Desceu do ônibus a uma quadra do condomínio. E correu até o portão sem olhar para trás. Inquirido pelo porteiro, disse, ofegantemente, que tinha a impressão de estar sendo seguido. Que tomou o ônibus por esse mesmo motivo. Que gostaria de ter vindo a pé, pois a noite estava calma, clara, limpa. Poética: a lua cheia encenava o espetáculo rodeada de estrelas.
A sensação perdurara mesmo dentro do ônibus. Parecia estar num mundo paralelo. Ninguém notou a sua aflição e desconfiança. O cobrador conferia o dinheiro. O motorista, sonolento, controlava a velocidade no adiantado do horário. Um único passageiro dormia no banco traseiro. E uma sombra ali do seu lado... vislumbrada de quando em quando e apenas de soslaio.
Sem prolongar a conversa subiu ao apartamento e, imediatamente, trancou a porta. Acendeu a luz e respirou quase aliviado, como se as paredes pudessem livrá-lo do tormento. Ligou a TV tentando afugentar os pensamentos e ficou esperando pelo sono. O sono veio, dirigiu-se então ao quarto. Entretanto, próximo à porta, notou um vulto atravessando o corredor, de um lado para outro. Rapidamente. Ficou estático e completamente arrepiado. O coração entalou na garganta matando a voz. Num gesto mágico trancou-se no banheiro. Afoito, movia-se em círculos sem saber o que fazer. Não compreendia o que estava acontecendo. Daí, ficou em silêncio tentando ouvir alguma coisa. Ouvido colado a porta: nada. Ainda em silêncio, rezou por alguns minutos. Depois, num rompante de coragem, procurou por uma arma. Tinha que sair de lá e enfrentar a situação. De rodinho na mão, abriu devagar a porta avisando que ia sair e que estava armado. Nenhuma resposta. Nenhum barulho. O coração metralhava o peito. A adrenalina cozinhava o cérebro. Saiu. Pé ante pé, vasculhou cada canto de cada cômodo. Nada. Sequer um vestígio.
Passou a noite em claro. E todas as demais, completando a semana. Dormia no trabalho. Foi repreendido várias vezes até que o demitiram. Antes, fez tudo o que lhe propuseram: sal grosso com alho atrás das portas. Benzimento. Despachos. Análise. Calmantes.
Dois meses se passaram. E a sombra ali. Inseparável. Mas não se manifestava a toda hora. Nunca à sua frente. Surgia perifericamente quando bem desejasse. Quando ele menos esperasse. Em qualquer lugar, independente do movimento, da solitude. Bares. Boates. Cinemas. Em casa, no sofá, assistindo televisão. Às vezes, acordava-o em plena madrugada quando, esgotado, conseguia dormir. Tentava sempre se manter ocupado para não pensar no caso. Buscava forças em tudo, para se livrar do medo. Mas a paranóia estava estabelecida e voltava toda vez que a sombra reaparecia.
Graças à essa paranóia, o seu comportamento alterou drasticamente. E trouxe junto a solidão mais acentuada. As pessoas conhecidas, os amigos, pouco a pouco o abandonaram. A começar pela namorada. Ninguém mais lhe restava. Nada dava resultado. Vendeu, então, o apartamento e mudou de cidade. Mas a sombra o acompanhou. Mudou de estado. A sombra ali. Não tinha jeito.
Resolveu, finalmente e por absoluto desespero, enfrentá-la. Aos berros, num misto de ameaça e súplica. Exausto da batalha, adormeceu. Quando acordou já sentia-se mudado. Dias e dias se passaram sem que a visse ou a pressentisse. O vulto, a sombra havia mesmo lhe abandonado.
Retomou então a vida de antes. Os mesmo lugares. Os mesmos conhecidos. Arrumou outro emprego. Outra namorada. Entretanto, lamenta-se de uma solidão jamais sentida. Não conseguiu reparar a falta da única e verdadeira companheira.