A enchente este ano vai sê grande, paresque vai sê pió qui a do ano passado, quais qui igual a de oitenta, ti’a me dito o cumpade Zé Maria. Nesta hora, lá pras banda do nascente um rilâmpigo lambeu o céu, pareceno um fuguete de festa, e dos grande, enorme, logo a dispois um truvão estremeceu o céu, na mesma hora a minina qui tava cum o cumpade deu um gritim fino de ensurdecê, tão fino qui tiniu nos meu ouvido, e mais ainda nos ouvido do rapagote qui tava do lado dela, pois num é qui a sem vergonha ti’a se agarrado nos braço dele bem na hora do truvão. Hômi véi cum moça nova... pensei eu oiano prus lugá onde deve de tá os chifre do cumpade Zé Maria, Deus me perdoi e me aproteja.
A moça ôio discunfiada pro rapaiz, Me adiscupi, e a dispois pro cumpade cum um ôio branco. Só num oiô pra mim que ela bem deve sabê que eu te’um ciênça dos caso dela tudo.
O cumpade pigarreô, paresque num qué enxergá as coisa, e siguiu na prosa dizeno qui in oitenta a água chegô no segundo andá do Paraíba e qui ele, na época, ganhô um fugão e u’a geladeira, só num ganhô um TV, prusque ti’a muito barquêro e num deu tempo de sarvá dois pr’ele pudê ficá cum um.
Inquanto otros rilâmpigos laberam o céu lá prus lados do nascente e pras banda do Sororó, novos truvões faziam o céu se estremecê e o cumpadi paresque nem ligava e eu disque lá vi’a o doze, qui é chuva forte, chuva pra dá nas canela, chuva de matá sapo, e num é qui o cumpade ficô até o toró caí. Ainda bem qui nessa hora o tar rapagote já ti’a apiado, tomado rumo.
Quando mi’a cumpanha fazia o café, o cumpade Zé Maria lembrô qui a água tava pra chegá no barraco dele e que num tardava, Todo ano, dizia o cumpade, Todo ano qui tem inchente, quando a água chega lá in casa a Prefeitura drequeta clamidade prúbica. E ele nunca aprendeu a falá o nome dereito, Ô cumpade, é calamilidade, calamilidade, eu dizia, e ele, A pois, qui seja!
Lá fora o toró caia e mi’a cumpanha, quais que da mesma idade da minina que tava de tinta junta com o cumpade, mais véa pouca coisa, trouxe o café. O cumpade Zé Maria num quis não, disque já tava apiano pras banda do Cabelo Sêco, onde ele morava e que num pudia tomá café e a dispois saí no sereno. O cumpade ti’a razão, ainda ti’a muito que vivê e qui rolá na cama cum aquela baranga, pensei, mas num pensei certo não.
Os rilâmpigo paresque foram se amiudano, até que um alumiô toda a casa junto com um truvão bem alto; na mesma hora a luz foi imbora. Ficô iscuro de metê dedo no ôi.
O cumpade ficô calado, sem dizê palavra, busquei frósfo, acendi uma vela. O cumpade, tava estatelado no chão, bateu as bota, Uma hora dessa tá acertano as conta lá in cima, pensei, e um frio, um arrepio, me subiu no corpo um medo. O cumpade ti’a quais que a mi’a idade, a gente era muito apegado.
A minina do cumpade agrudô-se no pescoço dele, chorano, um choro estranho que mais me parecia um riso.
No dia seguinte a gente interramo o cumpade e a cidade já tava em calamilidade. A minina do cumpade ficô cum a casa, mesmo dibaxo d’água, ficô cum o barco, ficô cum u’as terra, que o cumpade t’ia, ficô cum u’as nota de dinhêro que o cumpade guardava in casa. A dispois da cheia passá, o tar rapagote já tava pescano no barco do cumpade Zé Maria. Uma semana dispois me assuntaram que o rapagote tava morano cum a baranginha. Não acreditei. Fui lá e vi com estes ói qui a terra num há de comê tão cedo, queira Deus. Num é qui era verdade. Fiquei, com o perdão da má palavra, Fiquei endiabrado.
Entonces, cheguei in casa e mandei mi’a cumpanha arrumá as coisa e se tocá de vorta pro Maranhão. E sem oiá pra trás. Cumigo num vai sucedê o sucedido com o finado cumpade Zé Maria. Eu num tô comeno papa, eu tô é caino os dente. Mió privini. Ora veja!