Nunca Arthur entendeu bem o porquê das coisas. Desde criança, desde quando podia se lembrar, notara que tinha algo diferente e logo descobriu que as pessoas jamais deixariam que ele esquecesse. Mancava da perna direita, menor cinco centímetros que a esquerda, e bem mais fina, o que lhe provocava um andar titubeante. A mãe contava que o mal surgira aos dois anos de idade, inapelável para a medicina da época, só conseguiram salvar-lhe a vida, com muita dificuldade e às custas de muita reza. Mas que Santo permitiria aquilo? Por que Deus consentira em que ele ficasse aleijado?
Fez a mesma pergunta várias vezes no colégio católico que freqüentou na infância; era a vontade de Deus, diziam os Padres. Mas como Deus pudera ter uma vontade tão má? Afinal, Deus não é bondade, como afirmavam os Padres? Se não foi bom com ele, não podia ser Deus. Cresceu sem resposta. Na infância as crianças faziam piadas, as meninas não escondiam o nojo, e os meninos recusavam-no para as brincadeiras infantis. Na adolescência era discriminado nas festinhas. Não que fosse tímido ou levado ao isolamento espontâneo pelo aleijão, pelo contrário, era sociável. Até tentara dançar certa vez, sendo vencido pelo riso discreto, mas ferino dos amigos.
Tinha compleições magras, raquíticas, quase não podia praticar esportes, e quando tentava sentia-se ridículo, como um macaco num bailado. Com o tempo a coluna foi ficando comprometida, arcada para o lado e com uma estranha corcova. Não conseguia outro olhar das moças que não o de pena. Mas era inteligente, sensível, compreendia bem as coisas e as pessoas. Foi pior para ele; antevia perfeitamente o futuro. Em casa a mãe dedicava-lhe carinho especial, o que era compreendido pelos outros dois irmãos, discretos o quanto podiam no ciúme, mas não na normalidade que deles emanava, como a apontar arrogantemente para a perna defeituosa. E quando a mãe se fosse, quem seria por ele? Quem fingiria tão bem a ponto de fazê-lo sentir-se um homem inteiro?
Iniciou-se com prostitutas, que o recebiam com as matizes sentimentais que tão bem conhecia; pena e nojo. Jamais conseguiu uma namorada, apesar de não ser tímido, repita-se. O pior era quando se apaixonava; que desejo de ser normal. Mas por que ficara aleijado? A! Sim! Era a vontade de Deus. Mas insistia; se desejou algo assim para alguém, não haveria de ser Deus. Viveu só, tinha amigos, mas não tão íntimos. Era difícil ficar íntimo de alguém tão diferente. Pegava carona na vida sentimental dos irmãos. Gostava das cunhadas e dos sobrinhos. Até foi padrinho de um deles e para ele deixou seus bens em testamento. Tanta vida jogada fora por uma perna aleijada, mas era a vontade de Deus.
Morreu. E descobriu o porquê de todos os porquês; Deus era manco.