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Contos-->A MULHER QUE ATRAÍA LOUCOS -- 22/11/1999 - 10:17 (Jefferson Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Os fatos começaram a ocorrer no ano de 1966. Nesse ano, três meses antes de hospedar Batista em sua casa, D. Adelaide havia se mudado para um sobrado na rua Marquês de Abrantes, no Flamengo. O sobrado, uma casa ampla, possuía vários quartos, uma sala e uma cozinha muito grandes, o que, certamente, era excessivo para uma só pessoa.
D. Adelaide era viúva de um coronel há quatro anos. Contava, então, com quarenta e oito anos. Seu marido havia lhe deixado uma boa pensão, com que se sustentava. Foi casada por vinte e cinco anos, porém, a natureza nunca lhe dera o privilégio da maternidade. No entanto, apesar da solidão que lhe abatera a alma desde a morte do marido, D. Adelaide mantinha-se uma pessoa alegre e otimista, sempre pronta a ajudar aos menos afortunados. Havia dentro de si um coração terno e compassivo, que condoía-se com a miséria humana.
D. Adelaide já vinha pensando consigo mesma o motivo de sua vinda para aquela casa com tanto espaço, quando Corina, uma amiga de longa data, residente em Jundiaí, telefonou pedindo-lhe que fizesse a caridade de hospedar em sua casa, somente por alguns dias, o irmão dela. Batista era seu nome.
Corina, indagada por Adelaide a respeito do problema de Batista, disse-lhe que ele era do interior de Minas Gerais e tinha ido passar uns tempos com ela. A solicitação da caridade à amiga Adelaide tinha por escopo a tentativa de que, com os ares praianos do Rio de Janeiro, o rapaz melhorasse.
- Mas...do que sofre seu irmão? Perguntou D. Adelaide à Corina.
- Acho que meu irmão está ficando louco, respondeu Corina.
- Como assim? O que tem ele?
- Ele não pára de estudar. Passa dia e noite inteiros em cima dos livros.
- Pode mandá-lo vir passar uns dias aqui, disse D. Adelaide.
Três dias depois, por volta das dez e meia da manhã, Batista chega à casa de D. Adelaide.
Batista tinha 23 anos, mas, por causa de seu corpo desnutrido e de seu rosto magro e sem vida, ninguém lhe dava menos de vinte e sete ou vinte e oito anos. D. Adelaide notou a magreza do corpo de Batista e sua pele branca, indicando que não tomava sol há um bom tempo. A barba por fazer e o roxo em volta dos olhos davam-lhe o aspecto de uma pessoa doente e cansada. Ao ver aquela figura decadente, num corpo de um rapaz tão jovem, o coração magnânimo de D. Adelaide condoeu-se por Batista. Então, ela o acomodou em um dos quartos do primeiro andar, que havia preparado para ele.
De voz baixa e ofegante, Batista trocou umas poucas palavras com D. Adelaide na recepção, quando esta lhe explicou o horário das refeições. Depois, alegando estar cansado da viagem, disse que ficaria no quarto repousando.
Passadas algumas horas, D. Adelaide subiu ao quarto para chamar Batista para o almoço. Bateu na porta, mas não ouviu resposta... Certamente, está dormindo pelo cansaço da viagem – conjeturou.
Por volta das nove horas da noite, D. Adelaide, outra vez, sobe ao quarto de Batista para chamá-lo para comer alguma coisa, mas lá dentro o silêncio é total. D. Adelaide, já receosa, olha pelo buraco da fechadura e vê que Batista, sentado num banco de penteadeira, está com o rosto atolado entre dois grossos livros. Seus lábios balbuciavam as palavras freneticamente. Seus olhos arregalados nas letras, denotavam uma concentração na leitura que se o mundo acabasse naquele momento, com certeza, ele não o perceberia. Tanto foi, que D. Adelaide bateu na porta por duas vezes, mas não obteve qualquer resposta. Resolveu deixá-lo em paz... Quem sabe amanhã o rapaz sinta-se disposto a uma caminhada ou passeio pela cidade.
No dia seguinte, Batista, novamente, apenas trocou algumas palavras formais com D. Adelaide. Tomou uma xícara de café com leite e comeu algumas bolachas, apressadamente. D. Adelaide observou-o levantar-se da mesa e, mecanicamente, abrir um livro que tinha trazido do quarto. Caminhou até à sala, sentou-se no sofá e atolou o rosto no livro, como se o mundo ao seu redor não existisse. Ela, da cozinha, olhava-o ali, sentado no sofá, balbuciando as palavras do livro com os olhos arregalados. Naquele momento, um sentimento de compaixão pelo jovem nasceu em seu coração.
