Um homem engravatado atravessa o quintal da casa e bate a porta. Na mulher que a abre, se abre também um sorriso.
- Querido. – ela o abraça. – Estava preocupada.
- Sinto muito, mas houve um problema com uma das novas peças, não consegui ligar.
- Vamos, entre, o jantar está esfriando.
A mulher não percebeu, mas havia algo errado no olhar do marido. Perdido, olhando os retratos nas paredes como se não os reconhecesse. Via três pessoas, ele, ela e um garoto. Então, as suas costas, a porta novamente se abre e um jovem entra.
- Que ótimo, achei que já ia encontrá-lo dormindo.
- Douglas, seu pai está cansado, não pode deixar de implicar com ele um minuto ?
- Tudo bem mãe, eu volto mais tarde.
- Não. – o homem fecha a porta. – Jante com sua família. Está na hora de termos uma conversa.
- Você não pode me obrigar. – o jovem desvia e sobe as escadas.
- Tudo bem, Charles. Deixe-o ir.
Em seu quarto, Douglas põe os fones de ouvido e começa a praticar em sua guitarra. No andar de baixo, sua mãe na cozinha acaba de por o assado que preparara de volta ao forno para esquentá-lo. Na sala, Charles continuava olhando as fotos, em seu olhar um vazio indescritível. Subitamente ele se levanta e vai até a cozinha. Sua mulher lava algumas panelas e se espanta ao enxergar um vulto sombrio pelo reflexo no metal. Mas é apenas seu marido, que a encara com aquele olhar frio. Ela sente medo.
Em um quarto escuro, uma mulher continua a digitar em seu computador. “O jovem no andar acima não escuta o barulho vindo da cozinha. Onde seu pai arremessa sua mãe contra os pratos e contra a parede. A mulher atordoada, parece ouvir grunhidos emitidos por Charles, mas seus repetidos golpes não a permitem pensar.”
Um baque mais forte faz Douglas tirar os fones. – Está tudo bem aí embaixo ? - Ele não tem resposta. Resolve descer e vagarosamente, caminha para a cozinha. O que vê sobre sua mãe não é humano. Nem animal. – Meu Deus.
“Ouvem-se mais barulhos de fora da casa, e após um curto silêncio, Douglas sai de sua casa, ensanguentado. Ele corre, atravessando o quintal e partindo pela rua. Seu pai surge a porta. – Doug ! Volte aqui. Está na hora de termos aquela conversa. - Mas o garoto não se detém. Parecia ter um objetivo em mente, parecia buscar ajuda.”
A mulher que digitava agora parou. Alonga os braços e tira os óculos. Seu semblante era de puro cansaço. Aquele princípio de história realmente a consumia, e mal podia esperar para terminá-la. Mais uma fanfic de One. Ela desliga o computador e se levanta, quando o silêncio do quarto é quebrado por uma batida na porta. Ela estranha, já passava da meia noite, um horário um tanto inapropriado para visitas. Mas quando ela abre, seu espanto é total.
- Por favor me ajude. – disse o jovem ensanguentado.
Era Douglas.
“One”
( idem )
Fan Fic escrita por André Luiz S. da Silva ( @.Krycek )
Baseado nos personagens criados por Chris Carter
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Categoria : Monstro da semana.
Spoilers : Desnecessário.
Disclaimer : Os personagens dessa história são de propriedade de seus respectivos criadores e empresas e não há intenção alguma de obter lucro através dessa história , que se destina unicamente à diversão dos fãs.
Sinopse : Quem lê fanfics a conhece. Sua inspiração e habilidade em escrever parecem ser retiradas de uma fonte desconhecida. Suas fanfics possuem situações e momentos inconcebíveis para qualquer excer. Mas será que One estará pronta para a verdade, quando ela se tornar um Arquivo X ?
Nota do autor : Particularmente nunca fui fã das fics da One, pois as considero shippers demais e até, quem sabe, um tanto sobrecarregadas de sensualidade. Mas mesmo assim, sua vontade de escrever me impressiona, pois já foram as vezes em que encontrei três ou quatro histórias novas dela, tudo em uma só semana. E é esse seu espírito excer que eu admiro, e é isso que espero homenagear. Espero que goste One, ah, e desde já, desculpe se houver alguma diferença em relação a sua vida, pois não sei realmente onde você mora, ou mesmo qual o seu verdadeiro nome. Valeu !!
São Paulo, Brasil
00 : 54
Ela olhava incrédula para o jovem sentado em seu sofá. – Não é possível. – repetia-se a todo momento. – Você não pode estar aqui.
- Como assim não posso ? Você viu o que fez comigo ? O que era aquilo na minha casa ? – A situação era surreal demais.
- Não é real. Você não é real. Eu o criei, você é meu personagem. Já sei, é uma brincadeira, um dos caras sabia da minha história e mandou você aqui, não é ? – ela ria nervosamente. – Você é bom, pode acreditar.
- Do que você está falando ? Isso é real. – ele mostra o ferimento no peito.
- Como você chegou aqui ? – ela o segura pelos ombros, pressionando contra o sofá.
- Eu não sei. – ele parece não entender. – Saí de casa, comecei a correr, e só sabia que ia encontrá-la aqui e que você saberia me explicar o que está havendo. Mas não lembro de meus passos.
- Onde você mora ? – ela gaguejava.
- Também não sei. – ele responde após uma breve pausa. - Eu não sei. – estava tão confuso quanto ela. Ela o fita nos olhos, então quando seu senso da realidade eclode, ela desmaia.
- Senhora ? Senhora ? – um velho a acordava. – A senhora está bem ?
- Ah.. estou, eu acho. – quando sua consciência vem a tona, ela se assusta. – Onde ele está ?
- O moço em seu apartamento ? Sinto muito, ele não resistiu aos ferimentos. Você está no hospital. Agora calma que vai ficar tudo bem. – apenas naquela hora ela percebia que estava em um leito de hospital, e que devia ter passado horas inconsciente, pois já era dia.
Poucos minutos depois já estava fora. Naquela mesma tarde fora interrogada pela polícia, que estava realmente curiosa sobre seu papel naquele estranho caso do homem que matou a esposa e o filho com as próprias mãos, e que depois fora encontrado no museu onde trabalhava, sem qualquer lembrança do ocorrido. Mas certamente aquilo era o que menos a inquietava. Teria sido uma coincidência ? – Ela pensava. Quem sabe, já foram conhecidos casos de escritores que sabiam descrever com detalhes locais, pessoas e situações que eles jamais haviam conhecido ou vivenciado. Teria sido isso ? A resposta é não, pois isso não explicaria o fato de Douglas conhecê-la. E suas palavras, então ? “Viu o que você fez comigo ?”. Aquilo ela jamais esqueceria.
18 : 20
Estivera um bom tempo deitada em sua cama, tentando dar alguma lógica aos recentes acontecimentos. Então, em um súbito lampejo, ela decide ligar o computador, e imediatamente abre o arquivo de sua fanfiction. Ela a lê até o ponto em que escreveu. “”; “Douglas”; “Charles” eram palavras que saltavam à vista. – Meu Deus. – Ela corre e liga a TV, esperando pacientemente a notícia no telejornal. Quando ela vem, a mulher parece não acreditar. Em nenhum momento dos três minutos de notícia foi citado o sobrenome de Douglas ou Charles, nem o nome de sua mãe. Inacreditável. As idéias de One recusavam-se a se concretizar, pois aquilo não podia estar acontecendo. Local indefinido, pois ela ainda não havia pensado em que cidade se passaria sua nova história, nem do nome da “mãe de Douglas”, ou ainda o sobrenome da família.
Após vomitar, descarregando também um pouco de sua angústia, ela se volta para o computador, que parecia agora para ela uma espécie de demônio. Mas se aquilo era a “realidade”, então ela sabia que só tinha uma coisa a fazer.
- Então, acha que sua história deu vida a um monstro ? – Fox Mulder perguntava a mulher a sua frente. A One.
