A ESTRATÉGIA E A LOGISTICA DE UM PROJETO GLORIOSO
Por:ANTONIO LUIZ RAMALHO CAMPOS em 9de junho de1999
Era um cidadão muito organizado.Aos setenta e cinco via aproximar-se o fim embora não houvessem razões concretas para isso.Apesar da falta de sinais e os freqüentes check ups normais,cada vez mais planejava os últimos dias e principalmente os imediatos após seu desaparecimento,pois era assim que se referia à morte.
Testamentos ,seguros,contas bancárias,impostos,cartas e recomendações, tudo já havia sido providenciado,quando sentiu-se preparado para o principal,os planos do funeral como pomposamente se referia a seu enterro.
Antes de qualquer coisa, era fundamental o reconhecimento preciso do trajeto,os pontos de saída e chegada,as paradas para as homenagens,o horário, os congestionamentos do trânsito,a entrada e saída do caixão,digo esquife,enfim a estratégia do magistral ato e não sua logística,esta seria definida depois; de acordo com as demandas impostas como gostava de dizer.
Claro que não seria um funeral qualquer,sobretudo para ele ,um eterno fiel servidor e defensor da pátria com tantas glorias ,nem sempre reconhecidas pelos amigos e parentes,algumas delas plenamente registradas em seu curriculo,lógico sem a verve ,a importância e a dramaticidade de suas versões ,como sempre as relatava nas rodas de conversa.
Convencional e metódico,iniciou por importar sem que ninguém soubesse ,um caixão de mogno fabricado nos Estados Unidos,sob encomenda, com suas medidas,no estilo do usado por Don Corleone em seu enterro ,no inesquecível O Chefão.Um caixão à sua altura e de sua altura.A encomenda,que custou uma pequena fortuna,chegou seis meses depois e ficou depositada na melhor funerária da cidade em exposição,sob total sigilo quanto a seu destino é claro,despertando enorme inveja a todos que freqüentavam o local,sempre à cata das ultimas novidades do setor. Como veio a descobrir,não era o único que acalentava tanto e tão bem seu último dia entre nós.Realmente o esquife era uma obra de arte,madeira maciça,robusto,feito para durar uma eternidade,muito confortável, revestido de cetim e couro,tinha até cintos de segurança para transporte sem percalços para o decujos e era permanentemente odorado por saches de sândalo indiano.
O funeral deveria ser glorioso,como o de um guerreiro romano,se não com o rufar de tambores e ao som de trombetas ,ao menos com a pompa devida aos grandes comandantes.Para isso era imperioso garantir a presença não só dos amigos mas principalmente de autoridades de todos os poderes e todos os calibres.Na sua lista de convidados já constavam mais de 500 pessoas.A participação nos principais jornais seria em meia página com um tratamento visual muito especial que estava providenciando graças a um novo programa que havia adquirido para seu computador.Nada poderia ser esquecido.No seu check list constavam das flores ao sermão a ser lido pelo arcebispo,passando pelo trajeto do funeral, com os nomes e lombadas de cada rua.
Na época por ele prevista,aconteceu!O infarto pegou-o dormindo,práticamente acordou morto.O desfecho era por ele esperado e absolutamente tudo estava detalhado,arquivado na memória do micro e numa alentada carta final à viuva,explicitando inclusive os custos, com o devido cheque para as despesas, que eram inúmeras.
Quase tudo saiu conforme seu desejo,a não ser que choveu torrencialmente naquele dia,nenhuma autoridade compareceu,o arcebispo foi substituído por um padre comum,vários dos amigos não foram porque o achavam um chato e até os tiros de festim falharam,a pólvora molhou.