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Contos-->ETERNA ALIANÇA (Romance histórico e indianista) -- 07/07/2002 - 22:45 (Adrião Neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Adrião Neto


Eterna Aliança
(romance histórico e indígena)


Teresina, Piauí
2000


Copyright © Adrião Neto, 2000

Adrião Neto, 1951
Eterna Aliança / Adrião Neto
Teresina, PI -“Edições Geração 70”
(nº de páginas) p........... .: il.

ISBN 85-901184-4-4

1.Romance histórico e indígena – Literatura Brasileira
I. Título

CDD 869.93
CDU 869.0(81)-3

Printed in Piauí, Brazil

Capa / contracapa / ilustrações:
Aurimar

Revisão:
Magnólia Belarmino de Sousa Barbosa
Moura Lima

..........................................

ADRIÃO NETO, UM ESCRITOR PREDESTINADO

Moura Lima *

Adrião Neto é um desbravador de fronteiras culturais. Não mede esforços em prol da cultura brasileira, especialmente do Piauí. A sua ação se reveste de atos apoteóticos de abnegação, numa república agonizante, onde os detentores do poder deleitam-se no lamaçal da corrupção e das orgias dos gastos públicos, em detrimento dos valores maiores da evolução do homem, que é, sem dúvida, o avanço cultural!
E Adrião Neto, da sua trincheira redentora, com o Dicionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos às mãos, como um estandarte de esperança, contra a ação nefasta da globalização destruidora dos valores culturais dos povos, vem como um predestinado unindo as ilhas culturais do país. E este ato sacrossanto o coloca no ápice, de Norte a Sul, do Oiapoque ao Chuí, como a figura mais popular da cultura do Piauí. E no âmbito das suas realizações de escritor bem-sucedido, não deixou de enriquecer enormemente o acervo literário de seu Estado, com o Dicionário Biográfico Escritores Piauienses de Todos os Tempos, que, por sinal, abriu-me as portas do mundo encantado da literatura piauiense e levou-me a ser um leitor assíduo e estudioso dos valores maiores das letras da terra de Mafrense.
Não obstante, o seu trabalho, como dicionarista brilhante, vem também se destacando no seu Estado, no campo didático pedagógico, com a obra Literatura Piauiense para Estudantes, já em 7ª edição, que passa a ser um livro de referência obrigatória, no que há de melhor para um conhecimento sólido, analítico e metodológico da literatura piauiense.
Portanto, a verve fecunda de Adrião Neto não pára, pois lança agora, no limiar do novo milênio, mais um livro, o romance infanto-juvenil Eterna Aliança, de indispensável valor ético-histórico-nativista, para os estudantes, professores e educadores de todos os graus e níveis. Do livro promana uma arquitetura verbal bem planejada, onde o autor hauriu do solo piauiense, da paisagem arrebatadora das praias de Atalaia, Coqueiro e de Itaqui, esplêndido santuário ecológico de Amarração, hoje Luís Correia, a seiva alquímica da gesta indigianista, em odes de bravura do canto guerreiro da taba dos Tremembés.
E por justo merecimento, Adrião Neto acaba de receber o título de Cidadão Teresinense, como reconhecimento público à sua relevante contribuição ao desenvolvimento cultural do Piauí e do Brasil.
Assim é a trajetória luminosa de Adrião Neto, um escritor predestinado, plantador de sonhos e esperanças. Um alquimista da palavra e do verbo.














Moura Lima – Escritor tocantinense, autor de várias obras. Membro da Academia Tocantinense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico, e do Conselho de Cultura do Tocantins.


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Apresentação


Eterna Aliança – romance de perfil histórico e indígena –, é o resultado de anos de pesquisa, análise e reflexão sobre a história oficial e extra-oficial do Piauí, notadamente do Norte do Estado.
Ambientado no litoral piauiense, tem como principal enfoque a rivalidade e os violentos atritos que geraram um verdadeiro clima de guerra entre os habitantes da antiga colônia de pescadores de Amarração e os Tremembés e entre estes e os Camelos, de quem eram velhos inimigos.

O autor


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Nota do autor


Apesar de a história oficial registrar que os índios do Piauí foram dizimados pelos sertanistas, antigos moradores da região, baseados em relatos de seus ancestrais, dão conta de que os Tremembés sobreviveram ao extermínio decretado pelos colonizadores e que somente foram destroçados pelas tropas legais que desembarcaram no litoral piauiense com o objetivo de dar combate aos Balaios.


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1

Manhã quente de verão, sol a pino a esparramar seus raios de luz por toda a imensidão da zona costeira.
A planície litorânea, constituída por um lençol de areia branca com trechos recobertos pelo verdor das gramas ou por pequenas touceiras de mangues, pontilhada por algumas carnaubeiras, estendia-se à frente como uma campina deserta.
O vento forte tangia um fino manto de areia e, ao longe, no infinito, a linha do horizonte repousava sobre as águas do Atlântico.
O descampado da planície oferecia uma visão panorâmica de toda a região, sobretudo da orla marítima, com suas lindas praias de ondas espumantes e de um capão de mangue de raízes aéreas, à beira de um igarapé, onde os caranguejos e outros crustáceos brincavam de esconde-esconde.
Com o sol em brasa, margeando a praia sobre a terra escaldante, os animais, trôpegos, conduziam os padres e sua comitiva para primeira desobriga no bucólico e romântico vilarejo de Amarração, que deu origem ao atual município de Luís Correia, de lindas e famosas praias.
As pegadas dos animais, mal desenhadas na terra fofa, se perdiam na distância e aos poucos iam se apagando.
As argolas, fivelas, pingentes e outros balangandãs de metal dos arreios, bem trabalhados, que, como se fossem colar de couro, ornamentavam os pescoços dos animais de crinas bem cuidadas, tilintavam ao sabor do movimento.
Com o intenso brilho dos raios do sol projetados sobre o chão, a fosforescência da terra salitrada feria a retina dos peregrinos que, embora exaustos e famintos, seguiam a longa jornada.
Trajando batina escura, já um tanto surrada, com um crucifixo de madeira dependurado no pescoço, o padre Eduardo – um quarentão alvarinto, de estatura mediana, corpo bem delineado e olhar penetrante – ia à frente no lombo de uma égua arisca, seguido de perto pelo velho, careca, barbudo, pançudo e alquebrado padre Francisco – homem sereno, de pele clara, rosto enrugado e olhar manso – com igual traje, montando um velho pangaré.
Um pouco mais atrás, o sacristão e o pajem, em duas outras montarias, seguidos por um burro de carga conduzindo duas malas de couro cru com uma pequena bagagem constituída de mantimentos, roupas, presentes, indumentárias e outros apetrechos para as cerimônias religiosas.
Fatigados pelo sol ardente, protegidos apenas por chapéus de palha, de abas enormes, os aprendizes de tropeiro seguiam tranqüilos.
Afora o tilintar dos balangandãs de metal que ornamentavam os arreios, do ranger das selas, do barulho do mar, do uivo dos ventos, do relinchar dos animais ou do cantar dos pássaros que aos bandos sobrevoavam aquela faixa do litoral piauiense, não se ouvia qualquer outro barulho.
A longa cavalgada, debaixo de alta temperatura do sol de meio-dia, maltratava os andarilhos e os animais. Mesmo assim, seguiam resignados, pois para eles o mais importante era o cumprimento da missão que lhes fora reservada pelo Criador.
Nada poderia impedi-los de prosseguir aquela santa jornada. Qualquer obstáculo, por maior que fosse, haveria de ser contornado. O calor, o cansaço, a sede e a fome não eram motivos suficientes para lamentações.
É certo que precisavam descansar e comer, mas não podiam parar em qualquer lugar.
Teriam de encontrar uma sombra naquele imenso descampado, onde só havia areia e mais areia, carnaubeiras esparsas e uma reboleira de pequenos arbustos de escassa folhagem revirada ao sabor do vento.
O sol inclemente castigava os viandantes, que no afã de levar a boa-nova não mediam as conseqüências e se submetiam a qualquer sacrifício.
Com o suor em bica escorrendo por seu rosto a ensopar sua batina encardida, o padre Francisco, vencido pela fome e pela sede, virou-se para trás e, gesticulando, falou ao acólito:
– Ei, João da Cruz, me dê um gole d água!
O rapaz o atendeu prontamente, mas, antes de lhe entregar a cabaça com o precioso líquido, tomou duas goladas, fazendo um sonoro gute-gute.
Depois que o sacerdote saciou sua sede, a cabaça passou de mão em mão e de boca em boca.
Apesar das condições adversas e de toda a insalubridade, continuavam a caminhada – iam como beduínos errantes, em lombos de camelos, a palmilhar o deserto inóspito, em busca de um oásis – quando, de repente, diante de seus olhos, descortinou-se a copa frondosa de um imenso juazeiro.
Ao avistá-lo, o padre Eduardo, massacrado pelas rajadas de fogo expelidas pelo sol que lhe tostava a pele clara, após constatar que não se tratava de nenhuma miragem, sugeriu:
– Que tal darmos um galope e nos arrancharmos na sombra daquela árvore?
– Boa idéia - disse o pajem, Zé da Guia, enxugando o suor do rosto com as costas da mão – e apontando com o indicador da mão direita, completou:
– Ali próximo passa um riacho de água doce, onde poderemos banhar e lavar os animais.
Fincando as esporas e dando uma chicotada em sua velha mula, o sacristão tomou a frente.
– Calma! Vamos mais devagar – disse um dos padres.
O outro completou:
– Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
– E por falar em caldo de galinha, a minha barriga já está roncando de fome – disse o sacristão, dando um tapinha no estômago.

2

Chegando ao juazeiro, apearam quase que simultaneamente.
O padre Francisco, já um pouco alquebrado pela idade e pela dura jornada, precisou ser ajudado pelo sacristão, que também lhe servia de secretário particular.
Devidamente instalados, cada um cuidou logo de armar sua rede nos galhos daquela árvore generosa e acolhedora.
Enquanto os auxiliares tiravam as selas e os arreios das montarias, o padre Francisco ordenou:
– Cuidem da comida e dos animais enquanto eu e o padre Eduardo vamos tomar banho.
A uns cem metros dali, o riacho era alimentado por um enorme olho-d’água.
Nas suas margens havia um brejo recoberto por denso capinzal pontilhado por carnaubeiras, algumas moitas de mufumbo e outras de mangue manso, constituindo-se num verdadeiro oásis.
Em seu leito raso, de água cristalina, um pequeno cardume de piabas bailava com graça e extrema leveza; mais próximo ao capinzal, um pouco isolado do leito principal, havia um porão, com água opaca, fértil em aguapé e outras plantas aquáticas.
Enquanto o padre Francisco, prudente e cuidadoso, banhava na parte rasa, padre Eduardo, mais jovem e bem mais afoito, pulou de tainha na parte mais profunda.
O barulho dos banhistas afugentou um bando de marrecos que sobrevoava um pântano formado pela água do riacho que se espraiava sobre um baixio tapetado com capim de burro.
Mergulhava e nadava despreocupadamente, de um lado para outro, sem imaginar o perigo que corria.
Um pouco mais abaixo do riacho, o sacristão banhava os animais, que já se encontravam devidamente peados, a mastigar grama abocanhada ali na margem.
O pajem, por sua vez, encontrava-se acocorado junto às trempes de pedras cabeça-de-jacaré, deixadas ali por outros viajantes, abanando com seu chapéu o fogo fumeguento, onde prepararia o almoço.
Todos estavam tranqüilos e despreocupados quando de repente um estridente grito de socorro ecoou pela campina.
Era o grito de desespero do padre Eduardo que, em vão, tentava se livrar de uma sucuriju que estava enrolada em sua cintura e presa pelo rabo a um tronco de mangue submerso, usado como ponto de apoio para sufocar e amortecer as forças da vítima.
– Façam alguma coisa para salvar o padre Eduardo – gritou, assustado, seu companheiro aos demais colegas.
De faca em punho, os dois rapazes pularam n’água com roupa e tudo.
Nessas alturas o capelão não tinha mais forças para reagir, mesmo porque a cobra já o havia dominado debaixo d’água.
Diante do sofrimento de um dos religiosos e da aflição do outro, os rapazes passaram a golpear a serpente.
Enquanto mais cortavam mais a danada se retorcia, apertando a rosca e puxando a vítima para o fundo. A cada golpe o sangue subia à tona, tingindo mais ainda a água, no entanto, ela resistia aos ferimentos, mas terminou sendo dominada por um golpe mortal do sacristão, que, com uma brutal facãozada, a dividiu ao meio.
O lado da cabeça, que foi desenrolado da cintura da vítima, media quase três metros.
Resgatado praticamente desfalecido, o padreco foi amarrado pelos pés com uma corda de croá, e dependurado de cabeça para baixo, num dos galhos do juazeiro, onde ficou balançando como um pêndulo, até vomitar a última gota d’água tingida de sangue.