Sede do FBI
Washington DC
10 : 45
Ela não havia avisado a ninguém de sua vinda para Washington, esperava ligar apenas quando chegasse. Mas não havia conseguido segurar a ansiedade para realmente levar sua sanidade ao limite. Ao fitar os olhos de Mulder, a loucura nunca havia parecido tão maravilhosa para ela.
- Senhora ?
- Oh, sim, desculpe. Mas estou um pouco afetada por tudo o que está acontecendo. O que perguntou mesmo ?
- Se realmente acredita que pode ter dado vida a um monstro responsável pela morte de duas pessoas em seu país.
- Realmente não vejo outra explicação. Não sei quantas vezes já bati a cabeça na parede tentando acordar desse pesadelo.
- Eu li sua história... “One” ? Parece fiel ao que ocorreu, mas como posso saber se não escreveu isso depois do crime ter ocorrido ? Talvez esteja só querendo atenção. A propósito, como soube do Arquivo X no Brasil ?
- O senhor é bem conhecido lá. – ela faz uma pausa onde quase gargalha de emoção. – Não sabe mesmo o que está havendo, não é ?
- Não senhora, e é por isso que trabalho aqui. Porque eu nunca sei de nada. – ela aproveita o comentário de Mulder para rir um pouco. Mas seu sorriso é interrompido pela chegada dela, Dana Scully.
One jamais havia pensado que ela podia ser tão bonita pessoalmente. O semblante de Dana era de surpresa. – Mulder, Skinner está nos chamando.
- Skinner ? O diretor Skinner ? – ela não disfarça o vislumbre.
- Sim. – Mulder responde. – Vai dizer que ele também é conhecido no Brasil ?
- Brasil ?
- É uma longa história Scully. Mas vamos. Senhora, agradeço a visita, mas casos de homicídio em outras nações não é trabalho do FBI, mesmo que em condições tão estranhas. Devia saber disso antes de vir para Washington. – ele se levanta e prepara-se para ir pra fora da sala com One e Scully.
- Posso ir com vocês ?
- Pra onde ? - Scully pergunta, surpresa.
- A sala do diretor Skinner.
Os agentes se entreolham.
- Por favor. – soava como uma criança.
Na sala, Skinner começava. – Estou com um caso em Baltimore, família de quatro pessoas assassinada. O único sobrevivente é um menino de 5 anos.
- Mas.... ? – Mulder, com seu jeito sempre extrovertido.
- Daí que as digitais do menino e traços de seu tecido foram encontrados em todos os corpos. A criança está temporariamente detida, mas é claro que não será por muito tempo.
- Acham mesmo que um menino pode ter feito isso ? – Scully olhava as fotos dos corpos mutilados.
- Pode. – One interrompia.
- Mulder, não sabia que havia entrado em um programa de estagiários. – dessa vez Skinner era o irônico.
- Acho que havíamos combinado que você ficaria em silêncio.
- Sinto muito, mas é a verdade. Veja as fotos do crime no Brasil. São ferimentos idênticos, com características de ataques dos felinos africanos.
- Senhor, acho que viemos aqui à toa, pois parece que a estagiária do agente Mulder já resolveu o caso. – Scully olhava nos olhos do parceiro.
- Com licença, senhor. Venha comigo, “One”.
- One ? – Skinner perguntava.
- É uma longa história, senhor.
Mulder leva a mulher para fora do escritório.
- O que foi aquilo ?
- Só estou tentando ajudar. – One tentava se justificar.
- Senhora, já disse. Muito obrigado por me informar da fama internacional dos Arquivos X, mas acho que já é hora de ir pra casa.
- Não posso.
- Por quê ?
- Por que ele já está aqui.
- Ele quem ?
- Você fica lindo curioso, sabia ? – One se espanta com sua própria audácia mas tenta disfarçar com um sorriso.
Mulder, ainda confuso, pede a mulher que aguarde do lado de fora para tentar terminar a reunião com Skinner. Ela espera pacientemente pela saída dos agentes sentada em um banco. A primeira a sair é Scully, que diz : - Temos que conversar. – Logo depois vem Mulder, que não diz nada. Mas após sete anos os observando, aquilo para One era um sinal de siga-me.
Os três voltam ao escritório dos Arquivos X.
- Então, senhora. – Scully começa. – Ajudaria se nos dissesse como sabia dos ferimentos na família Simmons.
- Eu já disse. São iguais aos que mataram mãe e filho na minha cidade.
- Então foram causados por seu “monstro” ?
One não diz nada. Ainda estava receosa em contar toda a história para Mulder e Scully. Especialmente a parte em que ambos são personagens fictícios criados por Chris Carter e que ela estava prestes a escrevê-los.
- Mulder, sugiro que partamos para a cena do crime. E investiguemos bem isso antes de culpar um monstro brasileiro pelo crime. – Scully tornava-se impaciente com aquela situação. – Peço que a senhora não deixe Washington.
- É, também acho. Sinto muito número um, mas o dever nos chama. Autógrafos só após às seis.
- Posso ir com vocês ?
- Não. – respondem em uníssono.
Residência dos Simmons
Baltimore, Maryland
12 : 20
Os dois agentes entram na casa escura e de imediato percebem a desordem. Como se naquele local tivesse ocorrido uma grande luta. Scully nota na parede marcas de garras, enquanto Mulder parece se preocupar mais com a porta de entrada e janelas.
- Scully, olha isso. Não há sinais de arrombamento, nem nenhuma janela quebrada.
- Alguém pode tê-las esquecido abertas.
- Mas no relatório da polícia diz que a porta foi encontrada fechada. Como um tigre ou algo assim poderia ter entrado e saído sem esbarrar em nada no caminho?
- Boa pergunta.
Eles perambulam um pouco mais pelo andar térreo e logo após sobem as escadarias.
- Mulder.
- Diga Scully.
- Acredita mesmo naquela mulher ? Quer dizer, que ela pode ter dado vida ao que vemos aqui ?
- Acho que é só síndrome de escritor. O desejo de ver sua obra transformada em realidade, talvez a vontade de sentir como vida coisas que só estão na mente.
- Ou vontade de ser Deus. E esperar que as pessoas aceitem como a verdade as palavras de sua criação. – Scully completava o raciocínio do parceiro.
- É, quem sabe. Mesmo assim tem algo muito estranho aqui, Scully.
- O que é ?
- As mortes ocorreram entre ás 8 da noite de ontem e às 4 da manhã de hoje. O primeiro a ser atacado foi Claud Simmons, o pai da família. Cujo corpo foi encontrado no sótão da casa. A segunda foi Marianne Simmons, a filha mais velha, encontrada em seu quarto, logo então foram vítimas Derek, o filho mais velho e Elizabeth, a mãe.
- O que há de mais nisso ?
- Veja essas marcas de sangue no chão. Estão espalhadas pela casa toda e em vários moldes. Tanto pés infantis como pés de adultos.
- Mas Derek foi encontrado na cozinha junto á mãe.
- E duvido que Claud tivesse tempo de perambular pela casa após ter sofrido uma ... – ele faz uma pausa ao que lê o relatório preliminar dos paramédicos. – “mutilação fatal na região jugular”.
- Quer dizer que após a primeira morte, o assassino continuou perambulando pela casa, depois matou Marianne em seu quarto.
- Que por ser acusticamente isolado.. – Mulder mostra a bateria de Marianne. – não permitiu que Derek e Beth escutassem o barulho do ataque.
- Aí o assassino saiu, continuou andando... – os parceiros caminham refazendo os supostos passos do assassino. - .. desceu tranquilamente as escadas e então atacou mãe e filho na cozinha.
- Só o filho, pois ao que parece que Beth foi morta meia hora depois de ter encontrado Derek, pois ainda teve tempo de ligar para o 911.
- Então o criminoso estava aqui o tempo todo, mas não foi visto.
