Sempre fui apaixonado pela leitura, talvez devido a minha doença ou a morte prematura de minha mãe, meu pai sempre foi superprotetor, impedindo, sempre que possível, que eu saísse de casa o que me levou aos livros. Dias e noites de leitura, imerso em todos os assuntos possíveis, absorvia conhecimento como uma esponja. O que me deu base suficiente para arrumar emprego na redação de um jornal de grande tiragem. Depois de um ano já trabalhava em casa, no segundo já tinha comprado a Harley, apesar de nunca usa-la, talvez o simples fato de olhar para ela me dava a sensação de liberdade que nunca tive.
Era uma tarde quente e eu resolvi sair um pouco do apartamento e aproveitar o ar condicionado da biblioteca. Estava olhando a parte sobre ocultismo, que conhecia como a palma de minha mão, quando percebi um livro diferente. Como todo fã de literatura, qualquer livro que tenha uma encadernação antiga, daquelas com lombada redonda e costuras expostas, chamam logo minha atenção. Aquele livro em especial tinha uma encadernação fantástica, grosso e maior que o normal com costura dourada e capa de couro preto envelhecido. Na capa da frente havia um brasão dourado em alto relevo que tinha a forma de uma serpente enroscada em um punhal, as páginas estavam amareladas e cheirando a mofo, mas em ótimo estado. Uma verdadeira raridade.
Fui logo para uma mesa com o livro nas mãos, estava tão afoito que nem olhei para o senhor de sobretudo que esbarrei no caminho. O livro falava sobre uma organização secreta, o Nefrati, que existe desde a idade média e possui membros infiltrados nos mais altos escalões do poder. Eles não veneram nenhum deus, mas se reúnem para estudar e trocar conhecimentos como os maçons. Sentem-se superiores aos demais, tratando-os como “servos”. Suas reuniões são sempre fechadas com um ritual de sacrifício de um animal, geralmente uma galinha ou um cabrito. Cortam o pescoço do bicho e deixam-no pendurado de ponta-cabeça para seu sangue escorrer em uma vasilha. Por fim todos bebem o sangue em taças finas.
Estava tão imerso na leitura que quase não percebi um pedaço de papel escorregar do meio do livro e cair no chão. Abaixei e peguei o pedaço de papel. Ao ler o que estava escrito um calafrio percorreu meu corpo, pressentia que alguém estava querendo me dizer alguma coisa. Levantei a cabeça e notei que aquele senhor de sobretudo estava de pé, na saída da biblioteca e olhava fixamente para mim. Como não reparei antes neste sujeito, um sobretudo marrom sujo que cobria seu corpo inteiro e um chapéu de abas largas numa tarde quente como aquela. Seu rosto era extremamente pálido e cheio de cicatrizes e seus olhos tinham um estranho brilho vermelho.
Ao perceber que olhava para ele, o sujeito sorriu e saiu da biblioteca. Levantei num salto e corri atrás dele. Sai da biblioteca a tempo de ver o sujeito dobrando a esquina em direção ao beco sem saída. Gritei para ele esperar mesmo sabendo que não havia para onde ir. Qual foi minha surpresa ao entrar no beco e descobrir que ele havia sumido, evaporado no ar como uma nuvem.
Minha cabeça tentava achar alguma explicação lógica para aquilo quando vejo dois caras altos vestindo ternos e chapeis entrarem em uma limusine. O que estava atrás carregava um grande livro preto com... um brasão dourado na capa. Corri mais uma vez mas não consegui alcançar o carro que saiu cantando pneus. Fiquei parado por alguns segundos em frente a porta da biblioteca e, ao olhar para o chão, encontrei um conhecido pedaço de papel...