3

Depois de passar o resto daquele dia e toda a noite arranchados debaixo da copa do juazeiro, submetidos a fortes e constantes rajadas de vento e a um frio insuportável, os andarilhos tomaram o café da manhã e, pegando suas montarias, levantaram acampamento.
O relento da noite e o vento frio da madrugada perturbavam a todos, especialmente ao padre Eduardo que, vez por outra, se queixava das fortes dores provocadas pelo abraço da serpente.
A baixa temperatura prejudicou também o outro padre, que passou a noite com uma crise de reumatismo.
A longa viagem, iniciada dois dias antes, na vila de Granja (Província do Ceará), apesar das pousadas para descanso, inclusive na aldeia dos Camelos, onde foram bem recebidos e tratados com carinho e admiração, tornara-se por demais enfadonha.
A cada sacolejo do seu pangaré, o padre Francisco mordia os lábios e franzia a testa, mas não reclamava.
O outro, que também não queria passar por molenga, suportava as dores do corpo moído pelo abraço da cobra.
O certo é que os dois faziam uma viagem penosa e cheia de sofrimento.
A visão da planície se estendia pela frente.
O cheiro gostoso de murici e de outras frutas maduras perfumava o ambiente.
O sol, ainda frio, boiava no horizonte por entre as nuvens brancas, fazendo um belo contraste com o céu azul.
E enquanto uma rajada de vento carregava as folhas secas misturadas a uma fina nuvem de areia, uma curicaca solitária zanzando no ar sobre a planície soltava um canto triste como se estivesse sinalizando para o bando do qual havia se desgarrado ou até mesmo à procura da parceira, provavelmente abatida por um caçador da redondeza.
Ao avistar as grandes dunas de Itaqui, o padre Eduardo, sentindo-se um pouco mais recuperado, segurou as rédeas do animal com a mão esquerda e apontando o indicador da mão direita, exclamou:
– Como a natureza é bela! Vejam que lindas dunas!
O pajem, Zé da Guia, exímio conhecedor da região, informou:
– Aquelas dunas são os primeiros sinais de que já nos aproximamos da aldeia dos Tremembés.
Tomado de súbito, o padre Francisco levantou a vista, protegeu os olhos da incidência direta da luz do sol com a mão direita espalmada à altura da aba frontal do chapéu contemplou o mar e, olhando para o céu, sugeriu:
– Já que nos aproximamos da aldeia de Itaqui, vamos manter a calma e tomar todas as precauções possíveis para causar uma boa impressão, que é um dos pontos fundamentais para conquistar a amizade dos índios.
E olhando para trás, ordenou ao sacristão:
– Pegue um lenço branco e o transforme em nossa bandeira de paz.
O pajem e guia, Zé da Guia, ainda amedrontado com as barbaridades cometidas pelos índios contra um de seus parentes, advertiu:
– Isso não vai dar certo!
– Se deu certo com os Camelos, por que não daria com os Tremembés? – retrucou o religioso.
O pajem, convicto de que corriam perigo, insistiu:
– É melhor pegarmos um atalho e nos afastarmos da aldeia para evitar alguma surpresa desagradável, como a que aconteceu ao meu primo.
O sacristão, que já ia à frente empunhando a bandeira branca, não se contendo de curiosidade, indagou:
– E qual foi a surpresa desagradável que aconteceu ao seu primo?
– Ah! Então você não soube?
– Não! E o que realmente aconteceu?
– Mais ou menos há uns três anos, ele foi visitar uns parentes em Amarração. No período em que estava lá como hóspede do tio Gerardo – que foi o primeiro morador da localidade a se aventurar na produção de sal –, um pescador sardento, com fama de bravo e destemido, conhecido como Pintado, ao ser ameaçado por um índio que roubava caju no quintal de sua casa, o alvejou no traseiro com um tiro de sal grosso.
A vítima, gritando e gemendo de dor, rolou pelo chão, fazendo juras de vingança, mas ao ver o agressor se aproximar com um punhal língua-de-peba para sangrá-lo, levantou-se rapidamente e evadiu-se na mata, deixando um rastro de sangue por onde passava.
Pintado ainda o perseguiu mas não conseguiu alcançá-lo, pois o índio, mesmo mancando, corria mais do que um veado matreiro perseguido por uma jaguatirica.
Dois dias depois, um caçador que atendia pelo nome de Vaga-Lume foi encontrado morto nos arredores da vila. Os pescadores, achando tratar-se de vingança, prepararam-se para o pior.
Durante o velório, mestre Martim Pescador, principal líder daquela comunidade, convocou uma reunião de emergência, realizada ali mesmo aos pés do defunto e, após ouvir a opinião de todos, decretou:
– O nosso tratado de boa convivência, firmado com a mediação do comendador Campelo, foi por água abaixo.
E elevando a voz, complementou:
– Agora é olho por olho e dente por dente.
Pintado, achando ser o principal estopim daquele incidente, arrematou:
– Já que eles querem medir forças, então vamos para o confronto direto.
Durante o sepultamento, a mãe de Vaga-Lume, descontrolada, gritou a toda altura:
– Eu quero vingança.
Pintado, amparando-a ao ombro amigo, prometeu:
– Não se preocupe e deixe comigo que a morte de seu filho será vingada.
Os pescadores fizeram um pacto de vingança, mas, à noite, quando todos dormiam, a alma de Vaga-Lume apareceu ao mestre Martim Pescador e lhe fez um pedido.
Em atendimento à promessa feita ao morto, logo de madrugada, no primeiro cantar do galo, o velho pescador convocou os companheiros para uma reunião, na latada da pesqueira, onde sempre se reuniam antes e depois da pescaria.
Enquanto especulavam sobre o motivo da reunião, o velho pescador foi direto ao assunto:
– Caros companheiros, esta noite quando eu estava traçando o nosso plano de vingança contra os Tremembés, de repente a alma do Vaga-Lume apareceu para me fazer uma revelação e um pedido.
– Então o que realmente ele queria? – perguntou Pintado, com ar de espanto, achando que ele queria reza.
– Ele me falou que foi morto por uma cascavel e me pediu para acabar com o ódio que toma conta dos nossos corações e abandonar o plano de vingança contra os índios.
E gesticulando com as mãos, completou:
– Já que os índios não têm nada a ver com isso, então vamos esquecê-los e cuidar da nossa vida.
O pajem continuou seu relato:
– Passados alguns dias, o meu primo, que atendia pelo apelido de Jacaré e que não tinha nada a ver com a intriga, julgando não haver mais nenhum perigo, resolveu retornar para Granja.
– E daí? – indagou o sacristão, cheio de curiosidade.
– E daí é que no caminho de volta, ao passar nos arredores da taba desses infames, foi surpreendido pelo índio ladrão de caju e por mais dois companheiros.
Meu primo ainda tentou fugir, mas foi atingido por uma flecha pelas costas e ao cair todo ensangüentado, foi morto a golpes de buduna.
Um dos índios bebeu o seu sangue e depois o degolou.
Seu corpo foi esquartejado. Cada uma das quatro partes em que foi dividido foi dependurada em uma árvore ao longo do caminho.
Sua cabeça foi fincada numa estaca nos arredores do arraial de Amarração para que todos tomassem conhecimento da cruel vingança.
– Cruz, credo! Que barbaridade! – disse o sacristão, com um certo ar de pavor.
O padre Eduardo, ainda todo dolorido, tirando o chapéu da cabeça, se benzeu e o encomendou:
– Que Deus o tenha no Reino dos Céus!
– Amém! – responderam em coro os demais companheiros.
Curioso em saber mais detalhes sobre o caso, o sacristão, após observar meia dúzia de urubus que planavam no ar ser praticamente atropelados por uma nuvem de maçarico que voava velozmente empreendendo fuga de um enorme carcará, indagou:
– E qual foi a reação dos pescadores?
–Tendo os silvícolas novamente como inimigos, os pescadores redobraram a vigilância do vilarejo e para tanto tiveram que adquirir várias armas de fogo na vizinha vila de São João da Parnaíba, onde Pintado passou a trabalhar numa oficina de ferreiro, aprendendo os segredos da arte de fazer espingarda.
Além dessas providências, a comissão de defesa, composta pelo mestre Martim Pescador, pelo tio Gerardo e pelo bravo e carrancudo Zé Andorinha – os três mais conceituados moradores do local –, resolveu recolher todo o estoque de sal e de peixe seco para vender na vila de São João da Parnaíba e, com o dinheiro em mão, mandaram Juca, o sobrinho e homem de confiança de Mestre Martim Pescador, ir em missão secreta à vila de São Bernardo, na vizinha província do Maranhão, comprar pólvora.
Com isso, os pescadores se armaram fortemente, preparando-se para um acerto de contas.
Até as mulheres e os garotos mais taludos passaram por uma sessão de treinamento de tiro ao alvo.
Previdentes, montaram um forte esquema de segurança. E daquele dia em diante nunca mais deixaram a vila desguarnecida.
Sempre que saíam para executar suas atividades, deixavam alguns homens de confiança cuidando da defesa do lugarejo.
Sempre havia um garoto de vigia, no alto de um coqueiro, para denunciar qualquer movimento suspeito ou alguma tentativa de invasão.
Inspirados num fortim construído nas proximidades do lugarejo, logo após o movimento emancipacionista parnaibano, os habitantes do local construíram algo parecido e, como parte da estratégia de defesa, adaptaram os barrancos da beira do mar para servirem como trincheiras.
Eles estavam em situação de superioridade e prontos para atacar.
– E por que não o fizeram? – indagou novamente o acólito.
– Porque o padre Freitas, vigário da Paróquia de Nossa Senhora Mãe da Divina Graça, da vila de São João da Parnaíba, atendendo a um pedido do coronel José Cristiano de Sales, esteve em Amarração para acalmar os ânimos.
– Ainda bem que Deus iluminou o coronel José Cristiano de Sales e o padre Freitas, evitando assim um grande derramamento de sangue – disse o padre Eduardo.
Mal o sacerdote terminou de fechar a boca, um guaxinim saltou de dentro de uma moita de mangue de botão, bem na frente de sua égua arisca, que, assustada, relinchou e empinou sobre as patas traseiras.
O padre, que estava descuidado, se estatelou no chão. Os demais animais também se espantaram, mas, como eram mais adestrados, não perderam o controle.
Enquanto os companheiros socorriam o acidentado, que se encontrava esparramado e a gemer sobre a areia quente, um grupo de índios que já os seguiam de longe, por dentro do mato, aproveitou-se da ocasião para cercá-los.
Sob a ameaça de flechas, tacapes e até mesmo de uma arma de fogo, o padre Francisco, tentando manter a calma, apelou para a providência divina:
– Oh! Meu Deus, tenha piedade de nós e nos livre de todo e qualquer mal.
– Hoje não é nosso dia de sorte – murmurou o padre Eduardo.
O chefe dos bugres, mantendo-se em posição de tiro, apontou sua arma de fogo para a testa do padre Eduardo e, virando-se para os companheiros da direita, ordenou:
– Segurem os animais.
E depois, virando-se para os da esquerda, complementou:
– E vocês, amarrem os abarés e os outros intrusos, de mãos para trás, e vamos levá-los à presença do grande chefe.
Amarrados com embira de carnaúba e escoltados sob a mira das armas, os prisioneiros foram tangidos como animais rumo à aldeia de Itaqui.
O pajem, com voz embargada, falou aos companheiros:
– Bem que eu avisei que seria melhor ter pego um atalho para nos afastar da aldeia desses infames.
Apavorado, o sacristão especulou:
– Será que eles vão fazer com a gente a mesma coisa que fizeram com o seu primo?
– Que Deus nos livre e guarde!



4

O vento forte, em sibilos e gemidos, raspava as dunas pelo lado do mar, tangendo densa manta branca de areia, que se espalhava por toda a região.
Uma nuvem irisada levantava-se no horizonte como um véu de gaze a testemunhar um lençol de areia avançando rumo ao manguezal, improvisando mais uma duna que se formava ao redor dos troncos e dos garranchos de uma touceira de mangue.
A onda de areia, tangida incessantemente, subia e se acumulava sobre os matos, provocando o desmoronamento da crista irregular.
Os garranchos semi-soterrados tremulavam ao sopro da viração e, em consonância ao que se passava em terra firme, o mar furioso bramia inquieto.
Suas ondas violentas se arrebentavam nas ribanceiras e nos troncos de mangues carcomidos, há anos soterrados, que voltavam à luz do dia graças à erosão provocada pelo furor das ondas revoltas que seguiam o ritmo e o compasso de um tambor misterioso tangido na surdina, em murmúrios e gemidos intermináveis.
Indiferentes ao espetáculo da natureza, os silvícolas daquela pequena tribo – remanescentes do extermínio imposto pelos colonizadores –, continuavam escoltando seus prisioneiros que, de longe, avistaram uma caveira exibida como troféu, no alto de um coqueiro.
Andando um pouco mais, divisaram, por trás das dunas, a majestosa aldeia situada na praia de Itaqui, a mais ou menos duas léguas da colônia de Amarração, no local onde atualmente está instalado o Balneário Barramares.
Circundada por frondosos coqueiros e estrategicamente cercada por uma enorme caiçara de pau-a-pique, ornamentada de crânios, a aldeia dos Tremembés surgiu por inteiro aos olhos dos prisioneiros, com suas ocas dispostas em semicírculo de frente para o mar.
O padre Eduardo, incomodado pelas machucaduras de seu corpo provocadas pelo ataque da cobra e pelo acidente, balbuciou baixinho:
– Estamos em apuros. Só Deus pode nos salvar!...
Os curumins, que se encontravam na aldeia empilhando lenha para a fogueira que fariam ao anoitecer, correram para segurar os animais e recepcionar os prisioneiros.
O cacique Juraci, observando o movimento, comentou baixinho:
– Ainda bem que Irajara e seus companheiros conseguiram os animais de que tanto precisamos.
Atordoados com a algazarra dos curumins que os seguiam em cortejo, os prisioneiros adentraram na aldeia e logo foram cercados por dezenas de nativos, armados com flechas, zarabatanas, budunas e os paus de lenha da fogueira que os índios preparavam para a grande festa de Warakidzé, o irmão menor que, ao lado de Badzé e Poditã, compunha a trindade divina cultuada por todas as tribos da nação cariri.
O pavor tomou conta dos pobres infelizes, que tremiam mais do que vara verde ao sopro da brisa continental.