- Ou não foi reconhecido. Ou estava invisível. Ou então..
- Pare Mulder.
- Desculpe.
- Mesmo assim, onde entra Joseph, a criança que sobreviveu ?
- Pelo visto, dormia como um anjinho, pois foi assim que a polícia o encontrou. Sem sangue nas roupas, seu ou de qualquer outro.
- Acho que é a “hora da autópsia”. – diz Scully, com um típico humor de funerária.
Hotel Saint Claire
Baltimore, Maryland
14 : 55
Andava de um lado para o outro da sala, com o telefone a mão. Ainda não conseguia falar com seus familiares, ainda não conseguia contatar o Brasil. Imaginava o quanto eles deveriam estar preocupados, se é que tentaram falar com ela naquele dia, já que fazia tempo que One não mantinha uma relação das mais próximas com sua família.
Mas aquilo agora não importava, e por isso ela desliga o telefone após a oitava tentativa. Ainda que sua mente assimilasse um pouco melhor aquela situação, o mesmo não poderia dizer de seu coração. “Meu Deus, eu conheci Fox Mulder, e Dana Scully e o diretor Skinner !” Pensava enquanto ria freneticamente vez ou outra. “O que os caras vão dizer quando eu contar ?” - imaginava a reação de seus amigos excers quando trouxesse para eles provas de sua história fantástica.
“Esqueceu de uma coisa, One ? Pessoas morreram. Pessoas estão morrendo. E mais pessoas morrerão se você não contar o que sabe.”- Sua consciência martelava seu cérebro. Contar ou não contar era um dilema naquele momento. Talvez Mulder acreditasse, mas Scully sem dúvida a mandaria para o hospício. Hospício ? “One, você não está louca ?”
Sua razão desmoronava com aquela possibilidade. Não podia ser aquilo, ela sempre tivera um comportamento exemplar, não havia qualquer motivo para enlouquecer. “Típico pensamento de louco. Você deve estar agora acorrentada, gritando suas loucuras para algum médico”. Não queria mais escutar mais aquela voz, pois a machucava muito. “Ou então você morreu. E este é o paraíso. O seu paraíso. É, é isso mesmo One, acho que você está morta.”
- Não !! – Gritava em frente ao espelho. Joga um pouco de água no rosto, e decide que só há uma coisa a fazer, pois continuar naquele quarto de hotel, isso sim, seria capaz de levá-la a loucura. One sabia o que fazer, e sabia que não tinha muito tempo. Como ela dissera para Mulder, ele, a criatura, já estava lá. Havia a seguido, e agora estava em Washington. Caçando-a, como em toda boa história de Arquivo X.
Igreja de São Patrício
Washington, DC
15 : 10
A senhora acabava de entrar no confessionário.
- Perdoe-me padre, eu pequei.
- O senhor está pronto para ouvi-la e perdoá-la.
- Já faz três semanas que não me confesso.
- E cometeu algum pecado neste tempo ? – pergunta serenamente o padre.
- Acho que sim. Não tenho dado muita atenção ao meu marido. Ele está muito doente, já faz algum tempo. Ando estado meio ausente.
- Refere-se à aquele assunto ? Tornou a cometer aquele pecado ?
- Estou tão envergonhada, padre. Sei que o Gerald não merece. – responde a senhora após alguma hesitação. - Padre, serei perdoada ?
- Não.
- Como padre ? – pergunta surpresa a mulher.
- Deus não tem tempo para perdoar vadias como você. Que abandonam o marido doente em casa após trinta anos para prostituir uma criança que tem de idade pouco mais que a metade disso.
- Padre, não sei o que dizer... – está desconcertada. – Nunca pensei que...
- Cale a boca, pessoas como você só tem um destino.
Ela ouve um urro do outro lado da grade do confessionário, após isso, algo avança sobre ela, arrebentando a grade como um animal. Do lado de fora, a igreja está deserta, mas pode-se ver a terrível movimentação de dentro do quarto de confissões e os gritos da mulher lá dentro.
Hospital Geral James Morgan
Baltimore, Maryland
17 : 33
Mulder chegava em um corredor e encontra Scully a sua espera.
- E então, descobriu alguma coisa ?
- Mulder, não sei o que dizer. Os exames não mentem. Os ferimentos realmente conferem com os padrões de ataque de felinos selvagens. Golpes na jugular e região abdominal.
- Como One disse ? – perguntava incrédulo.
- Mas o pior não é isso, Mulder. Pelo que pude ver, não é só o tecido de Joseph que estava naqueles corpos. – ela faz uma breve pausa. – Era o da família toda.
- Como ?
- Os tecidos encontrados correspondem também aos de Claud, Derek, Marianne e Elizabeth Simmons. Não tem como explicar, Mulder, mas é como se eles tivessem atacado uns aos outros.
- Isso fica cada vez mais estranho. E como está Joseph ? Você o examinou ?
- Tirando o trauma devido aos recentes acontecimentos, parece uma criança saudável.
Ambos sentam em um banco.
- Houve outra morte Scully. Uma mulher, Thelma Vinatti. Foi encontrada morta, com sinais de ataque de um animal selvagem dentro de um confessionário em uma igreja a menos de trinta minutos daqui. – na pausa olha firme nos olhos da parceira.- Quem a encontrou foi o reverendo Walton Brody, que por enquanto, é o suspeito número um.
- Quanto tempo faz isso ?
- Umas duas horas. Skinner me passou tudo pelo telefone. Vim aqui pra te buscar.
- Mas e esse reverendo ?
- Diz não saber o que aconteceu. Ainda que fosse o único dentro da igreja na hora do crime.
- Estou confusa, Mulder. Não sei como, mas aquela mulher, One, acertou quanto a forma dos ataques. Pedi informações sobre as mortes no Brasil, e pelo relatório das autópsias, estamos diante de crimes idênticos.
- Acha que devemos voltar a falar com ela ?
- Não. Ainda não. Não enquanto tivermos outras opções. – Scully tira o avental médico.
Igreja de São Patrício
Baltimore, Maryland
18 : 01
Tudo estava sendo isolado pela polícia, mas ainda podia se ver restos da cabine de confissões espalhados pelo chão da igreja e as partes maiores sendo empilhadas por policiais. Mulder e Scully olham atentamente para tudo à sua volta, e pouco depois são abordados por um policial.
- Posso ajudá-los ?
- Sou o agente Fox Mulder, essa é Dana Scully. Somos do FBI. – exibem as insígnias.
- Sou o sargento Groening, oficial encarregado.
- Alguma pista do que aconteceu aqui, sargento ? – Scully inicia.
- Sinceramente, só uma idéia vaga. Acreditamos que seja um ataque de algum animal selvagem ou algo assim. Houve uma dilaceração do pescoço.
- Padrão de ataque felino. – Mulder fala baixo, para dentro, enquanto se aproxima da pilha de restos da cabine.
- Houve alguma notícia do zoológico de Baltimore sobre algum animal fugitivo ?
- Ainda não, e isso é que é o mais estranho.
- Como ? – Scully, ao contrário de Mulder que permanecia concentrado nos destroços, continuava a prestar atenção no oficial.
- Essa igreja só possui uma entrada, que é aquela pela qual vocês entraram. E como podem ver, fica bem em frente a uma rua movimentada. Não vejo como um animal selvagem do porte que vemos aqui, pode ter conseguido entrar aqui sem ser visto por ninguém do lado de fora.
- Scully, dê uma olhada nisso. – Mulder chamava a parceira. Ela se aproxima, acompanhada do oficial Groening. – Aqui, olhe só a porta de entrada da cabine.
- Não está tão danificada.
- É mesmo, agora dê uma olhada no que sobrou da divisória.
- Está arruinada. – Eea faz uma pausa na qual observa atentamente os destroços. – Veja essas lascas, Mulder, todas voltadas para a direção da vítima. A criatura pulou através da divisória, de onde o reverendo supostamente estava.
