Da porta entreaberta ela vê as costas flácidas dele, as carnes do braço pendendo para fora da cama. Devia estar louca sentindo tesão por um homem como ele. Não devia ser tesão, somente uma loucura, dessas loucuras de paixão que a gente tem de vez em quando. Coisa de adolescente, de quem está só começando e sente tesão até pelo poste da esquina. “Não sou adolescente, tenho peito, tenho bunda, tenho sangue escorrendo de mim todo mês, já sou mulher, essa ardência na boceta mostra que sou mulher, tá ardida, tá vermelha, tá cheia de gozo, o grito dele está preso entre minhas pernas, a marca dos dentes tá na minha coxa, ele gozou dentro, eu senti, eu senti um mar balançando dentro de mim, eu senti as ondas, eu senti o gosto de sal.”
Da porta entreaberta ela vê a cama remexida, os lençóis pingados do vermelho que escorreu de dentro dela. Jura ver um pedaço de hímen ao pé da cama. Vê as costas flácidas, estava obcecada pela flacidez das costas. Vê um pedaço da bunda, uma bunda velha, enrugada, uma bunda murcha, por baixo da ponta do lençol. Vê a perna dobrada, fortes pernas ele tinha, mesmo manchadas, mesmo sem nenhum pêlo. Adorava pêlos, pêlos no peito, pêlos nas costas, pêlos nas pernas. Mas ele não tinha pêlos, ora diabos! “Eu sei que ele queria mais, eu sei, mas ele não agüentou. Acabei com ele, sou mulher, acabo com um homem, qualquer um, preto, branco, chinês, índio, novo, velho como ele. Acabo com qualquer um. Sou mulher, o que eu tenho entre as coxas derruba qualquer um, sem apelação, sem misericórdia, eu sou o que chamam de mulher fatal, vão matar por mim, vão brigar por mim, vão levar chifres de mim e vão gostar, vão lamber o chão por mim, vão morrer por mim. Ah, se vão, homens são como cachorros, sentem o cheiro do rabo da fêmea a quilômetros, bando de animais.”
Da porta, entreaberta, ela vê o corpo inerte, derrotado, e a meia rendada que ele usou, ele tinha o fetiche de transar usando meia de mulher, ela aceitou. A meia preta de renda agora era só um trapo, rasgado, despedaçado, uma testemunha fria e negra do que aconteceu, antes objeto de desejo, ou melhor, instrumento de desejo, agora, só uma velha meia rasgada na beirada da cama. “Esse velho tarado estava pedindo, ele queria, não queria? Eu dei o que ele quis, agora eu sou livre, nunca mais ele vai ficar babando quando eu passar na porta da casa dele, nunca mais ele vai me oferecer bombom, velho cretino, nunca mais vai me chamar pra sentar no colo dele, velho fedido, mas velho bom, sabia fazer direitinho, é isso que é gozar? Ai meu Deus, como é bom gozar, eu quero mais! Mas esse velho não faz mais nada. Ele pediu, eu só dei o que ele queria, ele queria me sugar, ele queria sugar minha juventude, que não me servia para nada, agora serve, é para isso que serve a juventude: pra trepar, pra gozar, pra gritar, pra gastar, como se gasta uma poupança, porque senão a gente acaba como ele, esse velho flácido, resto de gente. Ele pediu, eu quis, eu dei o que ele quis.”
Da porta, entreaberta, vê a nuca e a careca reluzente dele. As costas sujas de batom, e meladas do caldo que escorrera dela quando ela gozou sentada nas costas dele, meladas do sangue que ele bebia como louco, como um vampiro que suga gente, que suga virgens, só que ele não sugou pelo pescoço. Há anos não chupava uma mulher, desde que a vizinha morreu, a mulher não gostava, ele não ia perder a chance, que podia ser a última, por causa de um sanguezinho qualquer. “Pau de velho é diferente, eu vi nas revistas que o pau fica pra cima, o dele ficou mole, não, meio mole, mas é grande, é bom, foi bom. Não machucou, machucou foi a barba dele, tô ardida. Mas tá bom, é um ardido gostoso, um ardido de mulher que gozou. Agora eu sou mulher, só mulher arde assim, mulher sofre até pra gozar, homem não, botou lá, jorrou, tira e pronto, homem não sente dor, porque não entra nada nele, a não ser os bichas, mas bicha não é homem, é viado. Será que viado fica ardido, ou arde diferente da gente? Com o próximo eu vou experimentar, vou dar ele, pra ver se arde tão gostoso.”
Da porta, entreaberta, sente o cheiro de sexo, o cheiro de sangue, o cheiro de homem. Sente algo ficando úmido. É ela, de novo. É ela, lá embaixo. “Ai, meu Deus, eu tô ardida, mas quero mais, eu queria mais. Mas esse velho não pode mais. Esse velho frouxo encheu o saco a vida toda e não agüentou, eu acabei com ele. Mas eu quero, vou atrás de alguém, antes eu não podia, que ele não deixava, nem minha mãe. Mas agora eu posso, porque já fiz. Agora eu posso tudo. Agora eu sou mulher, agora eu sou fatal. Ai, que gostoso isso aqui molhadinho, que gostoso meu dedo, é melhor que travesseiro, é melhor que chuveirinho, é melhor que bidê. Não é igual ter um homem, mas é bom. Vou procurar o Paulão, deve ser gostoso trepar com ele, mas a mulher dele é brava, foda-se, aquela gorda! Ele sempre me provocou, já passou a mão na minha perna, já me chamou de gatinha, vou foder com ele, vou deixar ele igualzinho esse velho aí. E o Cadinho, e o Beto, e o Nêgo, e o Zeca, e o Tuca. Vou acabar com todos, eles vão ver só o que é uma mulher de verdade, não essas galinhazinhas de merda que ficam chupando eles nos carros, essas putinhas filhinhas da mamãe vestidas de roupa de colégio de freira.”
Da porta, entreaberta, ela vê o corpo flácido estremecer, e tentar se virar, mas só conseguir virar o pescoço, e ela vê o rosto dele, ele olha para ela com olhos de quem já vai. E quando ela vê a morte nos olhos dele, ela aperta ainda mais o sexo, e ainda vê o filete de sangue no canto da boca dele, e vê os olhos dele revirarem. E, da porta, entreaberta, ela vê o velho estremecer de novo e ficar ali, imóvel, duro, frio, e ela sente o gozo chegando, e crescendo, e jorrando, e escorrendo, e tomando conta da sua alma.
O mar está dentro dela outra vez.