Douglas já esperava há vinte minutos no bar por Ricardo. Não era surpresa, fazia um ano de namoro e conhecia bem a pessoa que tinha. Continuava a bebericar lentamente o suco de morango com leite, enquanto olhava o embrulho sobre a mesa: uma cópia original do primeiro compacto do Sisters of Mercy, presente que lhe rendeu três meses de dor de cabeça para conseguir. Mas valeria a pena, pois era a banda favorita de Ricardo, e aquilo lhe valeria muito.
Abriu um sorriso quando seu namorado finalmente apareceu, também com um sorriso de desculpa. Sentou-se, e entreolharam-se demoradamente. Ricardo colocou do sobre seu presente outro embrulho, um conjunto de penas de pavão, tinteiro e papiro. Compraria algo mais medieval, ao gosto de Douglas, mas achou as cores mais bonitas, e mais condizentes ao tipo de poesias que o namorado escrevia.
Não abriram seus presentes, e nem comentaram sobre eles. Conversavam empolgadamente relembrando todos os momentos que passaram juntos, os amigos que fizeram, as conquistas, as estorinhas que ficavam só para eles, as pessoas que só vieram para atrapalhar, mas foram-se, deixando-os ainda mais unidos.
Não se importavam nem um pouco de estar em um bar “careta”. Ignoravam os olhares curiosos dos outros clientes e pegavam um na mão do outro às vezes, arrumava a sobrancelha, até dividiam os canudos no mesmo copo, já que gostavam do mesmo suco. Ocultar esses gestos de carinho não adiantaria muito, pois os olhares apaixonados os condenavam de qualquer forma. Mas eles não se importavam.
Depois de horas de conversa, sucos de morango e porções de frango empanado, saíram do bar e foram tomar o carro de Douglas. Já dentro dele, num estacionamento próximo, entreolharam-se novamente e trocaram um caloroso beijo.
No caminho para o motel cantavam juntos a disco que tocava no carro, “Rubber Soul”. Ao som do mais romântico álbum dos Beatles, beijavam-se em todos as paradas de semáforo, as vezes Douglas até andava um pouco mais devagar para pegar o sinal fechado. Chegando ao local, pediu diária.
Entraram no recinto aconchegante, bem decorado, cascata, hidromassagem. Os dois apartamentos onde se encontravam era ótimo, mas decidiram que para aquela ocasião merecia uma pequena mudança. Ricardo foi ao banheiro enquanto Douglas personalizava um pouco a decoração do quarto, coisas como reposicionar o tapete que era escuro demais.
Quando Ricardo saiu, ambos sentaram na cama. Então desembrulhou o pacote fino e quadrangular, com papel variado entre o azul e verde. Saltou da cama quando viu o pequeno disco vinil que ganhara, olhou para Douglas como uma criança que não tinha palavras ao receber o brinquedo que mais queria. Pulou sobre o namorado, beijando-o, já que não podia dizer nada. Mas Douglas o empurrou de lado com um sorriso, e pegou seu presente. Destacou cada fita adesiva cuidadosamente, papel estampado com rosas brancas. Abriu a caixa de madeira que continha, e respirou fundo.Olhando para Ricardo, resolveu estrear seu presente, retirou um papiro, uma pena, molhou no tinteiro e escreveu:
“Você enxuga minhas lágrimas
Eu te peço que chore
Eu te dou meu sentimento
E recebo sua garra
Me escoro em ti
E agüento seu peso.
O ronco de seu peito
Que me serve de travesseiro
Não é mais como antes
Pois sei que agora há dentro
Um coração que bate apenas por mim
Bombeando para todo seu corpo
O amor que dou e sinto.
O seu toque, seu carinho
É cada vez mais tenro, macio
Pois já me conhece melhor
E sabe como me agradar
Assim como eu a ti
Sinto a retribuição
Sei que consigo
Te fazer assim feliz.”
Ricardo pegou o papel, leu, e releu. Relia novamente acompanhando com a boca, quando o lábio leve de Douglas beijou seu rosto. Deixou o papel sobre o criado-mudo, passou suavemente as mãos no rosto de seu namorando, olhando-o e beijou sua boca suavemente.