- Não acha estranho que a divisória esteja nessas condições, enquanto que a porta de entrada para o sacristão está praticamente intacta ? Quer dizer, como um monstro pode ter simplesmente entrado sem ser visto pela senhora Vinatti, e ainda por cima tendo o cuidado de fechar a porta. – Ele mostra o trinco fechado.
- O quer que tenha sido, só destruiu a parte de dentro. Não houve qualquer invasão. Exatamente como na casa dos Simmons.
- Quer dizer que já viram isso ? – Groening pergunta, ainda não compreendendo bem o papel do FBI ali.
- Sim. Duas vezes. – Mulder olha direto pra Scully. Em seguida, desvia os olhos para trás dela, na direção da entrada da igreja. – Notícias do fã-clube. – rindo cinicamente, ele aponta com o rosto a entrada. Ao se virar, Scully vê One chegando.
- Essa não.
One chega timidamente, olhando a tudo em volta. – Ei você, isso é uma área restrita. - Um policial a adverte.
- Tudo bem, ela está conosco. – Mulder intervêm.
- Como nos achou aqui ? – Scully se põe entre Mulder e One.
- Sabia que seria aqui. Não teria um lugar melhor.
- Quer dizer que sabia que isso ia acontecer ? – Mulder pergunta.
- Não. Digo, sim. Bom, mais ou menos.
- Pode se decidir ? – Scully está impaciente.
- Sabia que o próximo crime seria numa igreja. – ela fala baixinho. – Era a minha idéia. Só não sabia em qual aconteceria. Ouvi no rádio que houvera um assassinato aqui e aí, não tive dúvidas.
- Isso não é sua história, isso é real, o assassino é real. Vindo aqui só atrapalha nosso trabalho. – Scully está muito impaciente.
- Qual o seu problema ? – One perguntava, sem ter a noção de com quem realmente estava discutindo.
- Espera, Scully. – Mulder fita os olhos de One. – Se você sabe realmente o que está acontecendo, diga. Onde será o próximo crime ? Onde você ... – ele frisa a expressão você. - ... realizaria o próximo crime ?
- Mulder. – Scully puxa o parceiro de lado, longe dos ouvidos de One. – O que está fazendo ? Essa mulher é louca, não temos tempo para isso.
- E pra onde podemos ir, Scully. Não temos a menor pista de onde será o próximo ataque. Não há um padrão a seguir, e aposto meu salário que não descobriremos nada com o reverendo Brody. Pense bem Scully. Se isso fosse uma história de ficção, tudo não estaria apontando para seguirmos One ?
- Não acredito que está dizendo isso. Você pode acreditar no que quiser, mas eu não irei segui-lo. Você não me fará acreditar que essa mulher escreve o nosso futuro.
- Mas aí é que está, Scully. Ela não escreveu. O que eu acho é que ela possui um certo nível de clarividência, manifestada diante de situações extremas, nesse caso, seu envolvimento naquele crime no Brasil. Não acho que ela escreve o futuro. Eu acho que ela o vê.
- Essa mulher ... – ela encara One, um tanto destacada naquela conversa. - .. uma profeta ?
- Também não exagera. – Mulder dá um leve sorriso.
- Faça o que quiser, Mulder. - suspira levemente. - Eu irei ver Walton Brody. – Ela sai, acompanhando o sargento Groening.
Mulder fica sozinho com One, observando a parceira se distanciar.
- Nossa, como ela é diferente. – One diz, tristemente. Mulder olha, em seu rosto vê-se a expressão “Espero muito que você esteja certa senão...”.
Floresta Black Hills
Baltimore, Maryland
20 : 44
No carro, a caminho do local que One afirmava ser o próximo palco do massacre, ela ia na frente, ao lado de Mulder. Nenhum dos dois falava nada. Até a hora em que Mulder resolve quebrar o silêncio.
- Muito bem, One. Já que você diz saber o que está havendo, me diga. Quem, ou o quê, está cometendo esses crimes ?
Ela hesita em responder. Ocorre uma inquietante troca de olhares.
- É um Rakshasa.
- Um o quê ? .
- É um monstro do folclore tribal centro-africano. Segundo a lenda, é um monstro capaz de assumir a forma de alguém em que suas vítimas confiem. Não tem uma forma definida, mas há quem diga que pode surgir na forma de um animal das selvas, como um tigre ou um leão. Mas você não acredita em mim, não é ?
- Bem, isso explicaria a forma dos ataques, assim como o fato de que a fera não pareceu ter forçado sua entrada em nenhum dos casos. Mas isso ainda não explica uma coisa. Como você sabe de tudo isso ? E por favor, algo melhor do que “era a minha história”.
- Mas era a minha história.
- Ah, certo. – a fala de Mulder é incrédula. – Mas e a igreja, como você saberia que a morte seria lá ?
- Porque é um local perfeito. Uma igreja, a casa de Deus. O tormento por parte de Scully ao saber que seu santuário não é tão seguro assim e que o mal pode estar em qualquer lugar sem que possamos fazer nada. – somente depois de terminar ela percebe a gravidade do que dizia.
- Espera aí, Scully ? Onde a Scully entra nisso tudo ? Vai me dizer que ela também era parte de seu conto de fadas ?
One não sabia o que responder. Aquela situação a sufocava, e tudo o que ela queria era um final para aquela “fanfic”. Enquanto o seu silêncio prolongava, ela analisava as múltiplas opções de resposta que ela possuía, mas não conseguia encontrar nenhuma que não terminasse em uma sentença de insanidade para ela. A vegetação escura da floresta passava rapidamente pela janela, antes que ela respondesse a pergunta de Mulder, para a felicidade dela, eles chegavam no local.
- É isso aí, Stephen King, chegamos.
Apartamento de Dana Scully
Washington, DC
21 : 00
Scully folheava os relatórios, ainda meio triste pela sua discussão com Mulder. Não parecia muito com ela, e quem sabe, talvez estivesse errada. Aquele caso os consumia, pela total ausência de lógica. Não haviam pistas, sequências, nada que os ajudasse a seguir adiante. Sentia-se culpada por não ter ido com Mulder, pois talvez One fosse realmente, o único rastro a seguir, o único raio de claridade em meio a escuridão daquele caso.
Alguém bate a porta. Scully atende, e fica notavelmente feliz com quem vê.
- Que bom que veio.
O visitante entra, com Scully conduzindo-o até o sofá. – Achei que não viria hoje. – ela diz com muita ternura.
Floresta Black Hills
Baltimore, Maryland
21 : 07
Mulder e One se aproximam a pé, da pequena casa. Tinha uma pequena cerca verde, que sem dúvida apenas figurava ali, visto que não deveriam haver vizinhos a menos de vinte minutos daquele local. Não parece haver ninguém na casa.
- Por quê aqui ?
- Hã ?
- Você me explicou, por que em seu conto haveria uma morte na igreja. Mas não me disse por que esse monstro atacaria em um local tão isolado.
- É sempre assim, uma morte em um local ermo, que acaba levando os investigadores a esses locais para travar “a batalha final” longe dos olhos de testemunhas. Desse modo, ainda que os mocinhos vejam e enfrentem o pé grande em pessoa ...
- Acabam sem prova alguma. – Mulder completa, pasmo. Percebendo como aquilo que One acabara de dizer realmente tinha a ver com ele e Scully.
- É isso aí.
- Mas por que Black Hills ?
- Adorei “A Bruxa de Blair”.
Mulder a encara novamente com aquele olhar infantil, duvidoso. Ambos se aproximam da porta da casa, que parece não estar bem cuidada já a algum tempo.
Apartamento de Dana Scully
Washington, DC
21 : 10
- Não consegui descobrir nada com reverendo Brody. Ele alega não ter assassinado Thelma Vinatti, ainda que suas digitais tenham sido encontradas no corpo dela. – ela toma mais um gole do copo de vinho que segura em suas mãos. – Estou confusa. One realmente era nossa última alternativa. Se isso é criação dela, queria saber como será seu final. – ela suspira à pessoa sentada em sua frente.
