Naquela época a carreira militar era das mais procuradas pelos jovens em busca de realização profissional. Nada era mais pomposo do que ver um galante cadete, em seu garboso uniforme, a desfilar pelos bailes dos Colégios Militares, de braços com bela Senhorita, que após a formatura viria a ser desvelada esposa.
Este fora o destino desejado e cultivado por Mário; a carreira militar na Marinha, unindo seu gosto pelo mar, pelo branco do uniforme e pela fascinação por conhecer terras exóticas. Tudo isso se realizaria abraçando ele a farda.
Formou-se com louvor, realizou a viagem pelo mundo como é da tradição da Armada, dando início a uma carreira rápida e brilhante, já ao lado da Senhora, outrora bela Senhorita. A carreira seguiu, o casamento seguiu, e Mário seguiu. Porém, jamais poderia ter imaginado em seus sonhos juvenis onde acabaria por aportar.
Ao final da década de setenta os militares detinham um poder próximo do absoluto. O Generalato implicava em condição ímpar, inigualável em termos sociais, com prestígio irrestrito, e quanto mais jovem lá se chegasse, mais tempo para aproveitar a cômoda e benfazeja situação.
Num sábado de manhã, Cristina recebeu um telefonema, estranho para a hora. Era um dos colegas de farda do marido, procurando-o. Mário não estava e a mulher não sabia a hora do retorno. O colega então foi direto ao assunto. Mário tinha sido indicado para o Almirantado, e seria o mais jovem Almirante da Esquadra. Dizia-se que seria o mais jovem de todos os tempos. Sua dedicação e esforço, não só para com a Marinha, mas igualmente para com a revolução, mereceram reconhecimento, finalmente.
O telefonema avisava que à noite dois Almirantes levaria a notícia pessoalmente ao futuro colega, em obediência a deuterose naval. Seria bom que Cristina preparasse, senão um jantar, ao menos uns acepipes para regar a ocasião. Assim fez ela.
Lá pelas nove horas chegaram os dois casais, trazendo a notícia do tão esperado salto profissional e social. Encontraram Cristina e seus acepipes, mas nada do Mário. Receberam como desculpa um jogo de futebol de todos os sábados e a surpresa da visita, não avisada ao marido.
Passa uma hora, passam duas, e nada de Mário. Cristina não sabia mais o que dizer. Os convivas pareciam antecipar algum problema, talvez entre o casal, circunstância desairosa na carreira militar. Repentinamente ouve-se o barulho da chave sendo inserida e girada bruscamente na porta, que logo abre, permitindo a entrada de um ser cambaleante, trajando apenas um short a esvair-se pelas ancas, deixando a parte de cima das nádegas à mostra. Desnudo da cintura para cima exibia volumosa barriga, mantida às escondidas quando fardado às custas de apertadíssima cinta-liga.
Estava sujo de terra e lama. Por onde quer que haja andado era certo que caíra embalado pelo cambaleio. A figura da embriaguez mostrava-se em todo o seu furor tragicômico. Cristina simplesmente não sabia o que dizer. O silêncio era só o que lhe restava diante da verdade desnudada, escondida a todo custo dos colegas de farda. Mário era alcoólatra, mas daqueles que só bebem depois das 19:00 horas, diariamente, e nos finais de semana todo o tempo. Dipsomaníaco de hora marcada.
Os dois Almirantes entreolharam-se, sem emitir um som. Suas esposas, treinadas nos hábitos e costumes militares, cumpriam seu papel estático de apenas respirar em situações embaraçosas envolvendo a farda. Levantaram-se ao mesmo tempo, em ares regimentais, desculparam-se e dirigiram-se à porta, sem fazer uma indagação sequer. A essa altura Mário já atravessara a sala em passos titubeantes, sem se dar conta da presença das visitas. Dirigiu-se ao quarto de empregada e deitou-se sem qualquer constrangimento na cama lá existente.
Aí se encerrou a carreira promissora do quase-futuro Almirante mais jovem da armada. Hoje, Mário cria gatos, entre um porre e outro, consciente de que esteve a algumas garrafas apenas do sucesso.