(Nota do Autor: Este é um relato verídico de uma de minhas viagens à cidade dos meus pais).
O ônibus finalmente partiu. Os passageiros, irritados com a demora, não paravam de murmurar e xingar o motorista, chegando até a importunar sua pobre e falecida mãe.
Era uma dessas empresas que fazem linha para o interior, as mesmas que passam por cidades bem pequenas, às vezes nem existentes no mapa, muitas vezes apelidadas de o ânus do mundo (para não descer o nível). Parando durante quase todo o percurso, três horas sempre parece uma eternidade; o único entretenimento acaba sendo a observação dos diferentes tipos de pessoas que tomam esses tipos de ônibus.
Logo na frente, o tipo sardinha: uma família de quatro pessoas tentando sentar-se em apenas duas poltronas. Normalmente tentando economizar um dinheirinho, acabam tendo que fazer malabarismos. Uma menina, provavelmente uma das filhas do casal, espremida contra a janela, nem reclamava, continuava com os olhos pregados nas linhas do asfalto, que passavam rapidamente, repetia: - Amarelo. Amarelo. Amarelo. Branco. Branco...
Um cheiro insuportável no ar, provavelmente vindo de um casal de crianças em outra poltrona: o tipo roedor. A menina agarrada num pacote de “xilitos” (uma marca antiga de salgado de queijo, fedido mas que as crianças adoram) enquanto o irmão projetava toda a língua para fora tentando lamber os restos mortais de um recheio na metade de um biscoito.
No corredor, dois espécimes recentemente desmamados; insistiam que queriam urinar e caminhavam num vaivém frenético, só para abrir a porta do banheiro. O cheiro lá do fundo não perdia do cheiro na frente. Lá de dentro podia-se ouvir: - Olha só, a descarga é no chão. Aperta de novo... Legal né?
De repente a velocidade diminui. Todos abrem as cortinas numa curiosidade incontrolável. É só outro passageiro que está subindo. Uma senhora de cabelos esvoaçantes e incrivelmente loiros... Espécie rara. Estava acompanhada de um menino, seu filho, talvez. Seu caminhar era diferente; pretendia ocupar as poltronas a minha frente. Desisti de prestar atenção ao filme exibido na televisão .
Ela aproximou-se e, numa atitude tão feminina, penetrou os cabelos loiros com suas mãos e os sacudiu. Repetiu o processo várias vezes, mudando apenas o ângulo de curvatura da cabeça. Talvez fosse um ritual, uma dança do acasalamento... Pensei: - Huummm! Ui! Isso mesmo, mas não de prazer, pois numa das sacudidas súbitas, acabou acertando a cabeça no canto da televisão. Alguns passageiros romperam-se em risos, o tipo hiena (afinal, essa é a espécie mais comum; parecendo guardar as gargalhadas mais ferinas para esses momentos e sempre há um deles olhando). A mulher sentou-se, depois de verificar o galo na sua cabeça, fechou-se num silêncio sepulcral.
Uma hora depois, tomou seus pertences e preparou-se para descer. Chegara ao seu ponto final. Olhou para os rapazes risonhos e, numa atitude de desprezo, virou o rosto... Hummm! Ui! (A lei dos senos e cossenos estavam contra ela) Novamente acertou com a cabeça no canto da televisão.
Rapidamente em meio ao risos, recuperou a pose e foi retirando-se, chamando o seu filho pelo nome: - Silvester Stalone. Vamos descer aqui...
Nos momentos mais embaraçosos, o orgulho nos faz sentir chiques, especialmente com a espécie das zebras.