Floresta Black Hills
Baltimore, Maryland
21 : 15
Já era a décima vez que Mulder batia na porta, gritando : - Abra, é o FBI !. – Mas não obtia nenhuma resposta. Ele olha One com total desaprovação. – Espero que esteja satisfeita. – Ele dá as costas e se dirige ao carro.
- Não pode ser. Tinha que ser aqui. – One está desorientada, e se recusa a sair de frente da porta.
- Vamos embora. – Mulder a puxava pelo casaco.
- Mas é essa a casa. Eu tenho certeza.
- Parece que mais uma vez os mocinhos vão ficar sem suas evidências. – irônico. - E o pior de tudo é que isso não me surpreende. – Ele já fala de dentro do carro.
Mas algo mudou em One. As últimas palavras de Mulder pareciam ter explodido na mente da mulher, que agora olhava para o vazio, como se enfim alguma conclusão preenchesse sua consciência. Então, subitamente, ela corre para o carro.
- Temos que ir para a casa de Scully. Agora. – está terrivelmente assustada.
- Scully ? Como assim ?
- Ela é a próxima. – One diz sem rodeios.
Apartamento de Dana Scully
Washington, DC
21 : 21
- Estou exausta. – ela reclama, levantando-se e se encaminhando para seu quarto. – Mas não o bastante para um último “trabalho de campo”. – o convite é irresistível enquanto ela prossegue em seu caminho para o quarto. Como se destruísse a cena, o telefone toca. – Droga. – ela põe a cabeça para fora do quarto. – Pode atender pra mim ?
- Alô ? Scully ? – Mulder pergunta do outro lado da linha. – Scully ?
Mas desse lado, Mulder simplesmente desliga o telefone.
- Então, quem era ? – Scully pergunta ao parceiro.
- Era engano, querida. Sugiro suspendermos as comunicações até amanhã. – ele diz levando o telefone até Scully, que de camisola o espera na entrada do quarto.
- Concordo. – ela puxa o fio, desconectando o aparelho.
Mulder larga o aparelho no chão, e a beija. Ambos se conduzem para dentro do quarto, fechando a porta.
Floresta Black Hills
Baltimore, Maryland
21 : 28
- Ninguém atende. Droga ! – Mulder reclama. Rapidamente, disca outro número
- Delegacia de polícia de Washington, em que posso servi-lo ?
- Por favor, aqui é o agente do FBI Fox Mulder, número de registro JTT0471011, gostaria de solicitar um patrulha ao apartamento da agente Dana Scully, rua Mordue, número 430, apartamento 4C.
- Pois não, agente Mulder.
- Se fosse possível, poderia pedir para que me ligassem assim que chegarem lá? Meu número é 555 – 0409.
- Tudo bem.
- Obrigado. – ele desliga, e pisa mais fundo no acelerador. - Como deixou Scully se envolver nisso ? – pergunta um tanto irritado.
- Não é culpa minha. Esqueci de um detalhe dos contos de mistério.
- E posso saber qual é ? – ele acelerava cada vez mais.
- Nada acontece do jeito que se espera. O elemento surpresa é vital para qualquer história. Sempre ocorre um reviravolta.
A expressão de Mulder ao olhar para ela é meio que se desespero, meio que de aflição. Ele pára o carro.
- O que houve ?
- Não iremos a lugar nenhum até que me diga exatamente o que está havendo.
- Mas e a Scully ?
- Há policiais indo a casa dela, vai ficar bem.
- Não vai atrás dela como um louco ? Esse não é o Mulder que eu conheço.
- E como você pode saber como eu sou ? Me diz o que está acontecendo ! – ele grita. – E espero que me convença, pois se algo realmente acontecer a Scully, você passará a ser minha suspeita número um.
Ela olha para os lados, e percebe o quanto estão longe da civilização. Só o que vê são árvores da floresta ao redor e muita escuridão. Percebendo que era de hora de a verdade ser esclarecida, decide contar tudo.
- Tudo bem, eu conto. – suspira, buscando as palavras certas.
- Sou todo ouvidos.
- Nada disso existe.
- Como é que é ? – Mulder buscava a compreensão.
- Esse carro, essa floresta, você, nada disso é real.
- Há, há, há. – Mulder não consegue conter a gargalhada. – Eu não existo ? Já vi gente menosprezar o meu trabalho, mas isso ...
- Eu não estou brincando. – One se mantinha fria. – Tudo isso é real. Acontece que eu criei. Tudo isso faz parte da minha história, que sabe-se Deus porque agora é real. – pausa, para observar os olhos de Mulder, que agora também estavam sérios. – É por isso que eu sei o que está matando essas pessoas. Fazia parte de uma idéia para uma fanfiction que estava escrevendo. É isso que eu faço. Eu escrevo fanfictions, fanfictions de Arquivo X.
- Fanfictions ? Mas o que diabos é ...
- Você não existe. Nem Scully. E nem Skinner e nem Arquivos X. Tudo isso é uma criação, de um homem chamado Chris Carter. Vocês fazem parte de um programa, um seriado exibido no mundo todo. É assim que os conheci.
Um perturbador silêncio segue, com Mulder fitando o vazio escuro a sua frente e One olhando para os lados, buscando uma resposta, uma saída para aquele pesadelo. Mulder solta uma pequena risada : - Não sei o que é mais assustador. Se é o fato de você acreditar mesmo em toda essa loucura... ou o fato de descobrir ser filho de alguém chamado Chris Parker. – Ele torna a ligar o carro, acelerando rumo a cidade.
- É Chris Carter. Mas pense um minuto, e me diga. Quais os nomes dos seus avós ? Onde passou o último dia das Bruxas ? – pausa. – Você não sabe, não é ? Você não pode saber, pois são detalhes que ainda não foram descritos, ainda não foram inventados. – naquela hora One não pensava no que dizia, mas sem dúvida era algo do qual se envergonharia. Afinal, o que tentava ali era roubar de um bom homem toda a sua sanidade, tudo aquilo que o faz ter os pés firmes ao chão, seu puro e simples senso do real. - Você não acredita em mim, não é ?
- Claro que acredito. Agora com licença que tenho que me concentrar na estrada de tijolos amarelos.
- Deixa de ser sarcástico.
- Não é culpa minha, é culpa do Chris Tucker.
- Carter.
Hotel Saint Claire
Baltimore, Maryland
22 : 41
Ficaram em silêncio até que chegaram a entrada do hotel. Ela não podia ler os pensamentos de Mulder, mas sabia que ele não estava tão convicto em rir do que ela disse. Ainda que a aceitação daquilo fosse para qualquer um passaporte direto para a demência total, ela sabia que Mulder não era um homem de negar por completo possibilidades, afinal, pessoas ainda estavam sendo mortas. Diversas vezes pelo caminho de volta, percebera ele rindo sozinho, como se o tempo todo procurasse se autoafirmar naquela realidade, como se o tempo todo estivesse conduzindo uma discussão por dentro, onde fatos derrubavam teorias e onde ela, One, era só mais uma louca.
- Muito bem. Chegamos.
- Sinto muito pelo que disse. Mas tinha que lhe contar, porque se você não acreditar em mim ...
- Por favor, One. Já tive minha dose de loucura por hoje, OK ? Tenho muita coisa para pensar e muita coisa para ouvir de Scully, quando ela souber o quanto estou arrependido de ter ouvido você.
- A polícia não ligou...
- Meu celular ... – ele mostra o aparelho com orgulho. - ... está descarregado. Mesmo que eles tivessem tentado ligar, eu não poderia atender, agora por favor, desça do carro.
- Vai até a casa dela, não é ? Tome cuidado. – ela ignorara sua ordem para descer.
- Não eu não vou.
- Por quê não ?
