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Contos-->O dr. Leite e a costureira -- 30/12/1999 - 20:39 (Lustosa da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O dr. Leite e a costureira

Eram cinco para as onze quando o doutor Leite iniciou os preparativos para deixar a farmácia. O professor Ataliba, que gastava ali, num sofá de madeira, seus longos dias de aposentado, já dobrara o jornal da semana passada que estava relendo e partira, arrastando a perna paralítica. Meticulosamente, o doutor Leite começou a vestir o paletó, escovou-o ante o espelho com cuidado e penteou-se com força. O cabelo voltara a encrespar. Seria a navalha do barbeiro? Seria a água? E ficou com medo de que aumentassem os indícios da mulatice carregada do pai que ele, felizmente, não herdara. E que lhe seria fatal. Afinal estava de olho na Presidência da Conferência dos Vicentinos e já era o orador oficial da Congregação Mariana. E ser branco ou aparentar sê-lo era fundamental em Sobral, cidade que tinha avenida, clube, igreja dos brancos e dos pretos.
Ao se abaixar para fechar o cadeado da enorme porta da farmácia, o doutor Leite voltou a vista para uma panorâmica da praça. O sol estava a pino e a reverberação do calor fazia subir estrias das calçadas. Seu irmão Cláudio, e ele nem sabia porque isso lhe vinha agora à lembrança, dissera que ali dava para estrelar um ovo, em cima do passeio. E o doutor Leite imaginava um ovo jogado sobre a calçada, estalando, sendo cozido, mostrando, à luz do meio-dia, o esplendor de seu amarelo-ouro. E começou a pensar: como o comer? Como o tirar daí?....
Naquela quinta-feira, examinou a Praça José Sabóia com cuidado. Estava ansioso para que chegassem as onze horas e pudesse terminar o expediente, porque ia ver Judite. Do outro lado da praça, Clodoaldo Aguiar, no balcão da farmácia concorrente, nem disfarçou um ar de desprezo. Doutor Leite julgou mesmo tê-lo visto atirar-lhe uma “banana”. Fez que não notou. Afinal não ia se trocar com o Clodoaldo, seu antigo colega de balcão, que rompera com ele, acusando-o de deslealdade quando da morte do dr. Brasil, e conseqüente luta pelo arrendamento da farmácia. É verdade que Clodoaldo virara proprietário, mas vivia às voltas com multas, com a fiscalização, com os cartórios, desacreditado comercialmente. E socialmente também. Leite era somente arrendatário mas, em compensação, tinha boa reputação. Começava a subir: fôra aceito como sócio do Palace Clube. Seu grande sonho era chegar a diretor cultural. O grande problema é que o bispo era contra os que dançavam o Carnaval. Como ele poderia ser presidente da Congregação e diretor de clube dançante? A seu favor só tinha que, há dezesseis anos casado com Marieta, nunca mijara fora do caco, como costumava dizer o Padre Coraci, vigário de Santo Antônio do Aracati que, de quando em quando, no cair da tarde, vinha visitá-lo, atordoando-o com sua voz de trovão, seu corpanzil, as estórias de suas vacas e surpreendendo-o com estranhos pedidos de remédios para seus compadres com doença venérea.