- Por que você não vai fazer um passeio pela cidade, meu filho? Perguntou D. Adelaide, aproximando-se de Batista. Vai te fazer bem uma boa caminhada. Aproveita para conheceres a cidade, que é tão bonita!.
- Uma outra hora. Agora, preciso estudar, respondeu Batista, sem sequer tirar os olhos do livro.
Os dias transcorriam sem que Batista demonstrasse qualquer melhora. Na verdade, o afastamento da família, fez com que sua obsessão e compulsão pelos livros aumentasse. Os livros passaram a ser suas únicas companhias. As palavras que ele dirigia à D. Adelaide eram somente as que fossem necessárias. D. Adelaide, por sua vez, com dó, tentava convencer o rapaz a sair, passear, se divertir ou ir à praia. Batista, no entanto, dizia-lhe que outra hora iria, nunca o fazendo, porém. Às vezes, quando não passava horas e horas lendo, Batista ficava ensimesmado, parado, olhando o nada. Muitas vezes passava noites inteiras assim. Por duas vezes ele foi à rua, nas duas, chegou com três ou quatro novos livros nas mãos, para, então, chafurdar-se neles.
Nessa mesma ocasião, Dalvina, uma amiga de não muito tempo, que morava em Niterói, faz uma visita à D. Adelaide e narra-lhe uma série de acontecimentos desinfelizes, que atingiram sua vida.
D. Adelaide, com uma paciência que só ela era detentora, ouviu de Dalvina um cúmulo de desgraças e infortúnios.
Dalvina há cerca de dois anos perdera o marido e a mãe. O primeiro, para uma amante; a segunda, para a morte. Depois disso, sua vida desmoronou. Teve que dividir os bens por causa da separação que se sucedeu, perdeu os dois filhos que preferiram ficar com o pai, além da venda da casa, que não pôde mais sustentar.
Com as sucessivas tragédias que assolaram sua vida, Dalvina entrou em um transtorno de humor grave que logo transformou-se numa psicose maníaco- depressiva. Dalvina passou a um estado de angústia, que a levou a uma alteração mental pela fuga de idéias e da realidade. Não aceitava a morte da mãe, com quem era muito apegada. Pensamentos de morte e suicídio assaltavam-lhe a mente e sentimentos de culpa e inutilidade passaram a dominar sua vida.
Essa era a condição de Dalvina quando veio fazer a visita à D. Adelaide. Esta, comovida pela situação da amiga, ofereceu-lhe sua casa para que passasse alguns dias.
- Venha ficar aqui em casa por alguns dias. Você vai se sentir melhor, disse D. Adelaide à amiga.
Dalvina aceitou prontamente o convite. Quatro dias depois, chega à casa de D. Adelaide. Esta levou-a direto a um dos quartos.
- Ainda bem que aqui tem duas camas, diz Dalvina.
- Por que diz isso? Indagou D. Adelaide.
- Ora! Para mamãe, respondeu Dalvina.
- Mas, sua mãe morreu, Dalvina.
- Não! Ela não morreu. Ela vai vir ficar aqui comigo. Olha aqui. Eu trouxe as roupas dela, disse Dalvina, abrindo uma mala com roupas.
Esse incidente fez D. Adelaide ver o quanto sua amiga precisava de seu carinho, de sua ajuda e de seu apoio, e isso ela estava disposta a oferecer.
Os dias transcorriam com o convívio harmônico entre os três e uma atmosfera de paz reinava na casa. Por isso, o que seria apenas alguns dias de visitação, tanto de Batista como de Dalvina, já passavam de três meses.
D. Adelaide, sempre disposta e interessada a ouvir e cuidar de seus hóspedes, procurava entender e aceitar as neuroses de ambos. Tanto, que até contratou uma pessoa especialmente para ajudar nos afazeres da casa, enquanto ela teria mais tempo para cuidar deles.
Foi por essa época que o Sr. Antônio, um vizinho que morava num cômodo minúsculo no fim da rua, e que sempre prestava algum reparo de hidráulica na casa de D. Adelaide, veio falar-lhe:
- D. Adelaide, vim pedir-lhe uma grande caridade. Por favor, será que a Senhora poderia me ajudar? Falou com certo desespero na voz.
- Sim, Sr. Antônio. O que houve?
