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Contos-->Arroio do Padre -- 25/05/2000 - 06:20 (Marcia Lee-Smith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Eles eram três casais quase pobres, na década de sessenta, antes da famigerada revolução.
Todas as três esposas eram professoras primárias.
Todos os maridos eram sargentos do exército.
Eles não se davam conta que eram quase pobres, e se divertiam largamente dentro de suas posses.
Era raro que todos os três tivessem folga ao mesmo tempo, mas sempre que isto acontecia saíam juntos, as mulheres, as crianças, os frangos assados, o empadão, as bebidas, e a melancia.
Era uma cidade no Rio Grande do Sul, não conto qual, mas quem reconhecer o título desta história saberá de onde estou falando. Acho que não há mais de um Arroio do Padre.
Este arroio era um riozinho de merda, de dois palmos de água, com águas cristalinas e frias, e pedras roladas no fundo.
Apesar de terem praia, nem sempre o programa era este. Muitas vezes eles optavam por um piquenique, coisa muito fora de moda hoje em dia, neste local, bem dentro de uma propriedade particular, que não preocupava a ninguém por isso.
O carro era sempre emprestado pelo pai de um dos três, por um colega que não tinha tido folga, por um tio velho.....um Gordini ou Dauphine, se é que vocês já ouviram falar nisso , e os seis, mais cinco piás se apertavam lá, e quem já viu um destes carros sabe o que digo, e iam aproveitar o domingo.

Quando eu digo que eles eram quase pobres, eu fico pensando...
Eles tinham dinheiro para comer do bom e do melhor, as crianças estavam em bons colégios, mas todos pagavam aluguel, exceto o Wilsinho e a Nena, que moravam com a mãe dela. Além disso nunca tiveram dinheiro, naqueles tempos, para comprar uma geladeira de isopor.

Nena e Alba tinham recebido na escola onde trabalhavam, uns equipamentos que vieram acondicionados em grossas folhas de isopor, então durante dois dias, todos eles tentaram construir, usando serra de isopor e cola própria, uma boa geladeira, a qual estraçalhou-se com o peso das bebidas mais o gelo, fez uma grande sujeira na casa de Nena, e decidiram que talvez no natal pudessem comprar uma de verdade.
Estranhos tempos aqueles, eles pouco tinham, mas muito se divertiam. Talvez a juventude fosse a causa da felicidade.
Mas voltemos ao local.
Este lugar, o Arroio do Padre, como já disse, era um riozinho de merda, onde a água, nos pontos mais fundos dava mais ou menos uns três palmos, lugar que as crianças eram advertidas para não ir. Mas era muito gostoso deitar na água fresca, porque no Rio Grande do Sul o verão é bravo !
O carro tinha de parar na estrada, não tinha caminho para descer com o possante veículo. Depois era uma descida forte, passando por debaixo de uma cerca de arame farpado, que lá se chama alambrado, e pronto, chegava-se ao paraíso.
Geninho tinha um rádio de pilha tamanho gigante, portanto a música estava garantida.
A melancia era enterrada dentro do arroio, e era a última coisa a ser comida.
As comidas de sal ficavam expostas ao sol, para ficarem quentes, e as bebidas, logicamente à sombra, ou enterradas sob as águas.
E nisso ia o dia todo, entre deitar-se dentro da água fresca e transparente, comer, beber, jogar cartas, ouvir música, improvisando muitas vezes um forrozinho, e principalmente contar piadas. As moças, quase da mesma idade, todas, tinham o mesmo tipo de assunto, e os três sargentos, esses falavam mal de todo mundo no quartel.


Geninho gostava de ficar olhando quem passava no alto da ponte, que dava para ver do ponto em que ficavam. Era uma ponte muito antiga, pequena, em arco de pedra, feita há mais de três séculos.
Era só passar um gaúcho pilchado, o que significa, de botas, bombachas, chapéu e lenço que o Geninho gritava, acenando a mão para cima:

"E las güampas?"

O infeliz pensava, não era possível ouvir, dada a distância e o marulhar do arroio, que ele estava perguntando algo do tipo:

"Como le vá?"

E respondia sorridente, tocando o chapéu, ao que Geninho gritava:

"Bom tamanho ! Aproveite!"

Todos caíam nas gargalhadas. Que desrespeito !

E com isso, todos eram como crianças...

Esqueci de apresentar todo mundo. O Wilsinho era marido da Nena, o Geninho era marido da Alba , o Ricardo era o marido da Rita.

Piqueniques têm um sério incoveniente. Não há banheiro. E falta de banheiro, companheiros, é uma coisa seríssima. Nada provoca mais uma vontade de fazer xixi do que saber que não tem onde.
Mas xixi era fácil. Só entrar na água, e fingir que estava pensando na morte da bezerra, e ninguém se incomodava.

Mas quando o assunto era mais sério, era necessário achar uma moita.
Não estou brincando, e acho que ainda escreverei uma tese sobre a importância das moitas nos piqueniques.