5

O embrionário vilarejo de Amarração – surgido com o assentamento de pescadores egressos do Maranhão, atraídos pelas vantagens do litoral piauiense, e por retirantes do Ceará, castigados pela seca, que, como Moisés e seu povo, atravessaram o deserto em busca da terra prometida –, estava em festa e cheio de expectativa.
Todos aguardavam com ansiedade a chegada da expedição religiosa.
Empolgados com a primeira visita dos missionários ao lugarejo, os pescadores, trabalhando em regime de mutirão, ajudados até pelas mulheres e crianças, construíram uma igreja de taipa, coberta com palha de coqueiro e piso de chão batido.
Em frente fincaram um grande cruzeiro de madeira tosca e em seu interior levantaram um jirau de varas para fazer as vezes de altar, o qual foi devidamente coberto por uma esteira feita com a palha do olho da carnaubeira e ornamentada com flores do campo, onde colocaram as imagens de Nossa Senhora da Conceição que, de imediato, foi aclamada padroeira do lugar; a de São Pedro - patrono e protetor dos pescadores, ambas adquiridas, de um santeiro, na vila de São João da Parnaíba e a de Bom Jesus dos Navegantes, encontrada, por pescadores, numa ilha situada em frente à baía de Amarração que desde então passou a receber devotos de toda a região e, em homenagem ao santo, foi batizada com o nome de Ilha de Bom Jesus.
Como sino usaram um triângulo de vergalhão grosso, que vibrava estridentemente ao ser batido por outro ferro.
Os habitantes do povoado e de toda a redondeza, em clima de muita expectativa, aguardavam os religiosos quando de repente foram informados por um cavaleiro vindo das bandas do lugar Camurupim que eles haviam sido aprisionados pelos Tremembés.
Em poucos minutos, os pescadores reuniram seu contingente de defesa, reforçado por muitos voluntários da circunvizinhança, e fortemente armados partiram ao encontro dos índios para resgatar os prisioneiros.
Com a compenetração de um general, Mulanga, na qualidade de comandante-em-chefe da guarnição de defesa do vilarejo, seguiu à frente dos seus comandados com o bacamarte atravessado ao ombro.
Ao andarem pouco mais de dois quilômetros pela orla marítima rumo à aldeia, avistaram os padres e sua comitiva, que, com habilidade, conseguiram convencer o cacique Juraci e o Grande Conselho dos Tremembés de que estavam em missão de paz e a serviço de Deus.
Acompanhada por três índios, a comitiva dos religiosos se integrou ao contingente de defesa e seguiu para Amarração, onde foi recebida com festa e alegria.


6

Forte, bravo, inteligente, ardiloso e sagaz como Mandu Ladino – chefe indígena que se tornara verdadeiro mito – Potiara, que, apesar de ter comandado a matança, bebido o sangue e esquartejado um pobre inocente que nada tinha a ver com a intriga dos habitantes de Amarração e Itaqui, achou que aquela seria a oportunidade ideal para pôr em prática o seu plano de vingança, que tinha como principal objetivo invadir e massacrar o vilarejo dos pescadores.
Quando pensava no tiro de sal grosso disparado contra seu traseiro, o sangue fervia-lhe nas veias e a sede de vingança invadia-lhe o peito. O coração, envenenado de ódio, palpitava mais forte.
Ferido no seu orgulho, mordendo os lábios, desgarrou-se dos demais companheiros designados pelo cacique para proteger os padres e sua comitiva na viagem de ida e volta para o vilarejo de Amarração e, retornando para a maloca, dizia para si mesmo:
– Meu plano tem tudo para dar certo.
Em seus pensamentos vislumbrava grande banho de sangue com enorme carnificina e, atingindo as raias da loucura, fazia as vezes de um grande guerreiro.
A cada esgrimada, sua lança atravessava um pescador que, em altos gemidos, caía a se retorcer como cobra na areia quente.
Na ânsia da vitória, partia para cima do inimigo e, sentindo-se como um grande chefe, gritava:
– Vingança!... Vingança!... Vingança!...
E tal como Sansão nas cenas do filme, a manejar uma mandíbula de animal, o bravo guerreiro empunhava sua lança e a cada trinchinchada fazia uma vítima.
Voltando à realidade, deu-se conta de que estava a golpear um tronco de coqueiro, qual Dom Quixote, debalde, a combater os moinhos de vento.
Ensandecido, recolheu a arma, montou no cavalo e, retornando em disparada para a aldeia, balbuciava:
– Tem tudo pra dar certo!... Será agora ou nunca mais!...


7

Os Tremembés ainda se deliciavam com os espelhos, as miçangas e as outras bugigangas que receberam de presente dos padres quando Potiara, montado em pêlo, a chicotear seu cavalo, invadiu a aldeia em alta velocidade.
Antes que apeasse, choveram-lhe perguntas:
– O que houve?
– Aconteceu alguma coisa de grave aos nossos irmãos?
– Os nossos companheiros foram molestados?
– Por enquanto não sei de maiores detalhes, mas, antes de fugir, ainda observei que, apesar da interferência dos abarés, eles foram escoltados, amarrados ao tronco de um coqueiro e surrados com cipó-de-boi.
Os guerreiros presentes se alvoroçaram. Até uma índia que amamentava o filho numa das tetas e um macaco de estimação na outro, colocou-os de lado e pegando sua flecha juntou-se aos homens que se preparavam para a guerra.
– Vamos resgatar os nossos irmãos e massacrar aquele povo.
– Índio quer vingança!...
– Índio quer vingança!...
– Índio quer beber sangue de pescador!...
Ao som do boré e do maracá, armados de flechas, lanças e budunas, os silvícolas soltavam gritos de guerra e, comandados por Irajara, o noivo da filha do cacique, saíram em magotes correndo pela orla marítima rumo ao vilarejo.

8

Com a chegada dos padres e sua comitiva, Amarração se regozijava em grande festa. O povo de toda a região compareceu em massa para a cerimônia religiosa.
O sacristão bateu em repique, pela terceira vez, a vareta do triângulo que fazia as vezes de sino, anunciando o início da missa.
O som estridente daquele instrumento musical, usado a serviço de Deus, ecoou por toda a região.
A pequena igreja de palha ficou completamente lotada. Não havia mais lugar para ninguém. A grande maioria do povo ficou do lado de fora.
Os padres benzeram o templo e de comum acordo com os líderes do local resolveram fazer uma celebração campal.
Rezada em conjunto pelos dois missionários, a missa teve caráter de ação de graças pela celebração da paz que ali se alinhavava com a presença de dois representantes dos Tremembés.
No sermão, os religiosos agradeceram a Deus por ter iluminado a todos e por ter dado o primeiro passo pela remoção do ódio e pela união entre os povos do litoral piauiense e, ao concluir a pregação, elogiaram a iniciativa do povo do local por ter construído a igreja.
Ao término da cerimônia, em coro, todos entoavam os cânticos finais, quando, de repente, um enorme alarido seguido por grande alvoroço deu início a uma debandada geral.
Tomados pelo medo, mulheres, velhos e crianças fugiram desesperados.
Durante o corre-corre, as mulheres carregavam os filhos pequenos escanchados nas costelas.
Com a gritaria infernal, muita gente apelou para a providência divina:
– Que Deus nos acuda!
– Que Nossa Senhora da Conceição nos proteja!
– Que Deus tenha piedade de nós!
Tocando inúbia e soltando gritos de guerra, os Tremembés cercaram o vilarejo.
O índio Potiara, insuflando o cacique, apelou:
– Autorize logo o ataque!
Armado de cajados, remos, facas e espingardas, o contingente de defesa reagiu prontamente.
Empunhando um bacamarte, Martim Pescador saltou à frente e bradou:
– Vamos rechaçar os inimigos e mostrar a eles que esta terra tem dono!
Tentando acalmar os ânimos e restabelecer a normalidade, os padres gritavam:
– Calma, minha gente!
– Calma, minha gente!
– Calma, minha gente!
O conflito era praticamente inevitável. Os dois lados estavam preparados e dispostos a lutar até o fim.
O cacique e Irajara vendo seus companheiros livres, na companhia dos padres, entenderam tratar-se de uma manobra de Potiara para se vingar dos pescadores e, aliando-se aos padres, acalmaram os seus comandados.
De ambos os lados uma bandeira branca passou a tremular em sinal de paz.
Martim Pescador – líder da comunidade – e o cacique Juraci apertaram as mãos, selando um acordo de convivência pacífica.
Serenados completamente os ânimos, os Tremembés voltaram a Itaqui, conduzindo Potiara preso por crime de guerra.
Passado o sufoco, os fugitivos, aos poucos, foram retornando ao povoado para retomar a festa.

9

Na marcha de retirada para a aldeia, os índios seguiam cantarolando, a escoltar Potiara, que ia à frente, de mãos atadas para trás, a pensar na besteira que fizera.
O plano que arquitetara com o intuito de provocar um conflito entre o seu povo e os pescadores para lavar a sua honra em sangue, ao contrário do que previra, dera totalmente errado.
A vingança que tanto almejara foi frustrante. Era com humilhação e tristeza que via seu plano desmoronar.
Diferentemente das cenas que vislumbrava anteriormente, quando, sentindo-se como um enviado de Tupã, distribuía golpes para todos os lados e a cada um deles tirava um pescador de combate, via-se cruelmente castigado por ter provocado tamanho incidente, pois, se além da tentativa de escaramuça, o entrevero tivesse se concretizado, o sangue teria dado no meio da canela, com incalculáveis perdas para ambos os lados.
A chance de vingar-se dos pescadores pelo tiro de sal grosso que levara no traseiro escapava de suas mãos.
Frustrado, comentava consigo mesmo:
– Dei com os burros n’água. Tô perdido!...
Ele tinha consciência da gravidade de seu ato. Sabia perfeitamente que para um crime de guerra como aquele a pena seria muito severa.
O rasga-mortalha, que naquele instante sobrevoava sua cabeça prenunciando maus agouros, era o sinal de que não haveria perdão e que a pena máxima lhe seria aplicada. Podia até escapar de ser queimado vivo ou de ser jogado no meio do mar, de pés e mãos atados, com uma pedra amarrada ao pescoço, ou até mesmo da morte lenta e gradual, atado a um coqueiro onde padeceria de fome e sede, mas por certo não escaparia de ser enterrado vivo, na beira do mar, com a cabeça de fora, para ser sufocado pelas ondas que, pouco a pouco o encobririam intermitentemente.
Perdido em terríveis pensamentos, adentrou a caiçara sob a escolta dos demais guerreiros.
Os paus da fogueira estrategicamente arrumados para logo mais serem devorados pelo fogo, e o mar ali em frente bramindo inquieto com suas ondas espumantes lhe metiam medo. Mas, resignado, aguardava pelo desfecho final. Sabia que dentre em pouco o Conselho de Anciões lavraria a sua sentença e, amarrado ao tronco do coqueiro, aguardava o veredicto.
Assim que a fogueira começou a arder, deu-se início à tão esperada festa.
Ao sopro da brisa a fogueira crepitava, soltando enormes línguas de fogo, e em torno dela os índios bebiam, cantavam e sapateavam alegremente ao som de um maracá.
Sedento de vingança, o prisioneiro mirava a lua e em suas fantasias achava que era o próprio Manu Ladino à frente de um grande exército de Cariris, Aranis, Potis, Crateús e de vários outros índios rebelados a comandar um ataque genocida contra o vilarejo de Amarração.

10

Imponente e majestosa, a lua cheia dardejava na abóbada celeste e como uma dádiva divina, brilhava intensamente como um lampião gigante colocado no alto de um poste imaginário, a iluminar ao mesmo tempo a festa dos índios e à dos pescadores. Seus raios dourados refletiam-se nas águas do Igaraçu e do Portinho.
A festa de Santo Antônio, que começara depois da retirada dos índios para a aldeia de Itaqui, conduzindo Potiara como prisioneiro por crime de guerra, se estendia até a madrugada, ao redor de uma gigantesca fogueira, onde os homens tomavam cachaça e comiam peixe assado e as mulheres e crianças brincavam de passar-fogo.
Enquanto isso, na aldeia, no momento em que a lua despedia-se dos outros astros celestiais, exposto ao relento e às rajadas de vento sopradas do oceano para o continente, amarrado no tronco do coqueiro onde, no início da festa, olhava a lua e em suas elucubrações achava ser o próprio Mandu Ladino à frente de várias tribos, impondo um terrível holocausto aos seus homéricos inimigos, Potiara voltou à realidade.
Ao seu redor via os vestígios da festa, que se prolongara por quase toda a noite. Aqui, ali, acolá e alhures havia um sinal de alegria dos seus pares, que fora compartilhada por sua tristeza de prisioneiro condenado à pena capital.
Ao lado, jaziam os restos da fogueira que, praticamente reduzida a cinzas, fumegava levemente.
À frente, o mar furioso avançava praia acima. As ondas ameaçadoras eram o prenúncio de que o próprio mar seria o seu verdugo.
Até a lua, que durante toda a noite lhe fizera companhia, embicava no horizonte, deixando-o completamente abandonado.
O vento frio queimava-lhe a pele. As muriçocas e os mosquitos borrachudos sugavam seu sangue.
O rasga-mortalha, em vôos rasantes, cobria-lhe de maus agouros.
No momento, mais lúcido do que qualquer outro silvícola de sua tribo, reconheceu a sua fragilidade e a grande distância que o separava do seu grande mito.
Após o fracasso, chegou à triste conclusão de que jamais chegaria aos pés do grande Mandu Ladino, que foi o mais bravo, inteligente, sagaz e astuto chefe indígena que o Brasil conheceu...
.....