- É que minha mãe está muito doente. Creio que não dura mais que alguns dias. Eu preciso ir passar os últimos dias de sua vida com ela. Por isso, tenho que viajar lá para Bahia. Será que a senhora pode ficar com minha filha enquanto eu estiver fora?
Novamente, o coração caridoso de D. Adelaide era posto à prova. Ela já conhecia a moça e tinha ciência da situação pelo que o Sr. Antônio lhe contava, do sofrimento que passava com a moça.
Ela pensou por alguns minutos, e não pôde resistir ao que pensava ser sua missão na vida.
- Sim, Sr. Antônio. Traga-a para cá. Eu cuido dela enquanto o Sr. estiver viajando.
- Obrigado, D. Adelaide. Deus a abençoe.
No dia seguinte, veio a moça, trazida pelo pai, passar alguns dias sob os cuidados de D. Adelaide.
Joana era o nome da moça. Uma jovem de dezenove anos, totalmente incapacitada por uma Agorafobia. Havia anos que não saía de casa. Os ataques freqüentes de pânico, causados pelo sentimento de desamparo e medo aterrorizante de que poderia morrer a qualquer momento, limitavam sua vida a tal ponto que só o pensar em colocar os pés fora de casa lhe causava palpitação, tontura e tremores por todo o corpo.
D. Adelaide comoveu-se com a situação da pobre moça. Por sua vez, o Sr. Antônio nunca mais voltou, nem foi visto.

Depois disso, D. Adelaide ainda recolheu em sua casa um casal de mendigos lunáticos, sem qualquer identidade, que ela sempre via dormindo na calçada de sua rua. Seus nomes eram Amélia e João Fortunato. Porém, não sabiam, ao certo, o próprio sobrenome ou a data de nascimento.
D. Adelaide, também, recolheu em sua casa Abdias, um velho esquizofrênico de sessenta e sete anos, cujo contato com a realidade era muito pouco ou quase nenhum.
Abdias apresentava alucinações auditivas e devaneios que se manifestavam na falsa idéia de que fora coronel do exército e herói na Segunda Guerra Mundial. Narrava com riqueza de detalhes feitos heróicos protagonizados por ele que não havia ninguém neste mundo que o convencesse do contrário. No seu delírio, ele tinha a crença absoluta de que era perseguido por agentes secretos e militares disfarçados. Ouvia vozes e, por isso, dialogava sozinho como se pessoas, em sua alucinação, conversassem com ele. Ninguém podia contrariar o que dizia sem correr o risco de ser considerado um “inimigo”.
Na verdade, Abdias fora um simples funcionário público até os trinta e dois anos, quando foi aposentado pela Previdência. Contudo, D. Adelaide era paciente com ele, e este gostava dela, achando que ela havia sido enfermeira na guerra e que tinha cuidado dele por causa de um suposto ferimento de bala.
Um misto de mãe, amiga e médica foi tomando conta de D. Adelaide. A empatia que ela sentia por seus hóspedes crescia a cada dia com o convívio diário no espaço comum da casa. A compaixão que sentia era evidente, e a abnegação de sua própria vida em proveito deles digna de todos os elogios. O certo era que a solidão de D. Adelaide, depois da morte do marido, fora preenchida com os cuidados que tinha por seus hóspedes.
Passados quase dois anos, a irmã de D. Adelaide, Adalgisa, e o esposo, residentes em Londres, vieram em viagem de férias ao Rio de Janeiro. Acertaram que passariam alguns dias em sua casa.
Ao chegarem, qual foi o espanto e a surpresa de ambos ao encontrarem em D. Adelaide uma mulher completamente alienada do convívio com a sociedade. Verificaram que ela trancara-se em casa com seus hóspedes, ficando totalmente alheia a qualquer relacionamento com pessoas normais, bem como tinha assimilado a loucura deles, perdendo sua própria identidade e o trato com a vida exterior.
Em poucos momentos de conversa com D. Adelaide, Adalgisa constatou que ela transformara aqueles loucos em sua própria família, e a empatia que tinha pelos problemas de seus convivas fê-la igual a eles.
Quatro dias depois, Adalgisa dava entrada nos papéis de internação para tratamento psiquiátrico no Instituto Philippe Pinel, de Batista, Dalvina, Joana, Abdias, João, Amélia e... Adelaide.
A casa foi fechada e, posteriormente, vendida por preço módico a um comerciante local.



Jefferson Carvalho
bsbab345@zaz.com.br

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