Mas como nem tudo no mundo são flores, e nem todo mundo é feliz para sempre, os dias do Arroio do Padre estavam contados, quando um dia, aconteceu que ao entrarem por baixo do alambrado, um peão da propriedade advertiu que não queria bagunça, e que iria ficar de olho.

Ricardo argumentou que eles eram pessoas de respeito, estavam com as esposas e os guris, mas o peão só falou:

"Estou obedecendo as ordens do dono!"

Nunca tinha acontecido isso, eles já haviam ido lá umas doze vezes, e o lugar era sempre deserto, mas provavelmente o dono já tinha descoberto as invasões dominicais.

Isto foi mais que suficiente para dar um chá de rolha em todos, se é que vocês sabem o que é um chá de rolha, quem não sabe deveria saber....

Mas Rita, coitada, estava azarada naquele domingo. Não sei se fora o camarão do sábado, ou o mocotó que ela comera na sogra na sexta feira, começou a ter dor de barriga e a suar frio. Pode até mesmo ter sido o nervoso.
Lembrando que eles tinham de descer por baixo do alambrado, vocês já viram que as roupas ficavam no carro. Cito isso só para dizer que a Rita vestia um exíguo biquini azul de bolinhas brancas.
E a dor de barriga aumentado, Alba e Nena disseram, vamos procurar uma moita, guria, mas ela se segurava e segurava.
Ricardo sugeriu ir com ela, mas Wilsinho lembrou, Epa, e se o peão acha que vocês foram mato a dentro fazer uma safadezazinha?

Nossa, estava ficando preta a situação.

Foi aí que a Alba resolveu dar uma idéia.

Por que você não sobe este barranco? Lá em cima tem um monte de arbustos, entra dentro de um e resolve o caso.
Desesperada, ela passou a mão no papel higiênico e subiu a duras penas um barranco que não era lá tão alto, mas que lhe pareceu o Himalaia.
Lá em cima tinha um pasto cheio de vacas, que pastavam, e umas galinhas ciscando. O dia estava lindo, o céu azul até não mais poder.

Rita entrou num dos arbustos, agora a verdade seja dita, eram espinheiros, que mantinham as vacas cercadas. Mas a vaca não iria entrar dentro do espinheiro. Com cuidado ela entrou, tirou a parte de baixo do biquini, e sentiu que podia ser feliz de novo. Ai que alívio, pensou . Estava ainda pensando em como na vida tudo se resolve, porque cá para nós, a pior coisa do mundo é você precisar de fazer uma coisa dessas e não achar um lugar....Você perde até o rumo de casa, fica verde, não acha mais graça em nada...
E Rita estava agachada, segurando o papel na mão, pensando, como é de praxe quando se está numa situação dessas e não notou quando uma galinha mais atrevida entrou no espinheiro e fugiu com a calcinha do biquini.
Aí a coisa complicou, e muito, porque quando ela pôs a cabeça para fora entre as folhas do espinheiro para ver a que distância estaria a calcinha, ou a galinha, ou ambas, uma vaca se enfezou, o que nem é tão comum, dada a pachorrice habitual das vacas, e ficou bufando junto ao arbusto.
E ela começou a gritar, pelo marido, pelas amigas, mas como eu disse antes, o marulhar do arroio impedia qualquer som de chegar até eles.
E ela gritava por socorro a plenos pulmões, o que só fazia tornar a vaca mais curiosa.
Depois de muito tentar, ela começou a chorar, e desistiu, cansada de estar agachada, usou o papel e tratou de sentar-se no chão pensando em que talvez o marido pudesse pensar que ela estaria demorando demais, e com fé em Deus, iria procurá-la. E resolver ficar caladinha.

E foi o que aconteceu. Ricardo subiu o barranco e notou que alguma coisa estava errada, ela não via Rita.
Então todos subiram, inclusive as crianças, o que despertou a atenção do peão, que veio com a cartucheira pronta, e disparou para o alto.

Mas ele notou que alguma coisa estava errada, e perguntou aos rapazes, o que se passava ali.
Ninguém sabia, Nena, mais atirada, disse a verdade, e o peão pediu a todos para gritarem.

Ela queria gritar de dentro do arbusto espinhento, mas a voz não saía....

A muito custo ela conseguiu gritar: uma toalha!

Tarde demais. O peão estava acostumado com o lugar, ouviu de onde partiu o grito, e correu lá, e tirou a pobre Rita pelada, só com a parte de cima do biquini sem notar, ou até mesmo possa ter notado...nunca iremos saber.

E foi aí que, com ou sem cartucheira, sobrou para o peão. Os três sargentos, acostumados com exercícios físicos duros, deram-lhe uma surra que até hoje ele deve se lembrar.

A parte de baixo do biquini nunca foi encontrada, Nena buscou roupa no carro para Rita, que tremia mais que tudo.

Na pressa de irem embora largaram para trás a melancia, as garrafas, e até o rádio de pilha.

Foi a última vez que eles foram ao Arroio do Padre, tudo por causa de uma galinha, uma vaca e um peão.

E Rita desistiu de piqueniques para sempre.




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