- Porque indo lá estarei dando crédito a toda essa sua maluquice. Sei que Scully está bem, e amanhã pela manhã, tudo estará resolvido.
- Tem que acreditar em mim, ela está em perigo.
- Será que vamos dormir neste carro hoje ? Por favor, eu estou exausto, estou com você a apenas doze horas e parece que faz semanas.
Então ela enfim desce, fechando a porta ao sair. Fala pela janela : - Não posso convencê-lo. E mesmo que dissesse mil coisas sobre sua vida, sei que arrumaria uma explicação. – Mulder continua a olhar para a frente. – Acho que é por isso que se amam tanto. No fundo, vocês são iguais. – então se encaminha para o hotel.
Mulder permanece imóvel por uns instantes, até que após um breve suspiro em direção ao volante, arranca com o carro, determinado.
Sede do FBI
Washington DC
11 : 32
One se deslocava apressada pelos corredores do Bureau. Se destacara do grupo de visitantes intencionalmente para chegar até seu objetivo. Graças as dezenas de vezes a que assistira “Triângulo”, sabia de cor o caminho até Mulder e Scully, cada elevador, cada escritório. Após uns cinco minutos desviando de todo agente desconfiado, ela enfim chega até o escritório do diretor Skinner, pois nada havia encontrado no “porão”, o lar dos Arquivos X. Ela entra sem bater.
- Senhorita, não pode estar aqui. – A secretária tenta detê-la.
Ignorando a secretária, One invade o escritório de Skinner.
- Sinto muito, diretor, eu tentei impedi-la. – A secretária desculpa-se.
- Tudo bem.
One rapidamente percebe Scully dentro da sala, mas nenhum sinal de Mulder.
- Onde ele está ? – Pergunta sem rodeios.
- Se está se referindo ao agente Mulder, lamento informar que ele não veio hoje. Não conseguimos encontrá-lo essa manhã. – Skinner responde. – Agora por favor, volte ao grupo de visitantes antes que chame a segurança do prédio.
- Onde ele está ? – se dirige diretamente a agente Scully. – Me diz ! – ela segura a agente pelos ombros.
- Eu não sei, agora pode me largar ?! – Scully afasta a mulher um tanto exaltada.
- O que você fez com ele ? – One continuava a investir.
- Chame a segurança. - Skinner avisa a secretária, antes de afastar One de Scully.
- Eu sei o que você é ! Eu sei ! – ela falava impensadamente.
Skinner a continha, enquanto Scully a encarava de longe, impassiva. Pouco tempo depois, os policiais chegam enquanto One continuava a gritar contra Scully, contra todos. Ela é mantida na sala de segurança por alguns minutos até realmente se acalmar. Consegue inventar algo convincente para os seguranças, afinal sabia que não tinha tempo a perder. Precisava falar com Mulder, precisava encontrá-lo. Entrava agora na etapa final de sua fanfic, uma etapa onde o tempo contava muito e onde as decisões certas precisavam ser tomadas.
Ela corre, parando apenas para recuperar o fôlego enquanto as ruas de Washington passavam rapidamente. Um pensamento determinante havia passado pela sua mente. Ela não sabia onde Mulder morava, não tinha meios para encontrá-lo. Meu Deus, as saídas esgotavam-se. Ela parou para pensar, o desespero a preenchendo por completo, quando então um brilho veio a sua consciência. Em Arquivo X, nada terminava como o esperado, e mesmo quando a princípio, nada podia ser feito, algo inusitado acontecia, algo inteiramente ligado à história e que fornecia meios para um fim. E One sabia qual era esse meio.
Se sentia idiota em ter duvidado de Mulder. Logo ele, Fox Mulder. Como pudera ela acreditar realmente que Mulder não iria em busca da verdade, como ela achara que ele não daria crédito ao que ela havia lhe dito, por mais incrível que pudesse parecer ? Ele era Fox Mulder, e questionar a realidade sempre foi seu meio de vida, por mais terrível que a verdade pudesse ser cabia a ele elucidá-la. Havia provado isso a todos quando foi até o fim para encerrar o caso de sua irmã e em várias outras vezes mais. Por isso, só havia um lugar onde Mulder poderia estar, um lugar que proveria a One meios para um fim.
O apartamento de Dana Scully.
Apartamento de Dana Scully
Washington DC
12 : 50
Demorou mais de uma hora para encontrar o prédio. Poucas pessoas lhe prestavam atenção nas ruas, e das que fizeram apenas uma soube lhe informar a localização da rua Mordue. Não era uma rua nobre, era só mais uma rua comum, de pessoas comuns. Como era Dana Scully naquela estranha realidade em que One se encontrava agora.
Naquele instante não haviam mais dúvidas na mente da escritora. Em apenas um dia já havia se adequado a sua situação, a estar no mesmo mundo que Fox Mulder e Dana Scully e os Arquivos X. Não havia tempo para loucuras. Já havia chorado demais e gargalhado demais do surrealismo. Era hora de se tomar decisões. Agradecia a Deus sua boa memória, que lhe permitiu lembrar-se das palavras de Mulder a atendente da delegacia de polícia : “rua Mordue, número 430, apartamento 4C”. Eram palavras valiosas que agora a permitiam estar onde estava. Na frente do apartamento de Dana Katherine Scully.
A porta estava destrancada e One não tem dúvidas em entrar. Caminha vagarosamente, como se a qualquer momento aguardasse o ataque de um monstro. Passa pela sala, e então percebe que aquele não era o apartamento que estava acostumada a ver. Com certeza Scully devia ter mudado de endereço após o incidente com Donnie Pfaster e sua luta quase fatal contra ele. Pouco depois alcança o quarto, e o que vê a aterroriza. Ela vê Mulder caído em um canto, sentado com as costas contra a parede, ensopado em sangue.
- Meu Deus, Mulder ! – Como parecia Scully ao falar.
Ela de imediato percebe o seu estado febril do agente, e se lembrando do pouco que sabia sobre primeiros socorros, carrega-o nos ombros até o banheiro, jogando-o na banheira. Corre para a sala e disca 911 no telefone. Seu inglês, ainda que fluente, não é muito claro em seu pedido de ajuda. Após informar a atendente o endereço, nem espera resposta, desligando e correndo de volta ao banheiro. Seu coração bate acelerado, ela tira as roupas de Mulder, mas por mais inacreditável que pudesse parecer ao se tratar de One, nenhum sinal de malícia se faz presente em seus pensamentos. Liga a ducha, amaldiçoando-a por estar com tão pouca pressão, e os pingos se confundem em seu rosto com lágrimas. Ouve ele sussurrar, e aproxima o ouvido para escutar melhor :
- Você estava certa. Não pode ser realidade.
- Meu Deus, não fale. A ajuda já está chegando.
- Ela.. ela... ela me atacou. Scully ... – ele gaguejava muito. – É um monstro. Desculpe por ter duvidado de você.
A água escorre pelo corpo de Mulder e aos poucos começa a limpar o sangue.
- Como você escapou, como conseguiu escapar ?
- Eu não sei.. ela só sumiu ...
- Eu sabia, avisei para que tomasse cuidado.
- O garoto ...
- Hã ?
- O garoto no Brasil .. que a encontrou ...
- O que tem ele ? – ela usava um pano para manter úmido o rosto febril de Mulder.
- Ele é a chave ...
- Não entendo ...
- Você estava ... estava escrevendo a história. Sabia que ele iria sobreviver. Como ele fez para escapar ? Você tem que saber ... como podemos detê-los ?
As palavras de Mulder jogavam a luz necessária aos pensamentos de One. O que ele dizia parecia tão certo, tão lógico que ela por um momento duvidou de seu estado de delírio. Mas ele sem dúvida delirava, caso contrário neste momento estaria enlouquecido ao encarar a realidade apresentada por One. Ele, em meio aos delírios, tentava buscar algo a que se segurar, algo que o mantivesse lúcido. E sem dúvida pensar que toda sua vida é um conto de fadas escrito por Chris Carter não ajudaria em nada.
