- Ali, embaixo da geladeira! - gritou a mãe, com a vassoura em punho.
- Toma! Toma! - berrou o pai, apertando o spray de um fortíssimo inseticida.
- É grande? - perguntou o filho, sem muito interesse.
- É, é deste tamanho - respondeu o pai, indicando com as mãos - É rato de esgoto.
- Cadê o gato? - perguntou a mãe - Aquele preguiçoso não serve pra nada.
- A água já tá "frevendo", dona Rose - disse a doméstica.
- Tô vendo o rato - falou o pai, ajoelhado, segurando uma lanterna - Joga essa água aqui, Raimunda!
- Pára de apertar o spray, Aderbaldo. É pra matar só o rato! - gritou a mãe.
- Cuidado, dona Rose, a água tá "frevida" - disse a doméstica, segurando a pesada panela.
- Ô, menina, onde é que tu anda com a cabeça, hein? Quase queimou meu braço. Parece que tá com o diabo no corpo! - berrou a mãe - Me dá isso aqui.
- Cuidado com o motor da geladeira, mulher. A gente ainda nem acabou de pagar a última prestação.
- Deixa que eu sei o que eu faço, Aderbaldo. E pára de apertar esse maldito spray!
- Alagou tudo e nada de rato. O bicho parece que some! - reclamou o pai.
- Será que ele entrou na geladeira? - perguntou a doméstica.
- Se entrou, vai quebrar a cara. Não tem nada! - respondeu rindo a filha.
- Olha lá o rato, passou pra lá, tá de baixo do fogão - gritou a mãe.
- Vou ligar o forno, quero ver se ele não sai - falou o pai.
- Seu Aderbaldo, não vai dar não, acabou o gás - disse a doméstica.
- Se eu não arranjar um emprego logo, a coisa vai ficar braba - disse o pai.
- Já tá, Aderbaldo, já tá - respondeu a mãe - a Raimunda tá há dois meses sem receber salário, hoje disseram que vão cortar a luz...
- Eu sei, eu sei... Quer saber de uma coisa, eu vou é dormir. Minhas costas já estão doendo e tenho que acordar cedo. Amanhã eu compro veneno pra rato no mercado.
- Com que dinheiro?
- Eu empresto - respondeu a doméstica - eu tenho um dinheirinho guardado.
- Então está resolvido - apressou-se o pai - Amanhã é outro dia, e seja o que Deus quiser!
A família foi dormir, todos exaustos da inglória batalha. Ouviram a noite toda os grunhidos da ratazana. Tentaram esquecer o barulho, as contas de água e de luz, as humilhações e, principalmente, os apelos do estômago.