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Contos-->O café que ela não tomou -- 25/05/2000 - 23:21 (Marcia Lee-Smith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Fora despedida do emprego.
Tanto melhor, tinha dois empregos e já começava a não ter tempo para si mesma.
Quando chegava em casa, altas horas da noite, tinha de decidir entre jantar um prato frio que estava no forno, ou tomar banho antes de dormir, tal o cansaço.
Assim, não fora tão ruim ser demitida.
E ainda por cima havia uma bolada de dinheiro esperando no banco, o FGTS.
Seria melhor deste jeito, mais tempo para si mesma, para os meninos, para a casa.
E o marido também trabalhava, podia mandar uma empregada embora, e iria se sentir mais descansada.
Era janeiro. A cidade estava vazia, com todo mundo na praia, menos ela.
Pensou em fazer turismo em sua própria cidade.
Já notou, como, quando se mora numa cidade, a gente deixa de ver um bocado de lugares turísticos, simplesmente porque eles estarão sempre lá, à disposição?
E ela tinha uma fantasia. Aliás ela tinha várias fantasias, mas aquela estava incomodando pela urgência.
Havia um café na cidade, numa das ruas mais movimentadas, que não era um café simples.
Ele parecia alguma coisa saída de um filme francês. As paredes da frente, de vidro, do chão ao teto, deixavam ver as paredes internas espelhadas, as mesas de mármore rosa, com os pés dourados, as cadeiras estofadas em veludo, o piso negro, parecendo um espelho, e as pessoas chegavam, sentavam-se para tomar um simples café, ou alguns até tomavam um uísque.
Ela pensava em vestir-se muito bela, colocar seu colar de pérolas, e entrar naquele ambiente de classe, e sentar-se em uma das mesas forradas com toalhas de linho bordadas, e pedir um café, displicentemente, como se fosse a coisa mais natural do mundo, ao invés de tomar café num copo de massa de tomate, virando da garrafa térmica já tão desbotada, mas que o marido dizia, Para que trocar, esta aí mantém o café quente...
E naquele dia tinham marcado para que ela fosse receber o dinheiro no banco.
Nossa Senhora, melhor que a encomenda.
Com aquele mundo de dinheiro na bolsa, ela iria se sentir tão elegante e rica, que o café teria o dobro do sabor.
Na hora do almoço ela avisou ao marido que iria ao banco.
E ele prontamente ofereceu-se a acompanhá-la.
Marido não fazia parte da fantasia, mas não iria atrapalhar, embora ela já imaginasse que ele iria mal vestido, e que não iria querer demorar lá o mesmo que ela, talvez até achasse mais interessante entrar num destes lugares que servem chop e quibes.
Ela pensou em postergar a data. Mas acabou se decidindo por ir.
E não deu outra.
No carro, ela olhou o marido. Calças meio sujas, camisa polo faltando o botãozinho de cima.
Ele comentou sua elegância. Ela fingiu não ter ouvido.
Entraram no banco. Ela foi ao balcão e perguntou onde deveria se dirigir. Informada, foi, marido escoltando, a uma mesa no fundo, onde pediram-lhe que assinasse uns papéis e fosse ao caixa.
Tudo bem até aí.
A moça diz, é muito dinheiro, a senhora não quer abrir uma poupança?
E ela, Não, obrigada.
A moça insiste. Mas é muito dinheiro para andar por aí, quem sabe um doc?
Ela ia abrindo a boca para dizer não quando o marido se intromete.
Não, o banco em que eu deposito é em frente, vamos colocá-lo em minha conta.
Ela murchou. Sentiu-se como uma rosa deve sentir-se num jarro com água morna, deixando o caule vergar-se.
Olhou em volta desamparada, e acenou um sim para a moça do caixa.
O marido contou o dinheiro, nota por nota, e enfiou-o no bolso da calça.
Saíram do banco, atravessaram a rua e entraram no banco onde ele tinha conta.
Ele fez o depósito, e sorriu satisfeito.
Ela perguntou, ainda com um fiozinho de esperança: Temos mais alguma coisa para fazer na cidade?
Ele, crendo ser o melhor marido do mundo, respondeu.
Eu estava pensando em aproveitar e comprar os uniformes e material escolar dos meninos, as aulas começam no mês que vem.
E lá se foi ela para a loja que vendia uniformes, onde parecia que todos os pais do mundo tinham ido naquele dia, e depois de horas, foram para uma grande papelaria, e ao final da tarde carregavam sacolas pesadíssimas, desconfortáveis, e o carro estava a léguas...
Tudo o que ela conseguia pensar era em como deveria ter sido a tarde naquele café.
Mas isto era coisa do passado, ao que parecia.
Um passado que teria morado no futuro, mas num futuro que foi ao passado sem passar no presente.
A maquilagem tinha escorrido em seu rosto, o batom tinha desaparecido, o cabelo estava desalinhado, alguém tinha lhe pisado o sapato novo, e o marido colocou a pá de cal:
Vamos para casa, parece que vai chover.
Ela ainda arriscou, Eu gostaria de passar num lugar.
E ele, Para que? Vamos levar os meninos ao parque de diversões à noite, assim todo mundo se diverte.
Ela foi marchando, com três sacolas pesadas, rumo ao carro, e de fato começou a chover antes que conseguissem chegar lá.
Uma chuva de verão. Passou logo, bem antes de chegarem em casa.
De noite foram ao parque de diversões.
Enquanto os meninos brincavam naqueles brinquedos todos, eles sentaram numa mesinha, e ele perguntou : Quer milho?
Ela sentiu as lágrimas brotando de seus olhos.
Ainda vestia a mesma roupa, só que agora a saia de linho estava amarrotada, a blusa manchada, o rosto cansado, e balbuciou: Quero um café.
Ele fez que não ouviu e veio com os milhos.
Dois anos depois ela criou coragem, e arrumou-se de novo.
Mas não disse nada a ninguém, chamou um taxi e deu o endereço.
Devia haver um erro.
Ela ainda insistiu com o motorista para dar umas voltas nos quarteirões vizinhos.
Mas não conseguiu ver o café.
Desceu no ponto certo onde o café deveria existir, e olhou a vitrine da casa de óculos.
Um vendedor chegou-se até a porta e perguntou: Gostaria de ver algum modelo?
Ela perguntou humilde: Aqui, já não houve um café?
Ele disse, é, acho que sim, antes de ter essa óptica.
Ela agradeceu e entrou na livraria ao lado, e fez a mesma pergunta. O senhor de mais idade que trabalhava lá informou que sim, por alguns anos tinha existido um café naquele ponto.
Ela ainda tentou saber se eles teriam se mudado de lugar, mas o homem disse, Não, eles simplesmente fecharam, o movimento era muito fraco.
Claro, ela pensou, o movimento devia ter sido cada vez mais fraco, com os maridos afoitos por comprarem uniformes escolares.
Chamou um taxi, chorou por todo o percurso, e em casa, trocou de roupa, colocou um roupão, sentou-se à cozinha, e tomou o café da garrafa térmica.




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