Os curumins estavam alvoroçados. O cacique Lua Pálida havia lhes imposto um castigo rigoroso por algo que não fizeram.
Na semana anterior, perto das margens do grande rio, penas coloridas de várias aves da região foram espalhadas de modo engenhoso entre a marca das águas e o começo da fímbria de mata que se estende ao longo daquele trecho do rio. E, perto delas, numa confusão de passos que nem mesmo os mais hábeis rastejadores puderam decifrar, pegadas pequeninas e desconcertantes.
A ordem normal das cerimônias anuais fora quebrada. O cacique, acometido de estranha dor de cabeça, desmarcara tudo e, pior, nem mesmo dissera em que lua elas seriam restabelecidas.
Mato Novo, o curumim que parecia vocacionado a ser o próximo iniciado nas artes, nos conhecimentos e na sabedoria, contemplava os destroços e não conseguia entender aquele mistério: quem teria feito aquilo? Curumins de outra tribo? Mas, a próxima tribo estava muito distante dali e os seus curumins não teriam coragem para perpetrar aquilo.
Os sábios da aldeia, também, estavam em polvorosa. Tinham ensinado pacientemente a todos os jovens o respeito que deveriam ter pela natureza. Ninguém, até hoje, aqui nesta terra, tinha desrespeitado a mãe natureza. De repente, aquela carnificina com as aves. Mas, onde estariam escondidos os restos daquelas aves sacrificadas?
Somente as penas ficaram chafurdadas pelo chão úmido das margens do rio. Não aparecera, entretanto, um só urubu ou qualquer ave de rapina para o seu terrível banquete.
É certo que, há quase um ano, surgira na aldeia um guerreiro novo, vindo das partes inferiores do curso do rio e que, com aparência de pacato, conseguiu conquistar o conselho dos idosos, tão logo foi aceito pelos maiores, pôs-se a conversar com outros guerreiros, tentando incutir-lhes idéias de revolta e contrárias a toda a ordem preestabelecida.
Os mais velhos, já acostumados à paz que reinava há tantas e tantas luas no território da tribo, puseram-se a lamentar a sua atitude de aceitação, temendo pelo futuro da aldeia. Mas, teria sido obra dele? Onde teria ele conseguido aquelas penas de tantas aves? Onde teria colocado os restos?
Mato Novo, de repente, teve uma idéia: Curupira, isso foi obra do Curupira. Ele é que anda com os pés para trás confundindo as pessoas, iludindo os caçadores. Mas, Palmeira Torta, um indiozinho corcunda e feioso, indagou:
- Com que finalidade? Curupira gosta de incriminar as pessoas.
- Ora, ora, Palmeira Torta. A finalidade está na cara, incriminar os jovens da tribo, confundir os mais velhos, provocar a punição que recebemos de Lua Pálida. Agora, estamos proibidos de fazer as nossas brincadeiras e já não teremos, este ano, as cerimônias tradicionais de nosso povo.
Sabe o que faremos, montaremos uma vigilância constante todas as noites, até descobrirmos o autor de tal presepada.
E assim foi feito. Os curumins, revoltados, revezavam-se na espreita, tentando descobrir no turvo da noite escura a silhueta perversa que estragara suas vidas.
Na sétima noite, quando muitos já estavam exaustos, o pequeno grupo de cinco que estava vigiando, teve o seu trabalho recompensado: olhando para todos os lados, caminhando cautelosamente, o guerreiro novato aproximou-se da margem do grande rio. Trazia coisas estranhas nas mãos: amuletos, tranças de cabelos, pedaços de madeira apodrecida. Quando ele parou e parecia pronto para tocar fogo no que parecia ser um trabalho de magia negra, iniciando a falar um aranzel indecifrável, os curumins frecharam sobre ele com uma fúria desconhecida.
Aquela noite, na tribo, ficou conhecida como a noite da revolta dos curumins.
O Guerreiro novo? Ninguém até hoje sabe o paradeiro dele.