Mandu Ladino, que aos 12 anos de idade perdeu os pais em luta contra os sertanistas, foi recolhido ao aldeamento cariri de Boqueirão, situado a 70 léguas de Recife, onde estudou e foi cristianizado pelos padres Teodoro Lucé e Martinho de Nantes, da Ordem dos Capuchinhos. O jovem índio arani, que já manifestava ojeriza aos brancos, depois de presenciar os religiosos queimarem os ídolos, vertimentas e outros objetos de adoração de seu povo, revoltou-se e fugiu do aldeamento. Juntando-se a um grupo de Cariris, dirigiu-se ao vale do Longá, em cujo percurso foi atacado, preso e vendido como escravo para um curraleiro. Muito inteligente, conquistou a confiança do seu dono. Logo tornou-se uma espécie de sertanista e boiadeiro. Em suas andanças, conduzindo boiadas para as feiras do Maranhão e Ceará, travou contato com várias tribos. Algum tempo depois de presenciar o assassinato de sua irmã, por um dos oficiais de Souto Maior, juntou seus guerreiros e vingou-se, matando o mestre-de-campo e todos os seus oficiais. Após a luta os índios de Souto Maior foram incorporados à sua tropa. Depois daquele feito, aproveitando o clima de pânico e de desespero que tomava conta dos silvícolas que impiedosamente estavam sendo massacrados pelos colonizadores, reuniu sob o seu comando os Tremembés, Aranis, Potis, Cariris, Crateús e outras tribos inimigas do Piauí, Ceará e Maranhão, formando uma grande nação de índios rebelados que tinha por objetivo expulsar todos os intrusos que invadiram e se estabeleceram nas terras do Piagohy. Exteriorizando seus recalques, ódios e sofrimentos, passaram a agir do Baixo Parnaíba ao extremo Sul do Maranhão e Ceará, criando um permanente estado de guerra em toda a região. Após sucessivos saques praticados nas fazendas, onde massacravam rebanhos e pessoas, queimavam casas e plantações e se apoderavam das armas, montaram um arsenal, passando a enfrentar os poderosos sertanistas com grande poder de fogo. Causando calculáveis prejuízos para a economia regional e uma enorme ameaça para a estabilidade política, provocou a cólera dos bandeirantes paulistas, dos asseclas da Casa da Torre e do governo central que se uniram para combater a indiada. Com sua cabeça posta a prêmio, o grande líder continuou assaltando as fazendas e arrasando rebanhos e plantações. Em dezembro de 1712, houve o primeiro grande e violento confronto dos índios contra as tropas do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho Aguiar, iniciando a grande luta que durou até 1718. Em 1713, a guerra se estabeleceu da Barra do Poti ao Vale do Igaraçu e em 1717 houve a segunda grande luta travada no Porto das Barcas, onde Mandu Ladino e seus guerreiros enfrentaram as tropas legais, chefiadas por Manoel de Carvalho. Durante o entrevero, enquanto Mandu Ladino atravessava o Igaraçu, foi alvejado pelo soldado João Peres que, pelo feito, foi homenageado pelo governo central. O desaparecimento do grande chefe indígena trouxe a pacificação da região, mas o seu nome transformou-se num verdadeiro mito.
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...Enclausurado em sua pequenez, Potiara sentia-se humilhado tanto pelo tiro de sal grosso que levara no traseiro como pelo fracasso de seu plano de vingança.
Fazendo uma retrospectiva de sua vida, perdia-se em terríveis pensamentos, mormente ao lembrar-se do momento em que o cacique mandou interromper a festa e, em tom solene, anunciou a sua sentença:
– De acordo com a decisão do Conselho dos Anciões, o traidor foi condenado à morte lenta, enterrado na areia da praia, com a cabeça de fora, até a maré cobri-lo completamente.
A todo momento as palavras do velho morubixaba ecoavam em seus ouvidos.
Sua única salvação seria a chegada dos padres antes que a preamar cobrisse a sua cabeça, ou, quem sabe, se algum índio de bom coração viesse soltá-lo antes do sol nascer. Contudo, achava aquela chance muito remota, mesmo porque sabia que quem tentasse e fosse flagrado seria punido com igual rigor.
Apesar de sua condenação, vibrava de alegria a observar a enorme chama da fogueira dos pescadores que a todo instante era alimentada por mais lenha.
O clarão do fogaréu se avolumava aos seus olhos.
Em suas fantasias todo o vilarejo estava em chamas por obra e graça de Tupã que, ouvindo seus apelos de vingança, soltara um raio sobre Amarração, transformando aquele povoado num verdadeiro inferno.
Num instante de lucidez e loucura, misturando pensamentos e fantasias, teve a sensação de que estava sendo conduzido para cumprir a pena. Ficou desesperado e, debatendo-se como um louco, conseguiu livrar-se das amarras que o prendiam ao coqueiro.
O desespero e o ódio o arrastaram à loucura. E totalmente ensandecido, disparou na carreira, rumo ao incêndio a saudar Tupã por ter ouvido seus apelos de vingança.

11

Aquele mês de junho, alegre e festivo, era, sem dúvida, um período especial para os habitantes de Amarração e adjacências. Todos estavam contentes com a visita e continuada permanência dos padres no vilarejo, onde todos os dias no final da tarde, depois que todos terminavam seus que-fazeres, celebravam uma missa com a presença maciça das pessoas da região, especialmente dos casais de noivos e amasiados e dos adolescentes que após a celebração, participavam das aulas de catecismo com vistas à primeira comunhão a ser realizada juntamente com o casamento coletivo no dia de São Pedro, na grande festa de enceramento da desobriga e da conseqüente despedida dos religiosos que, somente dali há um ano, voltariam ao povoado.
Em plena véspera de São João, dia da segunda grande festa religiosa comandada pelos padres cearenses, Salomé – a mais bonita e a mais disputada de todas as garotas do Porto da Rosa – que há dias encontrava-se em precário estado de saúde, após receber o sacramento da extrema-unção, despediu-se do mundo.
Ao invés de choro e tristeza, a comunidade festejou o seu falecimento, transformando seu velório numa grande festa iniciada com o ritual religioso, com todas as celebrações programadas para o dia e, mais ainda uma missa de corpo-presente.
Apesar da grande consideração que todos tinham por aquela que herdara o nome e a sina de uma famosa personagem bíblica, não houve lágrims a nem mesmo de seus familiares.
O clima de festa contagiava a todos, espantando toda e qualquer sombra de tristeza.
Enquanto as várias fogueiras ardiam aquecendo e iluminando a comunidade e muitas pessoas se divertiam bebendo e dançando ao redor do fogo, Salomé desfrutava o privilégio de continuar sendo velada dentro da igreja, onde, enquanto algumas pessoas entoavam uma ladainha, bêbados dançavam ao redor do “corpo”, embalados ao som de um berimbau e de um reco-reco vindos lá dos lados do Porto da Rosa, onde uma grande fogueira crepitava deitando enorme língua de fogo, fazendo concorrência à fogueira principal instalada em frente à igreja.
Martim Pescador que além de hospedar os padres bancava os funerais, chegando à porta da capela, gritou para sua mulher:
– Zefa, essa aí não tem mais salvação. Pára com essa ladainha e vai buscar mais uma cabaça de pinga.
De pé, diante do cadáver, ali esticado sobre um jirau de varas tortas, cuidadosamente forrado com uma esteira de palha de carnaúba, com duas lamparinas acesas do lado dos pés e duas outras do lado da cabeça, um bêbado pediu silêncio e, empostando a voz, fez um arremedo de discurso ressaltando as virtudes da falecida.
Envaidecido com a salva de palmas recebida depois do pronunciamento, o bêbado tomou mais uma golada na boca da cabaça, foi até a fogueira, apanhou um tição e agitando o braço em movimento giratório fez circunferências de fogo no ar, arrancando sorrisos e aplausos dos presentes.
Empolgado, continuou seu show pirotécnico e, num ato impensado, soltou a tocha, que subiu desenhando uma parábola de fogo no céu para logo em seguida cair sobre o teto de palha da capela.
A combustão foi de imediato. Uma grossa coluna de fumaça enegrecida ofuscava a luz da lua enquanto uma voraz língua de fogo se avolumava fazendo com que as palmas e os talos secos pipocassem expelindo um enorme jato de faísca que riscava e coloria a madrugada.
Vendo tudo se transformando em chama, o povo gritava:
– É castigo!...
– É castigo!...
As pessoas que estavam no velório debandaram desordenadamente em desabalada carreira.
Após debelar as chamas que consumiam a barra de seu vestido, dona Zefa, ainda abraçada com a imagem de São Pedro, falou a um dos padres:
– Ainda bem que eu e duas colegas conseguimos salvar os santos.
Contemplando a enorme chama, outro bêbado advertiu:
– Cuidado que a besta-fera anda solta e salve-se quem puder!
Mal ele terminou de fechar a boca, o teto em chamas, desabou sobre o cadáver.
Martim Pescador, tentando apagar o incêndio, gritava:
– Água!... Água!...
O pessoal do Porto da Rosa correu para ajudar. Homens, mulheres, velhos e meninos, fazendo as vezes de bombeiros, jogavam água sobre as chamas, mesmo assim o fogo aumentava de proporção. Era um verdadeiro vulcão enfurecido.
No afã de debelar as chamas que ameaçavam se espalhar e atingir as casas mais próximas do fogaréu, aquela pobre gente, desesperada, corria do incêndio para o mar e do mar para o incêndio; enquanto isso, os padres entraram em cena gritando:
– Água!...
– Tragam água!...
– Mais água!...
Era um grande alarido e um enorme corre-corre.
As labaredas iluminavam o desespero de todos que, vencidos pelo cansaço e pelo fogo, cruzaram os braços e ficaram a lamentar...

12

O trágico incêndio, que para muitos foi uma reprise da passagem bíblica lida na missa anterior, descrevendo as cenas do carro de fogo arrebatando o profeta Elias, não abalou a comunidade, que logo após o rescaldo, reconstruiu a igreja que, por sua vez, foi reinaugurada com uma missa em intenção das almas da recém-falecida, de Vaga-Lume e de Jacaré.
A missa, que apesar de longa foi uma das mais bonitas, serviu de marco inicial de uma nova fase da desobriga que, a partir daquela data passou a cuidar dos preparativos da festa de São Pedro.
A tragédia que, para alguns, foi encarada como um castigo, não afetou o clima de congraçamento daquele povo humilde e trabalhador que fazia tudo para agradar os sacerdotes. E neste diapasão, as famílias mais aquinhoadas disputavam o privilégio de lhes oferecer um banquete, servindo tudo que tinham de melhor.
Chegando a vez de seus pais anfitrioná-los, Mulanga, tido como exímio caçador, achou por bem propiciar a mudança do cardápio, vez que os visitantes já estavam se transformando em verdadeiros piraguaras.
Confiando na sua experiência, proclamou aos companheiros:
– Amanhã nossos visitantes vão se deliciar com uma comidinha diferente!
Ao quebrar da barra e do terceiro cantar do galo, enquanto os ilustres visitantes dormiam, a passarada em alegres gorjeios desempoleirava-se das árvores ribeirinhas e do manguezal; as sereias cantavam no fundo do mar, tal como Alice, na lenda e, as gaivotas pardas, num espetáculo monumental, sobrevoavam o pequeno vilarejo.
Apesar do hábito de madrugar, alguns pescadores se espreguiçavam com frio, enrolados em seus lençóis de saco impregnados com odor de peixe e suor, enquanto outros aguardavam na pesqueira, tomando uma talagada de pinga para aquecer o sangue e espantar a frieza.
Indiferente ao que se passava em terra firme, as gaivotas continuavam a sobrevoar aquela faixa do litoral piauiense. Uma delas, desafiando a altitude, destacava-se num plano superior, fazendo malabarismos no ar, a ensinar aos pescadores a lição do mestre Fernão Capelo Gaivota, mostrando a todos que “vê mais longe a gaivota que voa mais alto”.
Mal o dia amanheceu, Mulanga já estava de pé. Antes mesmo que sua mãe ordenhasse as cabras para oferecer leite mungido aos padres e para o preparo do dejejum da família, o rapaz extraiu estopa de casca de coco para usar como bucha, pegou a espingarda, apanhou a capanga confeccionada artesanalmente com trança de palha de carnaúba, com a munição e, chamando Tubarão, internou-se na mata para tocaiar os veados que comiam no ameixal do Portinho.
Próximo do local da caçada, avistou um gavião carregando uma rolinha dependurada em suas garras afiadas.
Tomando a iniciativa da empreitada, Tubarão urinou no tronco de uma catingueira, cheirou o chão, balançou a cauda, ganiu e saiu a farejar uma caça.
Não demorou muito, latiu acuado, logo depois deu um latido estranho, seguido por um longo silêncio, quebrado apenas pelo cantar de uma nambu e pelo gorjeio de outros pássaros.
O caçador, sem saber que Tubarão havia calado para sempre e sem perceber que estava na área de caça dos indígenas, saiu à procura do velho amigo, de memoráveis caçadas.
Seguindo rumo ao último latido do vira-lata, encontrou-o arquejando com duas flechas encravadas nas costelas.
Agachou-se, acariciou a testa do animal e, tirando-lhe a flechas que o atravessava de um lado a outro, percebeu que estava em apuros.
Levantando-se rapidamente, apanhou a espingarda e, quando tentava recuar, foi rendido por dois silvícolas de lança em punho.
– Pare! – gritou um deles,
– Renda-se! – disse o outro.
Diante de tal ameaça, o caçador deixou cair a arma e levantou os braços.
Enquanto um deles apontava a lança para o peito do prisioneiro, o outro o amarrou de mãos para trás.
Mulanga foi escoltado para a aldeia.
No caminho, os índios disputavam a sua arma.
– A espingarda é minha! – dizia um deles,
– É minha! – argumentava o outro.
A discussão foi aumentando. Cada qual queria a arma e, como nenhum deles abriu mão, terminaram disputando na lei do mais forte, partindo assim para a violência.
De início, a luta foi corporal e terminou de igual para igual, não havendo vencido nem vencedor.
Com o empate, a espingarda continuou sendo objeto de discussão.
Para definir seu verdadeiro dono, iniciaram outra briga.
Mulanga assistia a tudo, arquitetando um plano para uma possível fuga.
A luta, que até então fora corpo-a-corpo, passou a ser de lança, mas elas se quebraram logo nas primeiras investidas. A contenda terminou equilibrada, dando um novo empate.
Apanhando os tacapes, começaram nova peleja.
Eles brigavam ferozmente com os novos instrumentos de luta, que se cruzavam no ar como se fossem esgrimas nas mãos de hábeis competidores.
A cada investida, voavam lascas de ambas as armas.
A luta era violenta, mesmo assim, continuava igual e sem favorito.
Aproveitando o empenho dos lutadores pela disputa de sua arma, o caçador evadiu-se na floresta.
Enquanto um deles se descuidou para ver o prisioneiro que fugia, o outro aplicou-lhe um golpe de tacape na base do crânio. A vítima caiu a espernear, debatendo-se até morrer.
Mulanga fez de tudo para enganar o selvagem, porém, como estava de mãos atadas, foi recapturado pelo assassino, que o escoltou, apontando-lhe a arma de fogo.
Nas proximidades da aldeia, o índio assassino alvejou um veado e, como não queria transportá-lo, tirou as amarras que prendiam o prisioneiro, forçando-o a conduzir a caça abatida.
Pouco depois, quando o aborígine chegou a Itaqui, exibindo a arma de fogo e escoltando o prisioneiro que, por sua vez, conduzia o veado nas costas, foi recebido com euforia por parte dos companheiros.
O cacique Juraci, ao lado da companheira Macirajara, da filha Jacira e do noivo desta, cumprimentou o guerreiro.
– Muito bem, bravo guerreiro Gupiara!...
Os demais nativos tagarelavam alegremente, arrancando lágrimas de compaixão da filha do cacique, que abominava o tratamento cruel dispensado aos prisioneiros, culminando quase sempre em execução.
Em sua maranduba, para eximir-se da culpa pela morte do companheiro, Gupiara imputou o crime aos seus inimigos:
– Eu e Caianã estávamos caçando próximo ao bosque sagrado quando fomos surpreendidos por uma cilada dos Camelos. Eu ainda consegui fugir, mas o meu companheiro foi cercado por cinco inimigos e espancado até a morte. Infelizmente, não pude fazer nada e agora só nos resta a vingança.
E, referindo-se ao caçador, asseverou:
– Este atrevido invadiu o nosso território e ainda me ameaçou com sua espingarda.
– É mentira! Eu não o ameacei e foi ele quem matou o seu companheiro pela disputa de minha arma.
– Cala a boca! – ordenou o cacique.
– Isso não é verdade, ele está querendo me incriminar para se livrar de sua culpa.
Como prova de confiança e gesto de solidariedade, o velho tuxaua apoiou seu guerreiro:
– Acreditamos em você e tudo que ele falou será usado contra ele na hora do julgamento.
Irajara, índio forte, respeitado e temido pela coragem, rapidez, força e bravura, tentando fazer média diante da noiva, aproximando-se do cacique, indagou:
– O que fazer com o invasor?
O velho morubixaba, pitando um cigarro de palha, ordenou:
– Amarrem-no ao tronco do coqueiro, enquanto o Grande Conselho decide a sorte dele.