Doutor Leite viu que o caminho estava livre. A um canto da praça, porém, junto à loja “A Tesoura”, estava um dos irmãos Almeida, o Crisantino. Magrinho, ainda não chegara aos trinta anos. O cabelo já esbranquiçava. Falava baixo, ouvia tudo. Era um dos dois filhos do seu Toinho, dono do cartório. Jamais tivera um emprego. Gastava dias e noites na praça, nos bares e, principalmente, nas esquinas de casas das adúlteras ou das moças de namora mais ardente. Dedicava-se integralmente a saber da vida dos outros: era seu único encargo. Por isso tinha conhecimento de tudo: das filiações ilegítimas, dos namoros escandalosos, das casadas que estavam a prevaricar, dos padres amigados e tanto os revelava como os pesquisava junto a amigos, conhecidos e empregadas domésticas. Segundo dissera certa vez, ao entediado doutor Leite, estas últimas lhe davam dicas incríveis.... Era justamente o Almeida, com suas perguntas embaraçosas e imprudentes que o doutor Leite não queria ver, ele que, pela primeira vez numa década, não ia seguir, aquele dia, o caminho costumado. Crisantino esperava a chegada dos jornais de Fortaleza conversando numa roda de que fazia parte também o Raimundão, funcionário do Correio que vivia à disposição da Prefeitura para não dar expediente, porque passava o dia discutindo política. E sempre a favor do Romão Patriolino, antes do PSD e agora do PTB, seguindo as variações de siglas do seu chefe, cujas valentias gostava de contar. O outro era Crisanto, irmão de Crisantino, mais excitado que este, tanto que da porta da farmácia dava para ouvir o que estava dizendo. Também não trabalhava. Tinha um bico na Prefeitura, dizia-se que graças a manipulações decisivas de mapas eleitorais, feitas com a supervisão paterna. Crisanto, ao contrário do irmão, se dedicava a pesquisar as novidades comerciais. Onde havia um título vencido há dias, já para lá se dirigia seu olhar agudo e comprido, tão temido pelos gerentes do Banco do Brasil. Possíveis falências, prejuízos e lucros na venda de gado, alta ou baixa do algodão, protestos de títulos, execuções, era com ele mesmo. Muito bem casado, não se interessava por assuntos amorosos. A família se especializara, afirmara uma vez o doutor Hemetério Mendes, velho cacique pessedista, dono do outro cartório, a propósito da divisão de trabalho ou de interesse dos filhos do colega.
Enquanto ia saindo de mansinho, doido para não ser notado, o doutor Leite pensava em Judite. E, por incrível que pareça, também na cunhada. A cunhada, Edivanice, era loura de olhos claros. Desde que viera morar em sua casa para estudar no Colégio das Irmãs da Santana, pois o pai dela e sogro dele morava na fazenda em Massapé, seu coração não tivera mais sossego. Muitas vezes na cama com Marieta, para conseguir gozar, pensava nela, nos seus seios alvos, o biquinho róseo que ele gostaria de afagar, de morder.
Então quando Marieta saia à rua ou ia à Igreja da Sé, o doutor Leite quase enlouquecia. Ia ao quarto de Edivanice mexer no saco de roupa suja. Cheirava seus vestidos, punha-os sobre o rosto. E passava bons momentos beijando seus soutiens, apalpando suas roupas à altura dos seios, de duas saliências e reentrâncias, sentindo o seu suor, o seu cheiro nas calcinhas usadas. Agora mesmo, caminhando pela Rua Senador Paula, sentia-se excitado e tinha de colocar o embrulho de fazenda sobre a perna esquerda para que não lhe vissem o membro enrijecendo-se, quase furando a calça.
Morria de medo de Marieta, mas quando Edivanice passava por ele, no comprido e escuro corredor do casarão onde moravam, puxava-lhe o soutien pelas costas, de uma maneira que ela pudesse julgar inocente. E parecia que ela estivesse gostando mesmo, porque voltava, sem ter nem para que, e ele puxava de novo o cordão do seu soutien, febril e desvairado. Depois, quando saia para a farmácia, a cabeça ia cheia de sonhos.
Chegava, às vezes, a se ver viúvo e, na própria noite de estréia da viuvez enquanto Marietinha estivesse estendida no salão, cercada de vela, alguns padres amigos, no velório... Viria o Prefeito? E o Bispo, se estivesse na cidade? Talvez viessem e com isto esmagaria o orgulho de Clodoaldo. E já se via entrando no quarto de Edivanice, sendo confortado por ela e a meter as mãos por dentro do soutien dela, colhendo o pomo de seus peitinhos, apertando-lhe os bicos, mordendo-os. Poderia até, se houvesse condições, gozar entre suas coxinhas, sem tirar-lhe as calças, pois jamais teria coragem de descabaçar a cunhada, mesmo em sonhos. Temia a Marieta e o sogro, velho coronel sertanejo, famoso pela sua carolice e pelas surras que mandava aplicar em adversários da sua UDN.
