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Contos-->O REGRESSO -- 09/05/2002 - 12:55 (Edmar Guedes Corrêa****) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando Carlos saiu de Rosário, ainda era um menino que contava com seus 12 anos. Mal havia entrado na adolescência e não entendia nada sobre a vida. Contudo ti-nha uma única convicção: ir para a cidade grande, estudar para se tornar alguém, ganhar muito dinheiro e se tornar importante. Apesar da pouca idade tinha certeza absoluta que, naquele pequeno lugarejo, onde as pessoas levam a sua vidinha pacata, sem muito preo-cupar com o dia de amanha, não era o seu lugar. Não queria ser como elas, que se sen-tem felizes com a vidinha medíocre que levam. Aquela vida não era para ele. Seus so-nhos iam muito além daquilo. Queria muito mais.
Ao partir rumo à Juiz de Fora, deu Adeus a seus pais e despediu dos conhecidos com desdém. “Quando eu voltar, vou mostrar a essas pessoas como consegui vencer na vida e me tornar alguém muito melhor que elas...”, pensou ele, quando o ônibus partiu.
Em Juiz de Fora, uma cidade grande, Carlos batalhou muito para alcançar seus objetivos. Nem a insuficiência de estudos, nem a ausência dos pais, nem a falta de di-nheiro, nem as tantas dificuldades que teve que enfrentar, foram capazes de impedir que alcançasse seus objetivos. Pelo contrário, isso foi usado como incentivo para que não desistisse.
Quando teve que passar a perna em seus amigos, ele o fez; quando teve que humilhar algum colega de classe para que este não atrapalhasse seu caminho, ele também o fez. E fez muito mais: menosprezou aqueles que não lhe ofereciam nenhum benefício, namorou somente aquelas jovens que poderiam contribuir de alguma forma para o seu crescimento como homem e que lhe poderiam trazer algum retorno financeiro. E não teve o menor escrúpulo em seduzi-las por puro apetite sexual, ou para mostrar aos amigos que era capaz de conseguir o que queria. Quando já não podiam lhe oferecer mais nada eram descartadas como algo sem o menor valor.
Sentimentos. Se os tinha jamais deixou transparecer. Pelo contrário, sempre di-zia que sentimentos são coisas de mulheres ou de homens frouxos. “Quem tem senti-mentos não chega a lugar algum...”, chegou a comentar certa vez. E os seus atos atesta-vam suas palavras.

Finalmente depois de longos 11 anos de estudos alcançou seus objetivos. For-mou-se em Administração de Empreses e conseguiu, ainda quando estagiava, um bom emprego numa grande multinacional que acabara se instalar na cidade. Sentia-se um homem realizado.
Já não morava mais num quartinho de uma pensão de quinta categoria. Com o salário que recebia, alugou provisoriamente uma kitchinette até que pudesse comprar um apartamento maior. Passava a maior parte do tempo trabalhando no escritório ou em casa. Não saia com os amigos porque não os tinhas; não namorava porque não tinha tempo para essas coisas. Quando sentia necessidade de alguma mulher, dava algumas escapulidas nos sábados à noite e se encontrava com garotas de programas que, por uma vultosa quantia, realizava as suas perversões mais esdrúxulas.
Quanto à Rosário, sua terra natal, voltou algumas vezes nos primeiros anos. As pessoas daquele pequeno vilarejo o admiravam e se orgulhavam de alguém tão próximo, filho de seus amigos, ter ido para a cidade grande e vencido na vida. Diziam que Carlos era um exemplo a ser seguido por todos os jovens daquele arraial. E ele se orgulhava disso, fazia bem ao seu ego. Não sentia, porém, o mesmo por aquelas pessoas. Vez ou outra as cumprimentava para não desagradar a seus pais. Se sorria para algum deles, percebia-se facilmente que era um falso sorriso. Aquelas pessoas ignóbeis o deixava irritado e evitava ao máximo ir aquele lugar de onde partira anos atrás.
