ou não? Que agonia! Sempre foi liberal, uma vez só e ninguém vai saber. E conseguirá Tiazinha pelo resto da vida. Nenhuma mulher quis deixá-lo depois que ele lhe deu uma surra de p...
Topou. No domingo realizariam a permuta. Exigiu: - entrega logo o curió! Aqui na minha mão! O outro ainda disse: - que é isto? Não confia na minha palavra? - Claro que não! O curió aqui na minha mão! - Tá bem! - E lubrifica este negócio, porra! Não vai querer me machucar! - Calma! Não vai doer. Relaxa.
Curió na mão, posição à feição, mas não conseguia relaxar nem um pouco. Quando o outro ia consumar, ele sempre adiava. Estava virando um suplício. Finalmente o outro ia consumando, quando ele soltou um grande grito e começou a chorar. O outro disse: - que é isto? Ainda nem botei nada... Entre soluços, ele respondeu: - eu sei, mas eu esmaguei o curió!
Manoel Carlos Pinheiro
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