Andando rua Senador Paula acima, o doutor Leite percebia que estava querendo a morte da mulher e se arrependia. Era tão boa... Ignorante, não quisera fazer senão o primário, mas solidária, de nada reclamava. Somente tinha enxaquecas freqüentes. Melhor seria que pudesse bolinar Edivanice sem precisar do desaparecimento da mulher. E sem escândalo, naturalmente. E de novo lhe voltava o sonho. Já se via viúvo, despindo Edivanice, beijando-lhe os seios, apalpando-a toda, beijando-a, embora mesmo assim não admitisse introduzir-se nela que era virgem, sua cunhada e o pai, rijo coronel. Por dinheiro nenhum do mundo, queria que Marieta soubesse sequer desses sonhos. Principalmente quando isto podia pôr tudo a perder. Ele ia passar de vice-presidente a presidente da Ordem de São Vicente de Paula. O atual presidente insinuara que não queria continuar. E o doutor Leite já se antevia na primeira fila da Igreja Catedral, na missa das nove horas de domingo e nas procissões solenes, comandadas pelo bispo, segurando o andor. Qualquer rumor negativo e estaria perdido. O Machado fora expulso da Congregação Mariana porque dançava carnaval e com a mulher dele. E andando rua acima, o doutor Leite não podia tirar a cabeça de Marietinha deitada na sala de frente, entre fileiras de círios, e ele agarrando, detrás da porta, beijando, lambendo, sugando os seios claros de Edivanice.
Além de excitado pelo que pensava, caminhava apreensivo por saber que esta sua mudança de itinerário, dele que, desde que chegar à cidade, invariavelmente, àquela hora, ia direto para casa na Praça do São Francisco, iria gerar curiosidade. Atravessou a rua e seguiu em frente. À esquina, num velho sobrado onde no passado viviam grandes fazendeiros, localizava-se agora a mercearia do Chico Roldão, mais um armazém que vendia de tudo, a grosso e a retalho. Lá estava o dono da casa, olhos muito azuis, os escassos cabelos brancos despenteados, barriga por fora da calça amarrada por um cordão. Acabava de vender uma quarta de farinha e jogava displicentemente o dinheiro na gaveta do longo e atulhado balcão de madeira. O doutor Leite pensou naquela gaveta sempre aberta, e se não havia risco de roubo dos empregados. E foi andando para ver Judite, a costureira, cujo marido viajara para Fortaleza em seu caminhão, fazendo a mudança do Lopes, do IAPC, que fora transferido para a capital com seus doze filhos. Agora sim ele tinha todas as condições de comer Judite, se alguém não pressentisse seu intento. Andava a passo seguro, a cabeça meio curvada para o chão, o embrulho de tecido debaixo do braço, o guarda-sol aberto. Já ultrapassara a loja das meias quando ouviu Crisantino. Deus do Céu, não escapara :
“Doutor Leite, doutor Leite!”
Virou-se devagar, aparentando tranqüilidade.
“Para onde o senhor vai por aí?” insistiu Crisantino.
“Ora, Crisantino ...”
“Não vai para casa? Nunca vi o senhor ir para a Praça do São Francisco por esse rumo.”
Acossado, o doutor Leite procurava descobrir uma explicação para dar ao Almeidinha sem deixá-lo suspeitar de que Marietinha estava ausente, porque geraria novas perguntas. A conversa encompridaria perigosamente, era pior.
“Tenho de ir a casa do padre Gervásio.”
“Como, doutor Leite? Parece que ele foi à Serra da Meruoca. Há umas missões la na Palestina. Vi ele agorinha passando no carro do Foguinho.”
“Não soube não, Almeidinha. De qualquer maneira vou tentar.”
“O que o senhor vai fazer lá?”
“Ora, Almeidinha, assunto particular...” e, ante o olhar arregalado do outro, ajuntou: “Uma missa...” e murmurou qualquer coisa a respeito do Dr.Brasil.
Crisantino ficou matutando um pouco, silencioso, mas não se rendeu. Apenas mudou de assunto:
“O Senhor soube da última?”
“Do que, Almeidinha? Que última?”
“Sabe o Gatão, aquele da relojoaria que todo o mundo pensava efeminado, apesar do apelido? Pois não é que a Lisete, mulher dele, aquela loura meio sarará, encontrou-o na relojoaria com a Ivanilde, a filha do Zepaulo da serraria. Enrabando a moça que é noiva. Ela quebrou relógios, vidraças e ainda a cara da moça.”
Sem mostrar muito interesse o doutor Leite limitou-se a um “Foi”?
“Não vá me dizer que o senhor lá na farmácia não sabia ... nem o professor Ataliba lhe falara?”
Doutor Leite procurava desembaraçar-se Crisantino perguntando-lhe pelo pai, pela saúde da mãe que vivia entrevada numa cadeira de balanço, ouvindo rádio e rezando, com medo da guerra e do comunismo.