Os anos foram passando e Carlos não voltou mais a Rosário. Seus pais vinham vê-lo de vez em quando. Daquele menino que saiu de Rosário, não restava quase mais nada; se tornara um estranho em sua terra natal. Transformara-se num belo homem, dotado de uma beleza que não havia como não despertar a atenção dos outros. Vestia-se otimamente bem, andava sempre muito bem penteado e nunca deixou a barba por fazer. Tinha todas as pintas de um grande executivo.
Não foram necessários muitos anos para que pudesse economizar e ganhar o su-ficiente para levar uma vida de luxo.
Apesar de ter praticamente de tudo que queria, aos poucos foi descobrindo que alguma coisa lhe faltava. Com o passar dos anos, um vazio foi crescendo dentro de si. No começo não era perceptível, mas agora que contava com 31 anos de idade, já não sabia mais o que era a felicidade. Por mais que corresse atrás dela, ela insistia em não ser encontrada.
De repente começou a ficar entediado. Já não sentia mais prazer no trabalho, as pessoas pareciam que o aborreciam mais e mais. Nem seus pais escaparam. As visitas deles era algo que o inquietava. Era como se estivesse sendo obrigado a participar de um encontro, feito aqueles tinha que fazer no trabalho, com pessoas que gostaria de nunca ter conhecido. Com isso começou a se isolar cada vez mais. Era como se já não encontrasse motivos para viver.

Certo dia, poucos dias após ter completado 32 anos, adoeceu. Depois de um ba-teria de exames, os médicos chegaram a conclusão de que estava com stress. Recomen-daram que tirasse alguns dias de férias para descansar, se afastar da turbulência de Juiz de Fora e procurar algum lugar mais sossegado para ficar.
A contra gosto, devido a insistência de seus pais, acabou concordando em passar alguns dias em Rosário. Achou que ali não era o lugar mais indicado, uma vez que não gostava do lugar e muito menos das pessoas que ali moravam.
No sábado a tardinha, partiu em direção a terra natal. Faziam anos que não ia àquele lugar e nem se lembrava quando foi a última vez que seguiu por aqueles cami-nhos.
Ao cair da noite, chegou à casa dos pais. Já se fazia escuro e não encontrou nin-guém pelas ruas de Rosário. “Parece que continua a mesma coisa de quando saí da-qui...”, pensou ao encostar o carro em frente àquele que fora seu lar anos atrás.
No dia seguinte, acordou mais tarde e resolveu perambular pelas ruas de Rosá-rio. Não gastou muitos minutos para percorrer a rua de cima a abaixo. Estas ainda per-maneciam quase desertas. Algumas crianças corriam, outras brincavam felizes; todavia, passou sem dar-lhes importância.
Quase ao final da rua, encontrou dois moradores que conversavam alegremente. Ao verem-no, cumprimentaram-no. Para não ser descortês, retribuiu o cumprimento e continuou seu percurso. Foi até a extremidade do distrito, aonde já não havia mais casas e, envolto em pensamentos, voltou caminhando lentamente com as mãos nos bolsos. Fazia bastante frio naquela manhã de agosto.
“O que estou fazendo aqui nesse fim de mundo!?... Isso aqui vai é me entediar ainda mais!... Não vou agüentar ficar aqui nem uma semana!...”, pensou ele, no cami-nho de volta à casa dos pais.

Os primeiros dias realmente foram difíceis para Carlos; mas, aos poucos, foi fa-zendo amizades e, sem que desse conta, começou a se interessar pelos pequenos deta-lhes da vida daquelas pessoas. Algo dentro de si o impelia a levantar-se mais cedo e partir para o campo na companhia dos novos amigos. Foi à fazenda mais próxima ao sul de Rosário e acompanhou atenciosamente a ordenha do gado. Fazia perguntas e queria saber os pormenores de tudo, como se fosse uma criança de 5 anos. A tarde acompa-nhou os empregados ao capinzal e ajudou-os a cortar capim para tratar do gado no dia seguinte.
