A noite já estava feita em par com a chuva, que assintosa chegava nas janelas a ficar turva. Enquanto sob a luz apagada num dos assentos, feito escola de samba os pingos da goteira naufragavam naquele ônibus.
Até ai normal. Até os nossos cochilos e os nossos desejos ocultos...
Apesar de nós, nesses tempos vermos o absurdo andar, o imoral vulgarizar, alhiados a cenas tristes, não nos acostumamos a tudo.
E assim, sob a chuva cerrada, alguém fez sinal na parada e o ônibus, que era o último do dia parou. Quase sem querer parar, mas parou.
Ora todos os poucos passageiros no lotação cansados, quase dormindo, talvez nem notassem quem estava subindo, se não fora a porta enferrujada desabar, como um relâmpago caindo num lugar perdido da trazeira.
Dentro do ônibus estavam então, aquelas duas moças completamentes molhadas.
Pagaram as suas passagens e assentaram-se bem a frente. No banco mais alto, depois do discurso das gotas e da escuridão molhada.
Dos cinco ou seis homens que ali se encontravam assomados ao cobrador e ao motorista, dentre os onze passageiros, os olhos estavam acomodando-se nos corpos masculos, sem intenção de sair como sedutores, pois além da chuva, da fome; o cansaço era notório.
Seguindo o seu etinerário costumeiro o lotação não recebeu mais ninguém. Quem pegou pegou quem não pegou... Ou vai a pé pra casa ou dormia pela rua.Pois naquela altura, ele já só parava para deixar.
E quando já havia sete passageiros, um pouco próximo ao fim da linha, onde todos deveriam naturalmente descer, em par com a chuva a energia faltava. E toda a cidade, naquele instante, pareceu mergulhada num profundo breu molhado, mesmo assim o sinal foi acionado e o ônibus foi parando.
As duas moças molhada levantaram-se e de repente, roubaram a cena, o sono e o cansaço.
Aquelas duas moças meninas, bem postadas, de classe média, enfim despediram-se, estavam proclamado,apenas uma iria descer. E ai, num silêncio vital, aproveitando o clímax do ar gélido, beijaram-se na boca com uma profundidade a meter inveja em qualquer enamorado, a deixar o motorista plantado abismado e nós cansados consternados, com os cabelos em pé.
A moça desceu normal, enquanto a outra pela janela ainda dava tchau... Tudo seguiu costumeiro e nós assustados nos refizemos.
É os séculos estão mudando, diziam os olhares confusos, mexeriqueiros, desmoralizados até a hora que desci...
Boa Viagem!