- Eles podem morrer. Tem razão Mulder, eles podem morrer. Eu sei como.
- Tem que detê-los, tem que me dizer como detê-los .. – a voz dele parecia cada vez mais fraca.
- Essas criaturas vivem em uma ilusão permanente, se isso acaba, eles são destruídos.
- Então a única coisa que os mata é ...
- Serem descobertos. Foi por isso que o garoto sobreviveu, ele conseguiu fugir ao ver a forma do monstro ao invés de seu pai porque ele não confiava em seu pai. Por isso a ilusão não funcionou, é preciso que a vítima confie na forma do monstro. Se o rakshasa não pode se esconder, desaparece.
- Por isso eu me salvei ... não acreditei que quem eu encontrei aqui fosse a Scully, ela parecia tão diferente ... – ele pausa, e seu semblante se torna triste. – Mas se ele estava aqui, então a Scully já deve estar ..
- Não, calma. Ele nem sempre mata todos que encontra. Às vezes ele os usa para cumprir algum objetivo, para conseguir alguma coisa. Por isso que os acusados são encontrados sem lembrança do que aconteceu, é a forma que eles usam para se manterem ocultos em meio as pessoas. – em uma pequena pausa ela limpa mais uma parte do corpo de Mulder. - Eu estive com Scully agora pouco e disse saber quem ela era, e nada aconteceu. Acho que era a verdadeira Scully. Mas temos que avisá-la, e também ao Skinner.
Os minutos continuavam a passar e a água continuava a escorrer, e o sangue coagulado começava a se dissolver sobre o corpo de Mulder. One se sentia mais aliviada por ter chegado a tempo de salvá-lo. Aquilo não era um sonho, e ela não poderia deixar seu maior ídolo morrer por sua causa. Seria cruel demais, irreal demais mesmo naquele instante. Suspendendo a paz que sentia, ela percebe algo estranho em relação ao corpo de Mulder, e não disfarça em seu rosto a curiosidade.
- Algo errado ? – Mulder pergunta baixo, cansadamente.
- Não, acho que não. Mas não consigo achar o ferimento. Se não estancar logo esse sangue ... – ela pausa, analisando calmamente o corpo dele, mas ainda sim não consegue encontrar a origem de tanto sangue. – É estranho, não sente doer mais intensamente em algum lugar ?
- Não.
- Preciso virar você, tenho que achar a ferida. Vai acabar morrendo se continuar a perder sangue. – ela diz, o segurando pelos ombros e buscando apoio para virá-lo.
- Não, não vou. – ele diz segurando a mão dela.
- Como ? – ela já começa a tremer a voz. – Eu não ...
- Não vou morrer One. – seu olhar a congela. - Pois não é o meu sangue. – ele sorri diabólicamente, e salta da banheira na direção de One.
O homem arrasta One pelo apartamento enquanto a jovem se debate em desespero, com seu choro confundindo-se a gritos de socorro. A voz dela some, seu mundo colapsou. A criatura Fox Mulder a joga sobre um sofá, vislumbrando um pouco mais o terror da moça, enquanto continua a rir, quase tão descontroladamente quanto One chorava.
- Por ... por quê ? – as palavras conseguiam se sobrepor as lágrimas. – Por quê está fazendo isso comigo ?
- Por quê ? Por quê ? – o monstro caçoava de seu jeito ao falar. - Me diga você, One ! – aua investida é feroz. - Você me criou, esqueceu ?
- Não .. eu não ... meu Deus ..
- No fundo eu só tenho que te agradecer escritora. Você nos deu a vida, e nos fez tão perfeitos, tão singulares. Por isso, talvez mereça saber a verdade antes de ser morta brutalmente pelo agente Fox Mulder.
- Ver.. verdade ... - gora sim soava como louca, falando baixo, como uma criança.
- Você nos deu tudo One, vida, poder, e a capacidade de caçarmos incógnitos. Veja só, assumirmos formas nas quais as pessoas confiem ? É perfeito demais, e ao mesmo tempo tão irônico. Você conseguiu levar o lema “não confie em ninguém” à sua raiz mais brilhante. Realmente se superou dessa vez .. “mamãe”. – ele pára por um momento e fita a jovem que, encolhida, chora compulsivamente sobre o sofá. – Mas você também nos deu uma fraqueza. Como Deus ao permitir ao Diabo invadir os corações dos homens, você nos deu um calcanhar de Aquiles que nos tornou vulneráveis. Algo com que pudesse nos levar a um fim. Para que sobrevivêssemos então, precisaríamos saber qual era essa fraqueza, o que nos tornava mortais. Foi por isso que trouxe você até aqui, escritora, foi por isso que fizemos isso tudo. Por você.
- O .. Mulder.. e a Scully ...
- Ah, é claro, esses dois. Já os matamos é claro, mas como você mesma disse, eles eram necessários para a conclusão do nosso objetivo. Mas não se culpe, eles acabariam morrendo mais cedo ou mais tarde mesmo. – ri cinicamente.
- Mas eu disse a Scully ... eu disse ...
- Disse mesmo ? Será que no seu íntimo, realmente acreditava que aquela mulher, sua deusa e inspiração poderia mesmo ser um monstro ? Ou será que como sempre deixou as palavras soarem mais altas que sua alma ? Coitada dessa aí, realmente não foi muito agradável vê-la sangrar até a morte. Ou será que foi ?
- Não ! – wla pula sobre o monstro, mas apenas um de seus golpes é suficiente para arremessá-la contra a estante e deixar quatro talhos em seu rosto.
- Mas agora acabou, One. É o fim da história. Nós vencemos, e agora que sabemos o que pode nos matar, teremos uma maior precaução ao escolher nossa caça. E o último parágrafo dessa sua obra-prima, eu escreverei nessa sala. Com o seu sangue.
A mulher caída, olha nos olhos do seu carrasco e sente seu coração se encher de ódio. Diz : - Não, não vai. – As lágrimas descem secas de seus olhos, o que a causa muita dor. – Porque eu sei o que você é. – diz simplesmente.
- Não ! – a besta sente-se derrotada. – Vagabunda ! – a dor que a atinge é lancinante. – Você não pode ... não ... – a criatura abandona a forma do agente Mulder e surge frente a sua criadora em sua verdadeira aparência. Parece um tigre, verde e negro, bípede e com sangue gotejando de suas seis presas. – Lembre-se One, a partir de hoje, e para sempre ... – ele grita. – Não confie em ninguém ! – a fera urra uma última vez e pula sobre One, desaparecendo a poucos centímetros do corpo da moça, que agora se encontrava sozinha no apartamento de Scully.
Não saberia dizer quanto tempo permaneceu parada, estática em meio aos destroços da estante de Scully. Só percebeu o tempo voltar a passar quando os paramédicos chamados por ela chegaram. Encontraram a jovem muda, banhada em sangue, sem nenhum sinal do agente Mulder.
Delegacia de Polícia de Washington
Washington DC
14 : 20
Continuava muda em frente ao chefe de polícia, que inutilmente perguntava se ela sabia o que havia acontecido. One simplesmente ignorava suas palavras, tudo o que queria naquele instante era voltar para casa, e apagar de sua vida os últimos três dias. Já estava decidida a não contar nada para ninguém. Jamais contaria. Bloqueando tantos pensamentos, o horror ressurge em seu semblante ao ver que chega. Dana Scully.
Ela estava acompanhada pelo diretor Skinner, e sem dúvida estava ali para saber tudo o possível sobre o paradeiro do agente Mulder. Mas One não mais raciocinava naquele momento, e em um acesso descontrolado de fúria se atira sobre Scully. Ninguém compreendia o que ela dizia, haviam apenas urros de ódio e gritos indecifráveis. Os guardas conseguem afastá-la de Scully, mas não conseguem a afastar do ódio causado pela lembrança das últimas palavras do monstro que ela havia destruído horas antes. Então, como se esse fosse seu último refúgio seguro do mundo no qual ela se encontrava, seu consciente desaba no frio poço sem fim da loucura.
