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Contos-->Viajando de fraldas limpas -- 13/04/2002 - 11:35 (Haroldo Pereira Barboza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Viajando de fraldas limpas.
(5o. lugar Concurso Literário Primavera Campo Lindo/SP – set/2001)

Quando subiu a rampa do navio, Otoniel teve certeza de que estava sendo seguido. Seriam dezoito horas de viagem sob pressão. Ainda não o tinham apanhado, pois na verdade estavam interessados no seu contato, o Embaixador do continente de destino, que nos momentos das fotos, sorria e abraçava nossos dirigentes. Mas na calada da noite, contratava pessoas do padrão de Otoniel para obter segredos militares e industriais.

O navio se afastou suavemente do porto. Os oito elementos que seguiam Otoniel, se disfarçaram de tudo o que era possível : faxineiro, garçonete, mecânico e outros tipos que não despertassem suspeitas ao transitarem em qualquer parte do navio.

Otoniel não sabia quantos eram ao todo. Desconfiava de qualquer um que aparentasse estar apenas apreciando o horizonte ou as mulheres que começavam a se juntar na borda da confortável piscina. Vislumbrou a estibordo, uma senhora que aparentava uns 65 anos, apontando as gaivotas ao bebê que aparentava uns 4 meses de idade. Esfregou o anel que guardava a cápsula (0,3 cm de diâmetro) com o microfilme e aproximou-se com um largo sorriso nos lábios.

- A senhora não vai aproveitar este belo dia ensolarado para dar um mergulho ?
- Bem que gostaria, mas meu neto não me dá descanso. A cada 15 minutos tem algo para ser feito : mingau, trocar fralda, dar banho e outras dezenas de atividades para mante-lo em boas condições. No verão ele sua bastante.
- Meu nome é Otoniel. Já trabalhei quatro anos em uma creche. Se a senhora quiser, em algumas coisas posso lhe ajudar. Quer ver como troco fraldas em menos de 1 minuto ?
- Meu nome é Leda. Se o senhor gosta tanto de crianças, fique à vontade. Estou viajando para nossa terra natal, pois minha filha faleceu no parto e estou levando o pequeno Lucas para morar com minha outra filha, Adélia, que possui apenas um filho. Acreditamos que isto vai ser bom para as duas crianças.
- Com certeza, dona Leda. Sinto muito por sua filha falecida. Prontinho. Nosso amigo Lucas já está de fralda limpa. Deixe-me balança-lo um pouco. Viu como ele ficou meu amigo ? Já largou a chupeta para dar algumas risadas.

Duas horas mais tarde, Otoniel já havia preparado o mingau, trocado mais duas fraldas e dado um belo banho no guri. Ele e a sorridente avó se revezavam a cada 10 minutos para mergulhar na piscina.

- Creio que estamos abusando demais de sua gentileza. O senhor se tornou nosso “escravo” sem necessidade.
- Como estou viajando sozinho, esta é uma forma agradável de passarmos o tempo. Amanhã, quando chegarmos ao destino, faço questão de visitar o primo do Lucas, para tirar uma foto com ambos. O nome dele é Afonso, se não me esqueci. A senhora permite ?
- Com certeza ! Aqui está o endereço de Adélia. Ela vai ficar surpresa quando eu lhe contar esta maravilhosa viagem que estou realizando. O senhor será recebido como herói em nossa casa.

No dia seguinte, duas horas antes do desembarque, Otoniel preparou um saboroso prato de mingau de aveia para Lucas, que o devorou com enorme satisfação, apesar de um único engasgo. Quando se separou de dona Leda com um terno beijo, Otoniel citou que Lucas dormia feito um anjo em seu colo. Ao atingir o solo, Otoniel sentiu o braço do Diplomata em seus ombros.

- Fez boa viagem, meu rapaz ?

Não teve tempo de responder. Ambos foram colocados numa pickup por dez truculentos sujeitos e levados para uma sala a menos de 500 metros do local. Foram despidos de forma rude e colocados dentro de recipientes de vidro, parecidos com um caixão. Feixes de raio
laser atravessaram a superfície por 40 ou 50 vezes, enquanto duas mulheres fixavam seus olhos numa tela. Suas roupas também sofreram uma lenta varredura minuciosa, assim como seus objetos pessoais (isqueiros, canetas, chaveiros, anéis, ...). De nada valeram os resmungos do Diplomata, que prometia enviar protestos formais ao nosso governo.

Após duas horas de espera e de vários telefonemas no fundo da sala, o chefe da operação voltou-se para ambos, dizendo que estavam liberados e que pediam desculpas pelo incidente. Explicou que era uma operação sigilosa em função de uma denúncia de uma possível bomba colocada por terroristas na bagagem de turistas do navio que havia acabado de chegar. Esperava contar com a compreensão da dupla e até ofereceu transporte pelo resto do dia. Otoniel e o Diplomata aceitaram que fossem levassem até a porta da Embaixada, onde chegaram 15 minutos depois.

- Saímos ilesos desta, mas pelo visto você perdeu a encomenda, não é mesmo ?
- Me arranje um carro bom, pois vou buscar o microfilme que está para sair da barriga de um rebento e retorno em menos de quatro horas. Prepare a maleta com a polpuda quantia conforme já combinamos.

A estrada estava ótima. Nenhum incidente no trajeto. Otoniel parou o carro em frente à casa indicada pela idosa colega de viagem. E lá estava ela sozinha à beira da piscina (na verdade, um tanque em torno de 5 x 2 m) com apenas meio palmo de água. Ela sorriu e acenou quando o viu se aproximando. Ele iniciou o diálogo.
- Enchendo a piscina para as crianças se divertirem após o jantar ?
- Pelo contrário. Esvaziando. Quando chegamos, coloquei o Lucas aqui para ele se refrescar. Ele teve uma diarréia repentina e defecou aqui. O senhor ainda pode sentir o cheiro horrível que nos envolve. Dentro de um minuto vamos jogar detergente aqui e dar uma boa esfregada. O senhor quer ir lá dentro dar chá na mamadeira ao Lucas ?

Otoniel pulou no tanque. De joelhos, começou a tatear o fundo do mesmo à procura do ralo. Enquanto isto, gritava desesperado :
- Arranje um pedaço de estopa rapidamente, sua velhota imbecil !

Haroldo P. Barboza - V. Isabel - março de 1999
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