Tiros ecoaram pelo cerrado entre seus ramos, suas árvores retorcidas, e eu vi corpos sangrando caindo ao chão sob o sol quente de abril. E enquanto sangue eu via, o bastão pesado descia sobre nossas costas... tantos anos vivendo misérias tantas, e agora que me aproxima o fim da vida, apanho como animal arredio... Aos poucos, os corpos iam se perdendo em meio à fumaça das “bombas de efeito moral”, o caminhão acelerou levando os açoitadores que se diziam policiais... a poeira abaixou e os recém-cadáveres dos nossos companheiros vinham visitar nossos olhos.
Trinta e oito olhos estáticos (de crianças, jovens e idosos) ficaram perdidos nos cadáveres tombados pela estrada. Dois olhos que gerei estavam entre aquela multidão de olhos rente a terra. E os olhos abertos (que agora choram pelos olhos estáticos) vertem lágrimas ao chão; e não há terra onde ao menos sepultar os corpos que por ela tombaram.
Sobre o copo pousado na bancada da venda, meus dois olhos lacrimosos (recém-chegados do enterro) fitam a tela da pequena televisão; nela dois outros olhos (acima de uma faixa com o brasão do Estado), menos envelhecidos que os meus, dançam sadicamente parabenizando a “ação bem sucedida dos homens da lei”.
- Mais um gole, senhora?!
- Vários de sangue...