13

Assim que o prisioneiro foi amarado ao tronco do coqueiro, situado no centro da ocara, onde passaria a noite, o Conselho dos Anciões se reuniu para fazer o seu julgamento e decidir sobre uma represália aos Camelos, como forma de vingança ao assassinato de Caianã – um dos principais guerreiros Tremembés que, segundo Gupiara, fora abatido por cinco guerreiros rivais.
No momento em que o Conselho estava reunido, os demais índios, pintados com tinta de urucu e jenipapo, em verdadeira consonância com os penachos coloridos dos cocares que usavam sobre as cabeças, fizeram uma roda em torno do coqueiro, onde o invasor estava amarrado e, num ritual estranho, dançaram até o anoitecer.
Para fazer frente ao véu escuro da noite que envolvia a terra, a lua em quarto-crescente despontava no céu estrelado do litoral piauiense, dividindo a sua claridade entre os índios e os pescadores.
Sentados em círculo sobre uma enorme esteira de palha de carnaúba usada como tapete os conselheiros ouviam a acusação de Gupiara que, postado ao centro, insistia em falar:
– O prisioneiro invadiu o nosso território, me ameaçando com uma arma de fogo e ainda tentou me incriminar perante a minha tribo, porém, o mais lamentável foi o assassinato de Caianã, que, ao morrer, clamava por vingança contra os Camelos.
Sem nenhuma voz de defesa ou qualquer outra espécie de contraditório, o tribunal decidiu pela execução do prisioneiro e por uma represália aos inimigos.
Seguindo o ritual, o mais idoso dos conselheiros tomou a palavra e, postando uma forte entonação de voz, anunciou o veredicto.
– Pelo atrevimento de invadir o nosso território e pela petulância de caçar nos arredores do bosque sagrado, o prisioneiro foi condenado à morte. Amanhã, logo depois que o sol sair, ele deverá ser sangrado vivo e esquartejado. Em seguida, cada uma de suas partes será dependurada nas árvores próximas do vilarejo. E a sua cabeça deverá ser fincada numa estaca, no local onde seus companheiros amarram as canoas, para que saibam do que somos capazes.
E elevando mais a voz, complementou a decisão do Conselho:
– O Conselho também decidiu declarar guerra aos Camelos e desafiá-los para um grande combate a ser travado daqui a duas luas.
Escondida por trás da Cabana do Grande Conselho, Jacira tomou conhecimento da sentença.
Penalizada, decidiu pedir clemência, mas terminou desistindo.
Apesar do compromisso com Irajara, que conquistara o direito de desposá-la em disputada luta nupcial, concorrendo com os mais bravos varões de sua tribo, Jacira não nutria amor suficiente pelo vencedor. No entanto, respeitava-o e estava disposta a cumprir o compromisso estabelecido pelo código de honra da tribo, mas o prisioneiro lhe despertara especial interesse a ponto de achar que o primeiro e único flerte mantido com ele no momento em que estava sendo conduzido à presença do cacique teria sido o suficiente para se transformar em amor à primeira vista.
Aquele sentimento, que no início fora de compaixão, se avolumou em seu peito. Ela própria sabia que não podia alimentar nenhuma esperança, mesmo porque estava compromissada com Irajara. Por outro lado, sabia que o prisioneiro estava condenado e que de nada adiantaria perder seu tempo extravasando seus sentimentos por quem tinha apenas poucas horas de vida. Todavia, o amor que enchia seu peito e inundava o seu ser era bem mais forte que a razão.
Dominada por aquele nobre sentimento que experimentava pela primeira vez, a jovem sentia-se uma adolescente no mundo encantado do seu reino de ilusão.
Longe de saber que ganhara uma aliada capaz de fazer qualquer loucura para defender sua cabeça, Mulanga sentia a frieza da morte.
Vendo vários crânios fincados nas estacas de pau-a-pique da caiçara que cercava aquela aldeia, sentia calafrios só em pensar que o seu seria mais um adorno daquela exposição macabra.
Amedrontado, imaginava que a sua única salvação seria a chegada dos padres, por quem os índios passaram a ter um certo respeito e admiração, mas logo desiludiu-se, pois, conforme ele próprio tinha conhecimento, os sacerdotes permaneceriam em Amarração por muito mais tempo.
Sem ter outro apelo, resolveu valer-se da providência divina, fazendo promessas a Santo Antônio de Ibuaçu, a N. S. da Conceição, padroeira do vilarejo, e a São Pedro, o patrono dos pescadores.
Ele passou a noite quase toda acordado a se debater desesperadamente na tentativa de se soltar.
De madrugada, quando todos dormiam e tudo estava praticamente perdido, ele cochilou um pouco, só o tempo suficiente para sonhar com sua execução, mas, antes de ser sangrado por um algoz, foi acordado com beijos por uma bela jovem – era Jacira, que arriscava o próprio pescoço em nome de um amor praticamente impossível.
– Quem é você? – indagou ele.
– Sou a filha do cacique. Meu nome é Jacira. E o seu?
– Mulanga.
– É um prazer conhecê-lo, mas é bom que saiba que não devia ter invadido o nosso território.
– Não foi de propósito, eu estava caçando e não percebi onde estava.
– Por causa de sua negligência, você foi condenado à morte.
Mulanga sentiu uma frieza no corpo inteiro e quase desmaiou ao ouvir a sentença e, como não tinha outra opção, apelou:
– Tenha compaixão de mim, não deixe que eu seja executado.
– Está bem, vou lhe salvar, mas com uma condição.
– Qual? – indagou ele, cheio de esperança ao ver o brilho nos olhos dela.
– Só lhe salvo se você me levar daqui consigo.
– Pois me solte logo e vamos embora que o dia não tarda mais a amanhecer.
Ela cortou as amarras que o prendiam ao tronco do coqueiro e, em gesto de gratidão, ele a tomou nos braços, cobrindo-a de beijos.


14

Ao amanhecer, quando os dois chegaram ao vilarejo, primeiramente foram saudados por um macaquinho domesticado, que pulando de galho em galho de um frondoso cajueiro lhes fazia gracejos em sinal de boas vindas. Todavia, a comunidade, que no momento se preparava para a labuta do dia-a-dia, agiu diferentemente, recebendo-os com ara de preocupação.
Um papagaio que estava em seu poleiro, a roer uma espiga de milho observou o casal e assanhando as penas de todo o corpo, balbuciou:
– Curupaco!... Curupaco-papaco!
E, abrindo as asas, advertiu:
– Cuidado que os índios são traiçoeiros!
Para muitos, o rapto da índia ia agravar mais a situação e aumentar o clima de tensão entre os dois povos que, apesar do tratado de boa convivência firmado por mais de uma vez, viviam praticamente em estado de guerra.
A mãe do rapaz, desesperada e apreensiva com o que poderia acontecer, ralhou:
– Mulanga, que diabo foi que deu na sua cabeça para que você roubasse essa maluca?
– Mãe, ela salvou a minha vida e como gratidão eu devo me casar com ela.
– Bem, se ela lhe salvou, acho que, nesse caso, você agiu certo.
Alguns pescadores censuraram o pobre caçador:
– Mulanga é maluco!
– Ele aprontou uma encrenca danada e não sabe onde está metido!
– Os Tremembés não são flores que se cheirem!
– Pode esperar que na certa eles vêm pelo rastro, em pé de guerra e vão nos atacar, como já tentaram anteriormente.
O mestre Martim Pescador, analisando a situação, sentiu a gravidade da ocorrência e, tomando uma atitude, falou aos companheiros.
– A situação é grave, hoje ninguém deve ir trabalhar.
– É verdade, estamos em perigo e não devemos facilitar, caso contrário eles nos pegarão desprevenidos.
– Pois vamos aprontar as armas e ficar em prontidão, que eles não tardam a chegar.
Mulanga, reassumindo o posto de comando da guarnição composta por um contingente treinado para guerra e por um reforço de pescadores e de algumas mulheres, traçou o plano de defesa. Dividiu sua tropa em três grupos e os colocou em pontos estratégicos.
Os padres, que dormiam na casa de Geraldo, foram acordados às pressas, para tomar conhecimento dos fatos ou mesmo para não morrer dormindo.
– Não pode ser! – disse um dos padres, esfregando os olhos.
– Haveremos de contornar essa situação – argumentou o outro com ar de preocupação.
– Qualquer confronto direto seria um holocausto.
– Tomara que a gente consiga acalmar os ânimos.
Não tardou muito, ouviu-se o som da inúbia seguido pelo por um alarido vindo do lado da praia e pouco depois os aborígines chegaram em pé de guerra, cercando a colônia.
Os pescadores, entrincheirados, esperavam somente a ofensiva dos invasores ou a ordem de Mulanga para abrir fogo.
Os padres, tentando impedir um confronto com inevitável derramamento de sangue, entraram em cena para mediar a questão.
Propondo um acordo de paz nos mesmos moldes de um outro que havia sido feito anteriormente com a mediação do comendador Campelo, reuniram os líderes das duas facções em litígio, tendo de um lado o cacique Juraci e do outro o mestre Martim Pescador.
Enquanto o padre Eduardo tentava convencer a cúpula a desistir da batalha campal que se desenhava com flechas, tacapes, budunas, azagaias, remos, facas e espingardas, o outro padre se revezava entre os guerreiros indígenas e o contingente de pescadores na tentativa de acalmar os ânimos.
Todos estavam bem armados e preparados para lutar até o fim, pois aquele seria o dia do grande acerto de contas.
Um dos lados haveria de destruir completamento o outro.
O rapto de Jacira seria apenas o estopim para o grande confronto desejado por muitos guerreiros da maloca de Itaqui, inclusive Irajara, que queria sua noiva de volta, e por Gupiara, que desejava o fim de Mulanga por este ter lhe delatado pelo assassinato de Caianã.
A partir daquele dia, somente uma daquelas duas comunidades haveria de sobreviver para habitar o litoral do Piauí. A outra seria massacrada, e quem não morresse fugiria da região para sempre.
Todos temiam o grande desfecho. Até as mulheres e as crianças pegaram em armas. Só os padres e a sua comitiva estavam desarmados.
A guerra era iminente. Todos estavam preparados para o pior. Cada pescador tinha a sua arma de fogo, preparada com carrego duplo, à espera dos Tremembés que, por sua vez, também se encontravam armados até os dentes.
Os ânimos estavam acirrados, faltava apenas o toque da trombeta do apocalipse para o início do grande confronto, mas, com muita habilidade, os padres convenceram os dois lados para firmarem um tratado de paz.
A conversação foi realizada no local onde seria o cruzamento de fogo.
Antes que os dois líderes se pronunciassem, o padre Eduardo os aconselhou:
– Meus queridos habitantes do litoral piauiense, uma luta armada não leva a nada. Seria uma loucura se isso realmente viesse a acontecer... Seria um holocausto... Uma catástrofe... Isso deve ser evitado a qualquer custo. Esse confronto não convém para nenhuma das partes, portanto, é melhor que cheguemos a um acordo. Vamos nos entender. Tenho um plano de paz.
– Qual é o seu plano? – indagou o morubixaba
– O meu plano é baseado nos Mandamentos da Lei de Deus, especialmente no perdão. No perdão. É isso mesmo, no perdão. Proponho que você e os seus guerreiros perdoem o prisioneiro fugitivo e leve a sua filha de volta e como indenização lhe daremos cinco sacos de farinha, cinco sacos de sal, cinco rolos de fumo, cinco fardos de peixe seco e cinco ancoretas de cachaça.
– Não, seu padre, não podemos aceitar essa proposta. Em troca da paz, queremos levar Jacira para se casar com Irajara e executar o prisioneiro fugitivo, conforme decisão do Grande Conselho, pela invasão do nosso território, e, principalmente, pelo rapto de minha filha.
– Não! Isso é totalmente impossível. Basta um de nós que vocês mataram e nós perdoamos! – protestou o pescador.
– Então vamos decidir na luta – bradou o morubixaba, pegando no grande colar de guerra, feito com conchas e com dentes dos inimigos.
– Se você quer assim, então que assim seja.
– Calma, minha gente, não queremos violência, vamos resolver isso com diplomacia. Precisamos fazer um acordo conciliatório.
– Não tem mais acordo...
– Calma! Vamos analisar outra proposta
– Que proposta o abaré ainda pretende fazer?
– O fugitivo casa com sua filha e ainda lhe daremos a indenização proposta anteriormente.
Enquanto o velho tuxaua pensava na resposta, dois dos três grupos da guarnição que estavam entrincheirados nas moitas de mangue de botão – um dos quais tendo Mulanga à frente – se postaram na retaguarda dos índios, fechando o cerco, deixando-os acuados sem ter para onde correr na hora do confronto.
Percebendo o grande poder de fogo dos inimigos, o velho Juraci se apressou em responder:
– Em obediência aos Mandamentos da Lei de Deus e para o bem da paz entre nosso povo e os pescadores, perdoamos o prisioneiro e concordamos com esse casamento pois tenho certeza que Tupã e Perudá os abençoará.
Com a concordância da proposta, os antagonistas se abraçaram em sinal de amizade e respeito.
O padre Eduardo os parabenizou.
Cientes dos termos do acordo, todos depuseram as armas e se cumprimentaram. Índios e pescadores se confraternizaram.
Mulanga e Jacira trocaram beijos e abraços.
Todos ficaram contentes com os termos do acordo, menos Gupiara e Irajara, que voltaram para a aldeia fazendo juras de vingança e dispostos a conspirar contra o cacique.