Quando o sol começou a se pôr, voltou para Rosário e, antes da noite cair, já es-tava em casa. Apesar do dia fatigante, não se sentia cansado; pelo contrário, parecia feliz. Contou a mãe as novidades e as proezas que havia feito no campo, com se aquelas tarefas fossem algo de extraordinário.
Durante os dias seguintes partiu cedo para o campo, andou por outras fazendas da redondeza, fez muitas amizades e sentiu-se livre como um pássaro em meio a nature-za. Pela primeira vez pegou numa enxada para capinar uma roça, meneou uma foice para roçar o pasto e ordenhou uma vaca. A cada novo desafio, uma sensação de deleite tomava conta de si; e cada vez mais sentia inveja daquelas mesmas pessoas que havia desprezado e repudiado durante todos esses anos.
“Como a vida simples do campo pode ser tão feliz!”, exclamou ele certa vez com seus botões. “E eu que achava que essa vida tão chata, mesmo sem tê-la experi-mentado...”

Suas férias estavam chegando ao fim, e nada de Carlos falar em voltar à cidade para reassumir seu trabalho. Era como se o futuro fosse algo distante e anódino. O que importava realmente era viver o presente; um presente mágico, novo, diferentemente de tudo que já havia feito em sua vida. E pela primeira vez, havia encontrado prazer em alguma coisa. Um prazer que alimentava sua alma e fazia-o brilhar e irradiar uma ener-gia que contagiava todos que estavam por perto.
Na noite anterior a partida chegou para seus pais e comunicou:
- Não quero mais voltar à cidade. Vou deixar meu emprego e vou continuar morando aqui com vocês. Vou comprar um pedacinho de terra e vou viver a minha vida como as pessoas daqui vivem.
Eles o olharam com espanto, como se não acreditassem naquelas palavras; como se, ao invés do filho melhorar, tivesse piorado de vez.
- Mas, meu filho! Você perdeu o juízo? - quis saber a mãe
- Não, mãe! Encontrei a minha profissão - volveu ele. - Na verdade eu nasci no campo para ser um homem do campo; mas o destino me desviou para outros caminhos. Fui para a cidade e me afastei de vocês e dessa gente maravilhosa desse lugar. - Ele proferia palavras que brotavam do fundo de seu coração. - Fui tão longe em busca da felicidade. Paguei tão caro para isso e ela sempre esteve aqui tão perto. Como eu pude ser tão idiota para não perceber isso! - disse ele por fim, lamentando-se pro-fundamente.
- Você tem certeza disso, Carlos? - inquiriu seu pai. - Lutamos tanto para te dar uma educação, para que você pudesse ser alguém estudado e para que você tivesse a oportunidade que não tivemos. Te demos estudos para que você pudesse ter uma vida mais fácil e melhor. E depois de tudo isso você resolve jogar tudo fora! Por quê isso, meu filho? - Aquele homem a beira dos 60 anos não queria se conformar com a deci-são do filho. Era um homem simples, meio rústico e incapaz de entender certos porme-nores.
- Tenho, pai! - respondeu, sem titubear. - Eu nunca deveria ter saído daqui! Além do mais, não estou jogando tudo fora. Os meus estudos vão me ser muito útil para administrar o meu pedaço de terra. - concluiu, com ironia.
No dia seguinte a conversa voltou à cidade e pediu demissão do emprego. Dias depois vendeu o luxuoso apartamento e comprou um pequeno sítio de uma família que havia partido para São Paulo para entrar de sociedade numa padaria.
Carlos administrou seu pequeno sítio como se cuidasse de sua amada. Durante sua vida voltou à Juiz de Fora pouquíssimas vezes; só mesmo para fazer compras ou resolver pendências sobre o sítio. Aquele pedaço de terra era o seu mundo, e aquilo bas-tava para ele.
Não viveu por muitos anos; todavia viveu os melhores anos de sua curta existên-cia. Certo dia, durante uma forte tempestade, acorreu em busca dum bezerro ainda mui-to novo que estava perdido no pasto. Ao se esconder embaixo de uma grande árvore, foi atingido por um raio. Morreu instantaneamente.
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