Uma célula, um planeta, um ritual; os circulos circulam nos universos onde há vida, enquanto metas e retas deformam universos potencialmente livres.
Foi em uma esquina onde crianças gosmentas e sujas fumavam crack enquanto pessoas andavam ‘a passos rápidos com seus mórbidos e perdidos olhares, que eles choraram e se largaram ali.Os olhos vidrados dos meninos não poetizaram os corpos estendidos daqueles dois homens. Tentaram agredi-los. Em vão, porque ao verem as lágrimas desesperadas sentaram e ali permaneceram por horas. Três crianças gosmentas, sujas sob efeito do crack, dois adultos ,bem vestidos sob efeito da esquizofrenia social da megalópole , se encontraram nos fluxos do acaso.
Aquietaram e deixaram que fragmentados horizontes cinzentos ocupassem o espaço como única possibilidade estética.
Fluxos intensos de carros e pessoas, cascas de laranjas, jornais velhos e um sofá vermelho. Sentaram no sofá. As três crianças gosmentas e sujas sob efeito do crack sentaram no colo dos dois adultos bem vestidos sob feito da esquizofrenia social.
Em outra esquina ,ouvia-se gritos de provocações. Freqüentadores do boteco inquietaram-se diante da situação.
Os gritos tornaram-se estridentes, do boteco aos comércios.
“ Garotos deixem eles em paz! “ Mas não se sabia que os dois homens estavam chorando e que as três crianças acalmavam aquelas lúcidas e inquietas almas. Os gritos aumentaram. “ Tirem estes garotos !” As pessoas começaram a dirigir-se ao local. Tumulto.
Intrometidos desvairados os incomodaram no sofá vermelho. Gritos, buzinas, tumulto, caos urbano; sussurros, agressões físicas; enlouquecidas ,as pessoas não entendiam aquele efêmero momento de conforto das gosmentas e sujas crianças. Disparo de tiros. A polícia chegou ; gritaria, correria, temor embaixo do viaduto. O sofá vermelho com sangue vermelho.
TERROR NA CRACOLÂNDIA. TRÊS CRIANÇAS FRACASSARAM NA TENTATIVA DE ASSALTO ‘A DOIS EXECUTIVOS, HOUVE TIROS E AS TRÊS CRIANÇAS FORAM MORTAS. Era a manchete no dia seguinte de um dos muitos jornais que noticiaram o ocorrido.
Os dois homens encontram-se em estado de chock em um hospital da Av. Paulista ,onde familiares dão entrevistas para os telejornais das grandes emissoras de televisão.
Dona Terezinha, 54 anos, mãe de dois dos garotos mortos, volta para casa depois do enterro , desesperada é acolhida pela vizinhança. Toma calmantes e se prepara para daqui há dois dias voltar a trabalhar como faxineira em um grande banco desses internacionais que povoam a nossa paisagem urbana.