15

Logo após o Tratado de Paz, os padres, o pajé e outras autoridades indígenas providenciaram o casamento de Mulanga com Jacira.
A cerimônia foi realizada com grande festa, num ritual ecumênico que serviu para selar uma grande amizade entre índios e pescadores.
Durante a comemoração, os índios fizeram questão de que o casal fosse passar a lua-de-mel na tribo.
Não se fazendo de rogado, Mulanga aceitou o convite, arrumou a bagagem e os acompanhou.
Seguindo de braços dados com a esposa, foi contente e orgulhoso.
Caminhando pela praia, chegaram à taba de Itaqui ao amanhecer.
Após penetrar na caiçara, o casal foi conduzido a uma oca que fora construída especialmente para servir de morada para Jacira, que brevemente deveria se casar com o bravo guerreiro Irajara.
Temendo um atentado contra o genro, o cacique Juraci, virando-se para dois guerreiros, ordenou:
– Montem guarda à porta da cabana-do-amor para que ninguém perturbe o sossego do casal e, sobretudo, para evitar que Irajara, Gupiara ou qualquer outro desafeto cometam algum atentado contra a vida do meu genro, o que, por certo, nos traria terríveis conseqüências, culminando, inclusive, com o fim do tratado de paz e com o restabelecimento de um permanente estado de guerra.
Como bom anfitrião, o velho maioral também não esqueceu de providenciar um banquete para o casal e para tanto convocou três grupos de voluntários.
Dirigindo-se ao primeiro, determinou:
– Vocês vão pescar no mar, entre a praia do Coqueiro e a praia de Macapá.
Voltando-se para o segundo, ordenou:
– E vocês, no Lago do Sobradinho.
Encarando o terceiro grupo, falou:
– A vocês cabe a tarefa de caçar no ameixal do Portinho e nas matas da redondeza.
E olhando para cada um dos voluntários, complementou:
– Vão e voltem logo com bastante peixe e caça.
Os curumins ficaram com a incumbência de tirar coco d água e apanhar frutas silvestres.
Macirajara, a mãe de Jacira, e duas outras companheiras se encarregaram de preparar o almoço.
O pajé, por sua vez, achando que a cachaça recebida dos pescadores não era suficiente para a festa, reuniu-se com os velhos para cuidar de outras bebidas, notadamente do cauim, do caxiri e do vinho de caju que já fermentavam nas igaçabas; a mulher deste, por seu turno, juntou-se às demais mulheres idosas para preparar os doces de frutas e mel.
Depois do meio-dia, quando o casal fez sua primeira aparição pública, foi homenageado com bebidas e um farto banquete.
O casal comeu pouco, mas estava radiante de felicidade, sentindo-se bastante honrado pela maneira amável com que foi tratado e acolhido.
À tardinha houve uma demonstração de luta livre. Entre os participantes encontravam-se os mais bravos guerreiros da tribo, inclusive Irajara e Gupiara, que, por motivos óbvios, tornaram-se inimigos do estrangeiro.
Durante a luta, dada a sua força, coragem, bravura e rapidez, o ex-noivo de Jacira foi quem mais se destacou, vencendo todas as provas da competição.
Todos o aplaudiam, exceto os perdedores.
Do alto da tribuna de honra, onde assistia à luta ao lado da esposa, do sogro e do pajé, Mulanga o cumprimentou:
– Muito bem, bravo guerreiro Irajara, aceite os meus cumprimentos pela brilhante vitória.
E descendo, de mãos dadas com a esposa, foi abraçá-lo, mas este o repeliu, dando-lhe um pontapé à altura dos rins.
Mulanga ainda tentou se defender, porém foi atingido em cheio e, caindo a se contorcer de dor, foi socorrido pela esposa e por outras jovens ali presentes.
Diante da cena de violência, o velho cacique gritou indignado:
– Amarrem esse canalha!
Seguindo as ordens do chefe, os seguranças do casal, ajudados pelos guerreiros que perderam a luta, amarraram o agressor ao tronco do coqueiro onde, no dia anterior, Mulanga fora amarrado.
Reunido às pressas em sessão extraordinária o Grande Conselho, composto pelos mais conceituados e experientes anciões da tribo, fez um julgamento sumário e, ao concluir, lavrou o seguinte veredicto, pronunciado em voz solene pelo mais velho de todos:
– Pelo atrevimento de agredir Mulanga, o genro do Grande Chefe, que a partir de seu casamento com Jacira passou a integrar os altos escalões da nossa tribo, o guerreiro Irajara, vencedor de todas as lutas realizadas nesta tarde, foi condenado ao castigo de passar três dias amarrado ao tronco do coqueiro onde já se encontra, sem comer e sem beber.
Ainda sentindo muitas dores, com a anuência de Jacira, Mulanga intercedeu:
– Senhores conselheiros, mesmo sabendo que toda decisão do Grande Conselho deve ser cumprida fielmente, eu lhes rogo para que perdoem o grande guerreiro Irajara, que agiu por impulso movido por ciúmes.
Jacira também intercedeu:
– Eu concordo com o meu marido e lhes imploro para que Irajara seja perdoado.
O velho conselheiro cochichou com o cacique e com os demais companheiros e, voltando-se para a platéia, que ansiosamente aguardava o desfecho do caso, anunciou:
– Atendendo ao pedido de Mulanga e de sua esposa, o Grande Conselho perdoa o agressor.
E continuando, ordenou:
– Soltem o prisioneiro!
Mesmo tendo sido anistiado com o perdão, o agressor não fez as pazes com o desafeto que lhe roubara a noiva, conquistada heroicamente em violentas lutas nupciais, realizadas conforme a tradição de seu povo.
Dia seguinte o Conselho reuniu-se novamente para acertar detalhes sobre o ataque aos Camelos, inclusive para formalizar a declaração de guerra que deveria ser feita logo após a lua-de-mel dos nubentes.
No mesmo dia, Juca, o sobrinho de Martim Pescador e pessoa de confiança de Mulanga, atendendo pedido do amigo, conduziu uma jangada até a praia de Itaqui e, daquele dia em diante, todas as tardes, até o fim das núpcias, ajudado pelo amigo que passou a ser hóspede do cacique, o casal deleitou-se passeando embarcado desde a praia de Itaqui até a baía de Amarração, onde, por vezes, ancorava para cumprimentar os amigos.
Na parte da manhã, protegido por um discreto esquema de segurança, o casal passeava pela orla marítima e, muitas das vezes, banhava nas praias de Macapá, Coqueiro, Peito de Moça ou em Atalaia.
Enquanto curtia sua lua-de-mel, o casal também incursionava pelo Lago de Sobradinho e pela Lagoa do Portinho – dois dos principais pontos turísticos do nosso litoral.


16

Depois do triste fim de Salomé, vez por outra, um pássaro colorido, totalmente desconhecido na região, surgia do nada e começava a sobrevoar o vilarejo. Seu canto triste e penoso comovia a todos que o ouviam, mas em contrapartida a beleza de sua plumagem matizada de lindas cores era de causar inveja ao mais bonito de todos os pássaros do litoral e do sertão. Aquela ave, que passou a ser conhecida na comunidade como pássaro triste ou pássaro misterioso, parecia ser uma coisa do outro mundo. Quando começava a sobrevoar a igreja, um enorme arco-íris passando por sobre o povoado unia a terra ao oceano, o sol mudava de cor, o vento ficava mais brando e o mar se transformava numa verdadeira calmaria, mas bastava começar a ser observado, sumia assim como por encanto, envolto numa nuvem de fumaça, diante dos olhos dos espectadores atônitos que afirmavam ser o espírito de Salomé em busca de seu corpo destruído pelas chamas. Após seu sumiço, o arco-íris se diluía e tudo voltava à normalidade. Para muitos era mesmo uma espécie de reencarnação da falecida que havia virado uma alma penada e vivia a vagar pela a outra dimensão, onde permaneceria por séculos sem fim até pagar o último dos seus pecados. Toda coisa de estranho que acontecia na redondeza era atribuída à alma da pobre coitada. Até mesmo uma cobra velha desdentada, dos olhos de fogo, que um pescador mentiroso jurou ter visto se transformando numa linda sereia e que, após a metamorfose entrou no mar e gesticulou para que ele a acompanhasse, era, para eles, a pobre rameira que voltara para seduzir os homens do vilarejo.


17

Após a lua-de-mel da filha do cacique, o Conselho dos Moacoras, reunido na Cabana do Grande Conselho, traçou seu plano de luta e deliberou despachar um guerreiro para declarar guerra ao grande chefe dos Camelos e marcar o combate para a margem do rio Camurupim – divisa natural dos domínios das duas tribos – a ser travado um dia após a noite de lua cheia.
Na mesma reunião ficou decidido que a importante missão seria confiada ao bravo guerreiro Irajara e que Gupiara, por ter sido a única vítima que sobrevivera ao ataque dos Camelos, seria o comandante-em-chefe dos guerreiros de sua tribo no grande ataque planejado contra os terríveis inimigos.
Tentando mostrar serviço e conquistar de vez a confiança do cacique e dos conselheiros, logo no primeiro cantar do galo Gupiara reuniu todos os silvícolas do sexo masculino, selecionou os mais fortes e os levou para a praia do Coqueiro, onde começou um puxado treinamento de guerra.
Pouco depois, ao quebrar da barra, o jovem guerreiro Irajara, ainda magoado com a quebra da tradição que o impedira de casar-se com Jacira, montando em seu alazão partiu decidido a descarregar todo o seu ódio contra os Camelos.
Internando-se na mata, seguiu a vereda trilhada pelos padres eno final da tarde deparou-se com uma linda caçadora da tribo inimiga.
Ao avistar a jovem bela e encantadora, a tristeza e a ira afastaram-se de seu rosto sombrio, dando lugar a uma grande alegria.
A virgem, reconhecendo o cocar de penas coloridas dos pássaros da região litorânea e o colar de conchas, falou ao estrangeiro:
– Guerreiro Tremembé, se vens ao território dos Camelos como hóspede, seja bem-vindo, mas se vens como inimigo, fuja antes que seja tarde, pois até eu mesma poderei lhe dar cabo.
– Virgem irecê, cheia de doçura, filha da brava tribo dos Camelos, sou Irajara e piso nesse território como senhor. Pois, como o mais bravo guerreiro dos Tremembés, vim cumprir uma missão de guerra que me foi confiada pelo Conselho dos Anciões, mas não se assuste, a sua formosura aplacou a minha cólera. Feliz de mim, se Perudá, o Deus do Amor, me abençoasse e eu pudesse ficar ao seu lado.
– Sou Janaína, filha do grande chefe Paraguaçu. Os guerreiros de minha tribo também me chamam de irecê, a melíflua, e, dezenas deles servem a meu pai e me disputam como esposa. Se você quiser competir com eles, venha comigo.
– Virgem das florestas, por seu amor serei capaz de tudo.
– Pois venha comigo! O combate nupcial será daqui a dois sóis. Se você for o vencedor, terei o prazer de lhe pertencer.
Movido pelo agradável convite, com a rapidez de um felino, o forasteiro saltou do lombo do animal e o conduzindo pelo cabresto, foi ao encontro da jovem que o recebeu com beijos e abraços. Logo após os cumprimentos acompanhando da bela anfitriã, aproximou-se da taba dos Camelos, situada no alto de um morro, nas margens de uma lagoa, no local conhecido atualmente como Lagoa do Camelo, onde eles pescavam e em cujas margens cultivavam os alimentos básicos para sua sobrevivência, sem contar com uma enorme quinta de caju e de outras frutas tropicais que mantinham na redondeza.
Chegando mais perto da caiçara ornamentada de crânios dos inimigos, Irajara observou o guerreiro-vigia alvejar a copa de uma árvore, com uma violenta pedrada, em sinal de hostilidade.
O guerreiro Tremembé em sinal de paz, retirou as setas de sua aljava e segurando com a mão direita numa das extremidades e com a esquerda na outra, as levou ao joelho e quebrando-as, as atirou para trás, por cima dos ombros e em seguida amarrou seu cavalo na entrada da caiçara, onde penetrou ao lado da linda e sedutora jovem.
Janaína o conduziu à cabana do morubixaba e o apresentou ao seu pai:
– Pai, este é Irajara, guerreiro Tremembé que veio em nome da paz para lhe servir e disputar o meu amor com os guerreiros da nossa tribo.
– Infelizmente, nossos povos são inimigos, mas se você veio como hóspede e em nome da paz, seja bem-vindo à cabana de Paraguaçu, grande chefe dos Camelos.
– Na verdade, vim cumprir uma missão que me foi confiada pelo Conselho dos Anciões, da minha tribo, mas me rendo diante da formosura de Janaína, e em nome de Perudá me torno seu servo para ter o direito de disputar sua filha, por quem coloco minha vida em jogo para tê-la como esposa. Portanto, permita-me que a dispute com os seus guerreiros.
– Janaína será o prêmio de quem a conquistar no combate nupcial. Se você quiser tentar, tem a minha permissão. Você é o primeiro estrangeiro a tentar este feito. Se você vencer, terei prazer em ser seu sogro, mas se perder, será executado pelo atrevimento de vir tentar competir com os nossos guerreiros.
– Vou tentar, e se eu for o vencedor, firmaremos uma aliança para que a paz eterna volte a reinar entre os nossos povos.
– Mesmo que sem antes haja um acerto de contas?
– Sim, desde que o Conselho de uma e de outra tribo concorde.
– Isso é praticamente impossível.
Enquanto os mensageiros corriam pela taba, dando a notícia da chegada do estrangeiro, a mãe de Janaína chegou com o cachimbo da amizade para que o morubixaba trocasse a fumaça da paz com o seu hóspede, que foi acolhido como mensageiro de Perudá.
Na data marcada, houve o combate nupcial. Irajara venceu todas as provas da competição e, tomando Janaína nos braços, a levou para a Cabana do Amor, que os pretendentes da virgem formosa haviam construído no outro lado da lagoa.