“O Sr. vai mesmo para a casa do padre Gervásio?”
Doutor Leite confirmou, mas começou a ficar com medo de ser seguido. Só se tranqüilizou quando viu chegar o ônibus, o da Expresso de Luxo, que trazia os jornais da Capital. Almeidinha saíra às pressas sem se despedir.
Doutor Leite ia pensando em Judite. Com ela era outra coisa. Podia pensar mais livremente, sem precisar estar se arrependendo, sem pensar que era pecado. Judite era casada, uma casada que dava. Era pobre e mulata. Seus peitos escuros, de bicos roxos, seu nariz chato de narinas amplas, abertas, ofegantes o punham em delírio. Chamava-o para a cama. Com ela, a quem tratara com massagens que não terminavam nunca, já se via abrindo a porta da casa, imediatamente tirando-a da máquina de costura e levando-a para cama. Nem sabia se teria tempo de tirar-lhe a roupa, tal sua vontade de possui-la. Na segunda vez é que poderiam despir-se completamente e repetir tudo de novo. Embora já temesse chegar atrasado. Se não abrisse a farmácia a uma hora, o que iriam perguntar os empregados, os vizinhos? Logo afastava seus temores e pensava em Judite. O único medo era de ser visto pelas vizinhas, duas solteironas, filhas de um sargento da Polícia, a Gonçala e a Gilberta, que viviam de saber da vida alheia e de fabricar uns bolinhos de farinha de trigo.
E ele se via, ora com Edivanice ora com Judite, na cama. E agora com as duas, embora fizesse força para afastar esse pensamento. Afinal Edivanice era sua cunhada, era virgem, era branca, e Judite, mulher de um motorista, mulata e dava. Isto não podia admitir. Mas já as via entrelaçadas com ele, naquela confusão do moreno e do alvo, naquela festa de sexo que ia montando na imaginação, na caminhada sob o sol a pino.
Fora boa aquela idéia de comprar um corte de tricoline para fazer umas camisas, embora nem precisasse da desculpa, pois não cobrava nada das massagens que dera em Judite, dos remédios que lhe aplicara num tratamento que ele não queria terminar. Com as camisas podia voltar várias vezes à casa dela, desde que o marido estivesse viajando. Aquele suor dela o atraía e o apavorava, quando chegava em casa fazia tudo para se livrar dele. Nos primeiros dias de massagem, numa saleta ao lado da peça principal da farmácia, se esfregava ferozmente com álcool para retirar o cheiro dela do qual se impregnara. E se ao chegar em casa Marieta lhe indagasse “Onde pegaste este cheiro de negro, esta inhaca?” Ele já bolara uma desculpa e explicaria que era o Romão, um preto da Serra do Rosário, dono de uma roça de mandioca que chegara se queixando de uma “dor nas apás” e ele tivera de friccionar-lhe as costas, fazer-lhe um tratamento.
O doutor Leite voltava a recapitular o corpo de Judite, tal como o imaginava. Mordia-lhe o bico dos seios escuros, as coxas, penetrava-a até onde pudesse. Cavalgando o corpo dela, aquelas ancas largas, já se via sumir dentro dela até que ambos se perdessem nos mesmos solavancos, no balanço do amor rápido e corrido. Tinha de ser depressa para que uma vizinha não aparecesse. Enquanto assim pensava, o doutor Leite se aproximava da casa das filhas do Sr. Paulino que, depois das aulas e antes do almoço, ficavam todas na calçada e eram perguntadoras implacáveis. Ao passar cumprimentou-as com um bom dia respeitoso, algo intimidado e julgou-se a salvo. Ficou vermelho quando ouviu de uma delas referências à sua roupa, aos seus hábitos e “ para onde ele vai uma hora dessas?”, até que Albaniza, a mais nova, correu e lhe indagou:
“Doutor Leite, temos novidades?”
Ante seu olhar de surpresa, ela não se deu por vencida:
“Ora, onde o senhor vai por este caminho na hora do almoço?”
“Vou a casa do padre Gervásio ...”
“Fazer o quê?”
“Pedir para ele rezar uma missa ...”
“Morreu algum parente seu? Quem foi?”
“Não, minha filha, o dr. Brasil. Pediram-me uma missa.”
“Não faz tempo que ele morreu?”
“Faz, minha filha. É uma promessa de um cliente dele. Só isto.”
