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Contos-->O Gênio da Garrafa -- 03/04/2002 - 02:42 (Natália bombardi Lucas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Na rua 23, do bairro São João, existe uma senhora que vive sozinha, sem filhos, amigos, família. Tudo que tem são três gatos de distinta coloração: um preto, outro branco e um terceiro pardo.
Ela quer comer, abre o lixão e devora os detritos de frango do feriadão. Ela sente frio, enrosca-se nos três gatos esquentando seu couro já caído. Ela quer divertir-se, senta-se na beira da calçada e assiste ao "show" da televisão ao vivo: homens bebâdos a dançar descalços, crianças famintas a traficar.
A fatalidade de Salete: definhar-se de fome, frio ou solidão. Mas, no dia 13, na rua 23, do bairro São João, perambulando pelas ruas, Salete tropeça em uma velha garrafa de cachaça Valverde.
Uma fumaça cegante a envolve, Salete que não se decide entre a loucura e a sanidade, acha estar em um de seus devaneios, quando de dentro da garrafa sai uma criatura de larga espessura e baixa estatura, com uma vestimenta colorida e desprovida de membros inferiores.
Com uma enorme dor nas costas, devido ao grande período de tempo espremido em uma garrafa, a criatura passa a emitir estrondosos gemidos antes de dirigir a palavra à velha.
Salete, já desconfiada de que se tratava do gênio da garrafa, sequer deu atenção aos berros do infortunado, mas se providenciou de pensar no que desejaria quando chegado o momento. Após um longo período de reclamações, o gênio diz:
- Já deves saber quem sou, maltrapilha senhora.
- Sim. E como diz a lenda terei direito à três desejos, pois és o gênio da garrafa.
- Por parte tens razão, infeliz criatura. Entretanto terás um único desejo realizado, pois somente personalidades ilustres têm o direito a realização de três pedidos.
Salete que nunca ganhara nada na vida, sequer uma migalha de pão, nem retrucou à tamanha corrupção. Apenas, disse:
- Seu gênio, nada tenho e nada temo. Por isso, já telespectadora de muito sofrimento e desgraça, peço-lhe, como único desejo, que me adiante a despedida dessa cruel encruzilhada.
Espantado, mediante mórbido pedido, o gênio, desconcertado, disse:
- Sinto muito, mas isso é com o Homem lá de cima. E, ainda assim, acho difícil, dizem que a coisa tá preta, uma superlotação danada. Porque não fazes um outro desejo?
- Não quero mais nada! Manda-me ao cretino Jesus Cristo.
O gênio, incapaz de realizar o pedido de Salete, vê-se constrangido e diminuído. Mas, eis que uma infeliz idéia lhe surgiu: apossou-se de uma adaga, a qual mantinha em seu bolso, e com um golpe veloz, abriu o pescoço da velha de lado a lado. Realizado o desejo, o gênio imediatamente volta ao seu lar, a garrafa.
A velha ficou estirada na beira da calçada, a derramar o sangue, que era lambido com voracidade pelos famintos gatos de distinta coloração: o preto, o branco e o pardo.
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