18


Ao fim da lua-de-mel, Irajara assistiu à reunião do Grande Conselho, despediu-se dos Camelos, colocou a esposa na garupa do seu cavalo e a levou consigo para apresentar aos Tremembés.
Chegando à taba de origem, encontrou os companheiros em intensos preparativos de guerra, visando enfrentar os inimigos na batalha que seria realizada nas margens do rio Camurupim.
O mensageiro, entrando na Oca do Conselho, encontrou os anciões em reunião e lhes falou:
– Senhores moacoras do Grande Conselho da tribo a que tenho o orgulho de pertencer, quero lhes apresentar Janaína, a filha do Grande Chefe dos Camelos, que tomei por esposa. E na qualidade de genro do grande chefe Paraguaçu, o Grande Conselho daquela tribo me deu todos os poderes para negociar a paz. Portanto, em nome dos Camelos, venho lhes propor a Paz Eterna.
– Traidor! Como é que o Conselho lhe confia a missão de desafiar o inimigo para uma guerra e você se alia a ele por laços matrimoniais e volta para nos propor a Paz Eterna sem que antes haja um acerto de contas – disse-lhe o cacique, em tom elevado.
– Traição maior foi a que Jacira fez comigo ao me trocar por um estrangeiro na véspera do nosso casamento.
E colocando a mão no ombro da esposa, continuou:
– Se eu não tivesse encontrado o amor de Janaína, ainda hoje seria um guerreiro amargurado.
– Se minha filha o deixou por outro foi porque não lhe queria.
E encarando Janaína, continuou:
– Mas nem por isso, concordamos com o seu casamento com a filha do nosso maior inimigo e, como você traiu a confiança do Conselho, tanto você como esta forasteira serão julgados por crime de guerra.
Ao ouvir as palavras duras do morubixaba, Janaína intercedeu:
– Grande chefe da brava tribo dos Tremembés, segundo o pajé de nossa tribo, Tupã deseja que a Paz Eterna volte a reinar entre nossos povos.
– O pajé dos Camelos é um charlatão e não entende de nada e muito menos dos desejos de Tupã.
O ancião que presidia o Conselho ali reunido às pressas para julgar o caso, encarando o casal, tomou a palavra e fez uma proposta ao seus pares:
– Como o mais velho dos conselheiros, proponho que o traidor e a estrangeira inimiga sejam queimados vivos e que depois as suas cinzas sejam colocadas numa piroga e lançadas em alto mar.
E fazendo uma pequena pausa, complementou:
– Quem concordar comigo, levante o braço e quem discordar que faça outra proposta ao nosso Carbeto.
Num piscar de olhos, todos levantaram os braços, aprovando, por unanimidade, a proposta do velho conselheiro, que, retomando a palavra, anunciou o veredicto:
– Como todos concordam, a sentença está lavrada e hoje mesmo os condenados serão executados.
Irajara e a forasteira foram imediatamente amarrados ao tronco do coqueiro, que era uma espécie de pelourinho fincado no centro da ocara, e em torno deles foram colocados galhos e palhas secas para que fossem queimados vivos.
Enquanto o Conselho, reunido, aguardava a hora da execução, os guerreiros, pintados com tinta de urucu e jenipapo, tocavam boré e dançavam ao redor dos condenados, fazendo grande alarido.
Sentindo a sensação da morte, Irajara falou à esposa:
– Tive a melhor das intenções. Se eu soubesse que ia ser mal interpretado e que tudo ia terminar assim, jamais a teria desposado. Você não merece essa terrível punição.
E fitando-a nos olhos, complementou:
– Sei que a culpa é minha e lhe peço perdão por tudo isso, mas uma coisa lhe garanto: eu a amo.
– Não estou lhe recriminando. Eu também o amo e morrer ao seu lado é uma honra que nenhuma jovem Tremembé terá o prazer de ter.
– O meu grande consolo é ter tido o seu amor e ter me sentido o homem mais feliz do mundo, ao seu lado.
– E o meu é de ter lhe pertencido, por isso, morreremos abraçados e nos amaremos até o último instante de nossas vidas para que Perudá e Tupã nos unam também na eternidade.
No final da manhã, o cacique se aprontava para dar a ordem de execução quando, de repente, começou a escurecer. Os índios ficaram sem entender o que estava acontecendo e, olhando para o sol, viram que ele estava sendo engolido por uma grande mancha negra que dentro de pouco tempo encobriu toda sua luminosidade, transformando o dia em noite.
Sem saber que se tratava de um eclipse, todos ficaram assustados.
Tentando arranjar alguma explicação para aquele fenômeno, o velho conselheiro argumentou:
– Essa coisa do dia virar noite deve ser alguma feitiçaria do pajé dos Camelos para salvar os prisioneiros.
Ouvindo os gritos de medo das mulheres e crianças e percebendo o pavor que tomava conta de todos, o cacique ordenou:
– Vamos nos recolher e deixar a execução dos prisioneiros para depois.
Algum tempo após eles se agasalharam, o eclipse começou a se desfazer e, aos poucos, o sol voltou a brilhar com a mesma intensidade.
Novamente reunidos em torno do coqueiro, iniciaram o ritual de execução. Os algozes começaram a atear fogo nas tochas para, logo em seguida, incendiarem os paus, garranchos e palhas secas da fogueira que cremaria os condenados.
Mal as tochas começaram a arder, aqui e acolá ouvia-se o barulho de um trovão vindo de muito longe, anunciando o início do inverno.
Um dos conselheiros chamou a atenção dos demais:
– Essa coisa do dia virar noite e mais o som aquele trovão vindo de muito longe deve ser um sinal de advertência de Poditã, o poderoso deus das chuvas, das caças e da bonança que, por certo, não concorda com a decisão do Conselho.
– O pajé dos Camelos pode estar certo: a voz de Tupã deve estar nos repreendendo por esta drástica punição e tudo nos leva a crer que ele deseja mesmo que a Paz Eterna volte a reinar entre os nossos povos – disse outro conselheiro.
– Vocês também não entendem de nada. Poditã, o herói civilizador que castiga aqueles que desrespeitam as regras divinas e a voz de Tupã clamam por vingança e nos repreendem pela demora da execução do traidor – asseverou o cacique.
Enquanto eles discutiam, os trovões reboavam estridentemente e os relâmpagos rasgavam o céu preconizando um grande castigo.
Vendo o temporal se aproximar, os algozes se apressaram em atear fogo na fogueira da morte, mas antes de as chamas se alastrarem, uma chuva torrencial apagou as labaredas.
O trovão explodia incessantemente e um raio, rasgando o céu, caiu sobre um coqueiro, que, destroçado, desabou sobre a cabana do Grande Conselho, que também foi atingida pelo raio e, apesar da chuva, teve um princípio de incêndio.
Enquanto os índios corriam apavorados, sem saber para onde ir, o próprio cacique soltou os prisioneiros, que ficaram banhando na chuva a trocar carícias.
No dia seguinte, o cacique Juraci mandou um mensageiro comunicar ao cacique Paraguaçu a decisão do Conselho aprovando a proposta de Paz Eterna feita por Irajara em nome dos Camelos.
O mesmo portador também foi incumbido de marcar um encontro entre os dois líderes, no local onde seria travada a guerra, para trocarem a fumaça da paz, no cachimbo da amizade, formando assim uma Eterna Aliança.


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Apesar do atrito entre Irajara e Mulanga, a amizade entre índios e pescadores se perpetuou a ponto de organizarem expedições de caça e pesca em conjunto.
O casal granjeara a simpatia das duas comunidades, mas, por uma questão de conveniência e de precaução, Mulanga decidiu residir em Amarração, votando a Itaqui somente na véspera do parto de Jacira, que procurou o seio da família só por ocasião de dar à luz a sua filha que, em homenagem à avó materna, recebera o nome de Bastira.
Bastira nasceu no mês de maio, em uma linda noite de luar, cercada por uma guarda-de-honra composta pelos bravos guerreiros de sua tribo.
No momento em que veio ao mundo, os guerreiros dispararam dezenas de flechas para o alto, dando-lhe a mesma honraria que fora dada à sua mãe no dia em que nascera.
O cacique Juraci, suspendendo a neta nos braços, apresentou-a à lua para que ela conhecesse a beleza da rainha do litoral e das selvas do Piauí.
O pajé benzeu a criança e os pais.
Depois houve distribuição de bebidas, brindes, regozijos e um ritual de dança.
Irajara, acompanhado da esposa Janaína, tão bonita quanto Jacira, cumprimentou o casal:
– Aceitem a nossa amizade e os nossos cumprimentos pelo nascimento da filhinha de vocês.
Janaína, que já havia conquistado a amizade de todos, especialmente das mulheres, também os felicitou:
– Meus parabéns pela linda menina.
O casal ficou envaidecido e muito grato pelas felicitações que culminaram com a aproximação de Mulanga e Irajara, que, no momento, trocaram um forte e fraternal abraço. Entretanto, essa amizade durou pouco.
No auge da comemoração do nascimento de sua filha, Mulanga fora vítima de uma flecha disparada por Gupiara – aquele mesmo índio homicida que matou o colega e colocou a culpa nos Camelos; aquele mesmo índio traidor, que, não concordando com o acordo de paz envolvendo o casamento do pescador com Jacira, retornou para a aldeia, fazendo juras de vingança e disposto a conspirar contra o cacique.
Após o homicídio, o assassino ainda tentou se evadir no matagal, mas foi capturado, preso e amarrado ao tronco do coqueiro.
O Conselho, reunido às pressas, lavrou a sentença mandando executar o criminoso com fuzilamento de flechas disparadas por dezenas de arqueiros.
Na manhã do dia seguinte, com a presença de familiares e de vários pescadores, o corpo de Mulanga foi sepultado, com honras de guerreiro, enquanto o do assassino foi jogado aos urubus.
Com a morte do marido, Jacira e a filha ficaram morando na tribo sob a proteção do cacique.
Ainda durante o resguardo de Jacira, aconteceu o nascimento do filho de Irajara, que teve a sina de ficar órfão de mãe logo após o parto.
O menino foi batizado com o nome de Guaraci (o sol) e passou a morar com a avó, a velha Jandira, mãe de Irajara.
Passados alguns anos, o cacique Juraci faleceu, vitimado por uma picada de cobra e, após as lutas de praxe pela disputa da liderança, Irajara o substituiu no comando da tribo.
Na qualidade de novo cacique dos Tremembés, o jovem guerreiro conseguiu conquistar o amor da ex-noiva, com quem veio a se casar.
A cerimônia, que contou com a participação de pescadores e de representantes da tribo dos Camelos, foi celebrada num ritual pré-ecumênico pelo padre Eduardo e pelos pajés das duas tribos.
O cacique Paraguaçu, da tribo dos Camelos, com quem firmaram um pacto de Eterna Aliança, foi o padrinho dos noivos.
Bastira e Guaraci cresceram juntos, recebendo o carinho de todos e se tornaram grandes amigos – eram como se fossem irmãos consangüíneos, formando assim mais um elo daquela Eterna Aliança firmada entre os povos de Amarração, de Itaqui e de Lagoa do Camelo.

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Glossário

Abaré - Padre, sacerdote. Nome que os índios davam aos missionários. Do tupi: aba (homem), ré (diferente).

Acólito - Aquele que acompanha e serve, na Igreja Católica, aos ministros superiores; aquele que acompanha, que ajuda; ajudante, assistente.

Afã - Ânsia; cuidado diligente; trabalho muito ativo.

Alazão - Diz-se de, ou cavalo que tem cor de canela.

Aljava - Coldre ou estojo em que se metiam as setas e que se traziam pendentes do ombro. O mesmo que carcás e fáretra.

Ancestrais - Antepassados, antecessores.

Apetrechos - Coisas necessárias para a execução de um empreendimento.

Arraial - Aldeola, lugarejo.

Azagaia - Lança curta.

Badzé - O pai, gênio bom, que ensinou a evitar contaminações e isolar os malefícios.

Balaios - Revoltosos que participaram da guerra civil conhecida como Balaiada.

Balangandãs - Ornamentos, em geral de prata, que as crioulas baianas usam em dias de festas; ornamento, enfeite, quaisquer adereços.

Beduíno - Árabe nômade do deserto.

Boa nova - Evangelho

Buduna - Cacete, tacape, clava de que se servem os índios para atacar e defender.

Boré - (Nome de origem tupi). Espécie de trombeta dos índios.

Cabana - (Nome de origem tupi). Choça, palhoça, choupana, barraca, tugúrio.

Cacique - (Nome de origem tupi). Chefe indígena.

Caiçara - (Nome de origem tupi). Estacada; cerca de proteção feita de pau-a-pique em torno das tabas ou aldeias indígenas.

Camelos - Tribo nômade, provavelmente da nação tupi, que se fixou durante algum tempo no lugar conhecido atualmente por Lagoa do Camelo, situado ao leste da sede municipal de Luís Correia, bem próximo ao limite do Piauí com o Ceará.

Capão - Porção de mato isolado no meio do campo; animal castrado.

Capelão - Padre encarregado de dizer missa em capela; aquele que diz missa e presta auxílios espirituais aos regimentos militares.

Carbeto - (Nome de origem tupi). Conselho Indígena instituído para tomar as decisões importantes envolvendo os interesses da aldeia.

Cauim - (Nome de origem tupi). Bebida fermentada preparada pelos índios com caju ou com outras frutas, ou ainda com milho e mandioca.

Caxiri - Bebida fermentada de macaxeira ou de milho, algumas vezes acompanhada de uma batata, que dá coloração roxa.

Cocar - Penacho de capacete; enfeite, adorno com penas, usado pelos indígenas.

Congraçamento - Harmonização; reconciliação.