O doutor Leite não ouviu direito o que as cinco filhas do Paulino ficaram conversando; só sabia que era a seu respeito, por isso as orelhas lhe ardiam, pois todas eram campeãs de fofoca. Ele andava mais curvado e devagar, olhando os sobrados antigos, o velho professor Jácome à janela de sua casa segurando o queixo com o lenço, e o consultório abandonado do dr. Adauto... Ia ser bom. Marieta viajara, o marido de Judite ausente e aqueles peitos morenos, aquela anca larga que uma vez acariciara, rápido, depois de uma massagem, ante o olhar cúmplice e feliz dela. Ela devia estar deslumbrada. Afinal quem lhe pegava na bunda era o doutor Leite. Embora não fosse formado, passava por doutor e dono da farmácia e receitava a cidade inteira, até os ricos, todos os dias. E só em pensar naquele corpo... Já, porém, amedrontado, cheio de novas desculpas a oferecer, temendo encontrar algum bisbilhoteiro na mercearia do Sr. Liberato. E se os vizinhos dela viessem? Tinha a desculpa das camisas e aí se tranqüilizava.
Conhecera Judite há dois meses. Ela entrara na farmácia, com seu gingado, seus amplos peitos. Tinha uma sexualidade inocente como se não se apercebesse dela. Estava com torcicolo. Ele decidiu fazer-lhe massagens. Ela concordou, dócil, humilde, perguntando apenas pelo preço. No laboratório, ele a massageava, devagar, sem pressa, descendo a mão até onde não havia doenças, nem torcicolo, nem incômodo, e ela aceitando, de quando em vez lançando-lhe um olhar de curiosidade como se a perguntar: “É isso mesmo que ele quer?”. Fácil ela percebera tudo e agora ele inventava outras regiões para massagem, pena era que a farmácia estivesse sempre cheia de clientes lá fora, esperando remédios, aplicação de injeções preparação de fórmulas. Por isso ia agora à casa de Judite.
O doutor Leite, ao dobrar a rua do Menino de Deus, viu o padre Gervásio que conversava com uma beata magra que ainda tinha a mantilha escura sobre a cabeça, como num confessionário. Estava com o pé sobre o banco da avenida e no rosto visíveis sinais de enfado. Cumprimentou-o de longe com um aceno de cabeça e andou rápido.
Ao subir os batentes altos da casa de Judite, olhou discretamente a rua do Santo Antônio. A esta hora de almoço, o suor descia-lhe a testa. Não havia ninguém na rua. Abriu a porta larga por dentro, puxando o ferrolho. Judite, sentada à maquina, levantou os olhos e saudou:
“Ó doutor. Pensei que o senhor não viesse!”
Ele, embrulho na mão, encaminhou-se pra ela, sem dizer uma palavra.
“Que é isto, dr. Leite?”
Mas este “que é isso” era dito com malícia, só entrega. Suas ventas largas ofegavam como se ela pedisse maior arroubo. E o doutor Leite a ia empurrando para dentro do quarto, ao mesmo tempo em que a beijava na nuca e mergulhava as mãos em sua blusa apertando-lhe os peitos. Logo lhe desabotoava a roupa e era com dificuldade que lhe retirava do corpete o amplo seio, cuja ponta se expandia num moreno tendente para o azeitonado. E ali, de pé, ao lado da cama, o doutor Leite a beijava e a sugava, enquanto Judite respirava fundo, ruidosamente, quase roncando, o corpo todo sacudindo-se de desejo e pedindo: “Não quer deitar, doutor?” O embrulho da fazenda caíra ao chão e o doutor Leite beijava, chupava, mordia o bico do peito direito de Judite, abraçando-a pelas costas, enquanto o membro rijo lhe pressionava as nádegas amplas, já lhe molhando a calça.
Ela insistia: “Vamos para a cama, doutor, é melhor”.
No instante em que, ainda com a boca sobre o peito de Judite, o doutor Leite, desastradamente, tentava desabotoar a braguilha, ouviu o rangido da porta e o Crisantino a chamar:
“Dr. Leite, dr. Leite !”
Ele se voltou de súbito, desarmado, trêmulo, frustrado, deixando o quarto.
Crisantino, implacável, prosseguia:
“Veio experimentar camisas? Porque eu encontrei padre Gervásio descendo a Senador Paula e logo vi que o senhor não podia ter ido à casa dele.”
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