Casa de Repouso Andrew Rice
Baltimore, Maryland
18 : 44
Não estava em uma camisa de força, mas apenas trancada em um quarto, até que aconchegante em um lar de repouso para pessoas muito estressadas ou perdidas em meio ao caos desse fim de milênio. Seus pensamentos já haviam se organizado melhor nessas últimas quatro horas, e ela sabia que tinha que fazer algo. Inventar qualquer coisa para a polícia de Washington e voltar para o Brasil o mais rápido possível. Mas antes de tudo, deveria ligar para seus familiares que sem dúvida deveriam estar muito preocupados com ela, ainda que essas suas escapadas não fossem nada incomuns. Pelo interfone, chama uma das enfermeiras.
- Eu gostaria de fazer um telefonema, por favor.
Poucos minutos depois, uma senhora a retira de seu quarto e a conduz até os telefones da casa. One nem sabia o que dizer, como iria se desculpar ou ainda, explicar tudo o que acontecera a ela nesse últimos dias. Ela tenta uma vez mas não obtém resposta. Tenta de novo, e enquanto disca, relembra em flash todo o absurdo que teve de enfrentar. Tenta mais uma vez.
- Que droga ! – resmunga para si quando percebe que a ligação não conseguia ser completada. Decide falar com uma das recepcionistas.
- Por favor, poderia me dizer como faço para fazer uma ligação internacional para o Brasil ?
- Posso fazer a chamada, e transferir para uma das cabines.
- Por favor.
- Qual o número ?
Aquela pergunta faz a mente de One estalar. Teria ela esquecido o telefone de seus pais ? Mas então, uma possibilidade ainda mais aterradora passa pela sua mente.
Ela corre para o telefone que usara, e aperta a tecla de rediscagem. Não houve nenhum som.
- Oh não ... – tenta desesperadamente, mas só então percebe que realmente não havia discado nada. Nem agora e nem a primeira vez que tentara em seu primeiro dia nos Estados Unidos. Deixa o gancho cair, e leva as mãos sobre os ouvidos em sinal de negação.
“- Nada disso existe.”
“- Faz parte de uma fanfiction que estou escrevendo.”
“- Pense bem.”
“- Quais os nomes de seus avós ? ”
“- Personagens criados.”
“- Não é realidade.”
Todos esses eram flashes de seus pensamentos que viam a tona como uma gigantesca onda sobre um praia. Ela corre de volta a recepcionista.
- Meus documentos, me dê meus documentos. – pede gritando.
- Pois não senhora, qual o seu nome ?
As pernas de One se sentem bambas ao perceber que não sabia a resposta para aquela pergunta. O mundo ao seu redor gira e ela se afasta.
“- Detalhes que não foram descritos.”
“- Não foram inventados.”
“- Tudo isso é uma criação.”
- Que bom que descobriu sozinha. Sabia que ia ser difícil convencê-la. – One reconhece uma voz familiar.
Ao olhar para trás, One vê a si mesma. Uma mulher, bem vestida, que junto a própria One constituíam agora as únicas habitantes daquela sala. Possivelmente daquele planeta, daquele universo que agora se tornara silencioso para as duas. Ou para ela.
- Quem é você ? – One pergunta, temerosa pela resposta.
- Você sabe One. Eu sou você.
- Não .. não pode ser ... isso é real ... – balançava a cabeça para os lados.
- Sim, pode ser. Você é testemunha disso, One. Você contou a eles.
- Quem é você ?! – enfurecida, One agarra a mulher e a empurra contra uma das paredes.
- Não pode me ferir. Sabe disso. - a mulher simplesmente a afasta. – Meu nome não importa, não aqui. E é por isso que você existe. Por isso que eu a criei.
- Não ! Eu sou real, tudo isso é real.
- Não, não é, One. Você é meu personagem.
“- Você é meu personagem.” – One dissera o mesmo a Douglas. - Entenda One, que não havia outro jeito.
- Jeito de quê ? – One novamente desaba em prantos.
- De lhe contar a verdade.
- Que verdade ? Me deixe em paz ! – gritava histericamente.
- Sou uma escritora, One. Mas como todo escritor, tive que criar algo que pudesse me levar aos limites. Alguém que conseguisse externar à tudo aquilo que um ser humano não consegue. Você. – durante a pausa, One olha fixamente para seus próprios olhos. – Você é a minha ligação com esse mundo, com esse mundo onde o incrível é plausível e onde Fox Mulder e Dana Scully podem morrer pelo simples fato de estarem vivos. Não vê como isso é maravilhoso ?
One odiava aquela mulher, mas será que realmente poderia odiar a si mesma ?
- Por quê ? Por quê só agora ?
- Porque esta é minha obra-prima, One. Pois esta foi a maneira que encontrei para lhe contar a verdade. Era meu dever como mãe. Mas sabia que não acreditaria a menos que testemunhasse com seus próprios olhos. E foi isso que eu fiz. Encontrei o mito perfeito, seu último nemesis, e uma história tão bem narrada que foi capaz de lhe mostrar essa verdade. Você desafiou a lógica do meu universo, One, e sobreviveu. Não sabe como estou orgulhosa.
- Então é isso que eu sou ? Seu personagem ? Letras em papéis ? – a insanidade em One era absoluta.
- Sabe que é bem mais do que isso. Você vive, One. Através de mim. E através de mim suas idéias, suas brilhantes fanfictions se tornam realidade.
- Por quê está aqui ? Por quê tinha que me contar ?
- Isso foi longe demais, One. Enquanto conversamos aqui, eu estou do outro lado, continuando a digitar, sem parar. Ao ponto que chegamos, ao ponto que você chegou. – pausa. – Não consigo encontrar meios para um fim. Você sabe como isso é terrível para um escritor. Eu preciso que você saia daqui, One. Até que isso aconteça a história não acaba. Nunca acabará. Não do jeito que uma obra-prima merece ser encerrada. Por isso tive que entrar aqui. Por você.
A mulher conduz One através dos corredores desertos da casa de repouso até a porta de saída. Ela abre a porta dupla, e o brilho da luz do dia, dia às seis da noite, ofusca um pouco sua visão.
- Este mundo é seu, One. – a mulher aponta aos horizontes desertos de vida. – Está esperando por você. Você só precisa dar um passo a frente, e tudo isso acaba.
- E como continua ? O que acontece depois ? – One diz, dando alguns passos para trás.
- Ainda não sei. Mas pensarei em algo.
O silêncio segue por mais alguns instantes, com as duas mulheres continuando a se encarar. Na mente de One, não existe mais lógica, não existe mais nada.
- Um final, não é ? – ela pergunta.
- Apenas isso. Um final.
One dá um pequeno sorriso, que é retribuído identicamente pela mulher a sua frente, como não poderia deixar de ser. Mas então, logo depois, One aponta um revólver contra a própria cabeça.
- Quem lhe deu isso ? – a mulher pergunta.
- Você. – One dispara.
A mulher observa o corpo de One, seu corpo, desmoronar no chão. Os olhos da criatura, banhados pelo sangue, encaram as da criadora uma última vez.
- Não achei que terminaria assim.
“Após isso, nada mais resta, exceto o corpo de One em frente a entrada da casa de repouso. Ainda é possível perceber o espanto da recepcionista, que corre para socorrê-la, em vão, e seus gritos de socorro para os médicos do local.”
FIM
A jovem em frente ao monitor suspira, e esfrega os olhos com as mãos, suadas do digitar. A luz da tela é a única coisa que ilumina o quarto escuro. Ela lê atentamente as últimas páginas, e sorri levemente. Aquela conhecida como One em meio ao círculo excer tinha algo novo a apresentar. Talvez sua obra-prima.
- É. Nada mal para uma noite. – ela diz, e desliga o computador.