Croá - Vegetal rico em fibra

Curraleiro - Espécie de fazendeiro; pessoa encarregada de cuidar do gado de determinado curral ou fazenda. O curral, geralmente, era o núcleo de uma fazenda.

Curumim - (Nome de origem tupi). Rapazinho, menino, criança.

Desobriga - Visita periódica feita a regiões desprovidas de clero por padres, com o fim de desobrigar os fiéis de receber os sacramentos da Igreja, especialmente batismo e matrimônio.

Destroçados - Arruinados; desbaratados; devastados; despedaçados.

Dizimados - Destruídos, aniquilados.

Ecumênico - Diz-se do crente que manifesta disposição à convivência e diálogo com outros cultos religiosos; ritual feito em mais de um culto religioso.

Embira - Fibra vegetal.

Entrevero - Mistura, desordem, confusão entre pessoas, animais ou objetos; recontro em que tropas beligerantes, no ardor da peleja, se misturam em desordem, lutando individualmente.

Extermínio - Destruição, morte, aniquilamento.

Fortim - Pequeno forte.

Indumentárias - Arte do vestuário; história do vestuário; uso do vestuário em relação às épocas ou povos; traje.

Igaçaba - (Nome de origem tupi). Pote de barro de boca larga em geral, para água ou para guardar farinha e outros gêneros; urna funerária dos indígenas.

Igaraçu - (Nome de origem tupi). Braço direito do rio Parnaíba; um dos cinco canais do Delta do Parnaíba, que, por sinal, é o único das Américas, em mar aberto. Em tupi significa canoa grande.

Igarapé - Estreito canal natural entre duas ilhas ou entre uma ilha e a terra firme.

Insalubridade - Inadequado à vida; nocivo.

Inóspito - Inabitável, hostil.
Inúbia - Trompa indígena de guerra; trombeta; corneta.

Jaguatirica - Onça pintada, pequena.

Jirau - Cama de varas; estrado de varas que serve para guardar panelas, pratos, legumes, etc.

Légua - Medida itinerante que eqüivale a seis quilômetros.

Maioral - O chefe; o cabeça; o maior de todos.

Maloca - Casa de habitação índia que aloja diversas famílias; aldeia indígena.

Mandu Ladino - Nome do principal líder indígena do Brasil. Comandou os Aranis, Potis, Cariris e outras tribos rebeladas do Piauí, Ceará e Maranhão. Mandu - de origem tupi, significa feixe ambulante; Ladino - astuto, manhoso, esperto. Diz-se do escravo ou índio que já falava português, tinha instrução religiosa e sabia fazer o serviço ordinário da casa ou dos campos.

Maranduba ou maranduva - História de guerra ou de viagem.

Metamorfose - Transformação; mudança de forma ou de estrutura que ocorre na vida de certos animais, como os insetos e os batráquios.

Miragem - Efeito ótico, freqüente nos desertos, devido à reflexão total da luz solar na superfície comum de duas camadas de ar diferentemente aquecidas, apresentando um lençol de água; ilusão; engano dos sentidos; decepção.

Moacora - (Nome de origem tupi). Idoso.

Maracá - Instrumento chocalhante que os índios usavam nas solenidades religiosas e guerreiras; chocalho que serve de brinquedo às crianças.

Morubixaba - (Nome de origem tupi). Cacique, tuxaua, chefe de tribo indígena.
Oásis - Região coberta de vegetação no meio de um grande deserto; lugar aprazível entre outros que não o são; prazer entre desgostos.

Oca - (Nome de origem tupi). Cabana ou palhoça de índio.

Ocara - (Nome de origem tupi). Praça ou centro de taba; terreiro de aldeia indígena.

Ordenhar - Praticar a ordenha; tirar leite.

Pajé - Chefe espiritual dos indígenas; médico-feiticeiro; curandeiro.

Pajem - Criado que acompanha alguém em viagem a cavalo.

Pangaré - Cavalo manhoso, estragado; cavalo reles.

Perudá - (Nome de origem tupi). Deus do amor.

Piraguara - Comedor de peixe, aquele que vive de peixe, o pescador.

Piroga - (Nome de origem tupi). Embarcação comprida, estreita e veloz usada por indígenas.

Poditã - (Nome de origem tupi). O filho maior, poderoso deus das chuvas, das caças e da bonança; herói civilizador que castiga aqueles que desrespeitam as regras divinas.

Portinho - Rio que serve de limite aos municípios de Parnaíba e Luís Correia.

Preamar - Maré alta.

Reboleira - A parte mais densa de uma vegetação; capão de mato.

Sertanista - Pessoa que se embrenha nos sertões em busca de riquezas; toda pessoa que percorre o sertão com o objetivo de desbravá-lo.

Sucuriju - (Nome de origem tupi). Cobra não venenosa. Vive na água, em rios e lagoas. Alimenta-se de peixes, aves e mamíferos que engole após triturar-lhe os ossos por compressão muscular. Chega a medir 10 metros de comprimento. Também é conhecida por sucuri, sucuriú, sucuruju, sucurijuba, sucurujuba, boiaçu, boiguaçu, boiuçu, boioçu, boiçu, boiúna, boitiapóia, arigbóia, anaconda e viborão.

Taba - (Nome de origem tupi). O mesmo que aldeia; aldeia de ameríndios.

Tacape - buduna, cacete, clava de que se serve os índios para atacar e defender.

Taipa - Parede feita de barro ou cal e areia com enchimento de madeira ou tabique.

Talagada - Gole; quantidade de bebida que se bebe de uma só vez; trago.

Tremembés ou teremembés - (Nome de origem tupi). Índios Cariris. Tribo indígena que habitava o litoral do Piauí. Eram hábeis nadadores, pescadores e caçadores. Sua aldeia ficava na praia de Itaqui, próximo à praia do Coqueiro, no local onde está situado o Balneário Barramares.

Tropeiro - Condutor de caravana de animais de carga; indivíduo que se ocupa em compara e vender tropas de gado.

Tupã - Designação tupi do trovão, usado pelos missionários jesuítas para designar Deus.

Tuxaua - (Nome de origem tupi). Cacique, morubixaba, chefe indígena.

Viandantes - Pessoa que vianda ou viaja; transeunte.

Warakidzé - O irmão menor, o companheiro e amigo. Por isso sua festa era a mais celebrada, atraindo até mesmo gentio de outras aldeias.

Zanzando - Vagueando; andando de cá para lá; andando sem destino, ao acaso.

Zarabatana - Tubo comprido, pelo qual se impelem com sopro setas e bolinhas; o mesmo que xipoca.


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Dados do autor.

Adrião Neto - Natural de Lagoa do Camelo, Luís Correia, Piauí. Bacharel em Administração de Empresas. Dicionarista biográfico, antologista, historiador, poeta e romancista. Sócio efetivo da International Writers and Artists Association (IWA - Bluffton, Ohio/USA), da Ordem Internacional das Ciências, das Artes, das Letras e da Cultura (OICC - Brasília/DF), da Associação Nacional de Escritores (ANE -Brasília/DF) e da União Brasileira de Escritores do Piauí (UBE/PI). Em 1994 logrou o 1º lugar no Concurso Nacional e Internacional de Poesia promovido pela OICC. Autor de várias obras, inclusive do “Dicionário Biográfico Escritores Piauienses de Todos os Tempos” (1993 e 1995) e do livro didático “Literatura Piauiense para Estudantes” (várias edições), adotado por várias escolas. Além de outras honrarias, detém o título de Cidadão Teresinense e de Personalidade Cultural da UBE/RJ. É verbete de vários livros editados no Brasil e no exterior. Seu nome é citado em mais de duzentas obras, inclusive em dissertações de mestrado e em teses de doutorado. Em setembro de 1996 participou, como conferencista, do XIII Congresso Brasileiro de Teoria e Crítica Literária / XII Seminário Internacional de Semiótica e Literatura / VII Simpósio Paraibano de Estudos Portugueses, realizado em Campina Grande, pela Faculdade de Direito da UEPB e Prefeitura Municipal de Campina Grande (PB). Participou, também, como conferencista, de vários seminários de Literatura Piauiense, realizados em Teresina e em outras cidades do Piauí, inclusive em Bom Jesus, onde, em sua homenagem, o evento foi denominado de “I Seminário de Literatura Piauiense Escritor Adrião Neto”. Foi objeto de três questões do vestibular/99 da Universidade Estadual do Piauí. Em suas andanças já foi visto em Portugal, Espanha, Suíça, Argentina, Paraguai, Guiana Inglesa, Venezuela e em quase todos os Estados brasileiros.

Ponderações
Adrião Neto é um dos escritores piauienses que mais se destacam no cenário cultural do nosso Estado. A sua obra constitui-se no principal ponto de referência da Literatura Piauiense dos últimos tempos. (José Ribamar Garcia, in “Comentários”, Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, RJ, fevereiro de 1998).

Adrião é uma figura das mais respeitadas no Piauí e fora dele. O trabalho que desenvolve coloca-o entre os maiores historiadores e homens de cultura do Nordeste. É ponto de referência neste Estado que hoje em dia respira cultura, literatura, em todos os seus cantos... (Reinaldo Barros Torres, in “Adrião e seu dicionário”, jornal O Dia, Teresina, PI, 27-01-1998).

Dicionarista biográfico, historiador, poeta e romancista, Adrião Neto consagrou-se com o “Dicionário Biográfico Escritores Piauienses de Todos os Tempos”. O farto documentário, com mais de 500 páginas, reúne 1.382 verbetes com dados substanciais sobre a vida e a obra dos escritores piauienses. Tarefa vitoriosa nacionalmente por se tratar de uma das maiores publicações culturais do país. (Carlos Said, in “Dignidade Literária”, jornal Meio Norte, Teresina, PI, 20-02-1998).

Contatos:
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Guia de Leitura

Transcreva no seu caderno e responda:

01) Qual o perfil do romance Eterna Aliança?
02) Onde a obra foi ambientada?
03) Cite uma cena ou um cenário da obra.
04) Indique os três principais núcleos antagônicos que fazem parte da trama do romance.
05) Indique os nomes de pelo menos dois dos principais personagens de cada núcleo.
06) Qual a importância dos padres no contexto geral da obra?
07) O que aconteceu com o padre Eduardo?
08) O que aconteceu com Salomé?
09) Qual era o objetivo do índio Potiara?
10) Quem foi Mandu Ladino?
11) Qual a punição que o Conselho decidiu aplicar ao índio Potiara?
12) Qual o desfecho da luta pela arma de Mulanga?
13) Como Mulanga se salvou da execução?
14) O que foi que o papagaio falou?
15) Transcreva o que falou o cacique Juraci ao concordar com o casamento de Mulanga com sua filha?
16) Por que Irajara foi amarrado ao coqueiro?
17) Onde era situada a taba dos Camelos?
18) O que aconteceu após o eclipse?
19) Fale sobre o pássaro misterioso.
20) O que aconteceu no momento em que Bastira veio ao mundo?













Guia de Leitura

Transcreva no seu caderno e responda:

1) Qual o perfil do romance Eterna Aliança?
R) Histórico e indígena.

2)Onde a obra foi ambientada?
R) No litoral do Piauí.

3) Cite uma cena ou um cenário da obra.
R) Existem várias, mas vamos citar como cenário a planície litorânea e como cena o deslocamento dos padres, em lombos de animais, sobre essa mesma planície.

4) Indique os três principais núcleos antagônicos que fazem parte da trama do romance.
R) Os pescadores de Amarração, os índios Tremembés e os índios Camelos.

5) Indique os nomes de, pelo menos, dois dos principais personagens de cada núcleo.
R) Dos pescadores: Martim Pescador, Mulanga e Pintado; dos Tremembés: cacique Juraci, Irajara e Potiara; dos Camelos: cacique Paraguaçu e Janaína.

6) Qual a importância dos padres no contexto geral da obra?
R) Eles foram muito importantes porque além de prestar assistência espiritual concorreram para que fosse firmado uma eterna aliança entre os habitantes do litoral piauiense.

7) O que aconteceu com o padre Eduardo?
R) Foi laçado por uma cobra / Caiu do lombo do animal.

8) O que aconteceu com Salomé?
R) Faleceu e o seu corpo foi queimado pelo incêndio da igreja onde estava sendo velado.

9) Qual era o objetivo do índio Potiara?
R) Seu objetivo era apenas a vingança.

10) Quem foi Mandu Ladino?
R) Foi o maior líder indígena do Brasil. Comandou vários tribos inimigas, formando uma grande nação de índios rebelados.

11) Qual a punição que o Conselho decidiu aplicar ao índio Potiara?
R) O índio Potiara foi condenado à morte enterrado na beira do mar, ficando apenas com a cabeça de fora, para que, aos poucos fosse incoberto pela maré.

12) Qual o desfecho da luta pela arma de Mulanga?
R) O índio Gupiara assassinou o seu colega Cainã a golpes de buduna.

13) Como Mulanga se salvou da execução?
R) Com a ajuda de Jacira, a filha do cacique Juraci.

14) O que foi que o papagaio falou?
R) – “Cuidado que os índios são traiçoeiros!”

15) Transcreva o que falou o cacique Juraci ao concordar com o casamento de Mulanga com sua filha?
R) – "Em obediência aos Mandamento da Lei de Deus e para o bem da paz entre nosso povo e os pescadores, perdoamos o prisioneiro e concordamos com esse casamento pois tenho certeza que Tupã e Perudá os abençoará.

16) Por que Irajara foi amarrado ao coqueiro?
R) Porque agrediu Mulanga.

17) Onde era situada a taba dos Camelos?
R) No lugar conhecido atualmente como Lagoa do Camelo

18) O que aconteceu após o eclipse?
R) Depois do eclipse os índios reiniciaram o ritual de execução que foi interrompido por uma chuva seguida de um raio que caiu sobre um coqueiro.

19) Fale sobre o pássaro encantado.
R) O pássaro encantado era um pássaro muito bonito que aparecia de repente e depois desaparecia como por encanto envolto numa nuvem de fumaça. Era a alma de Salomé à procura de seu corpo destruído pelo fogo.

20) O que aconteceu no momento em que Bastira veio ao mundo?
R) No momento em que ela veio ao mundo, os guerreiros dispararam dezenas de flechas para o alto, dando-lhe a mesma honraria que fora dada à sua mãe no dia em que nascera.




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