Tentei me sentar e sentir-me indigente
Impossível
As pessoas passavam
E sorriam à mim, ou pelo menos olhava-me curiosas,
Aos indigentes não se nota,
Nem se percebe que são gente
Que não são parte da calçada, da laje, do banco de praça
Apenas se finge que não vê
Em nome do bem estar íntimo e social, sei lá.
É, não posso ser indigente
Mesmo assim, sinto-me meio carente
A estrutura econômica me cuspiu em sua saliva globalizada, estou eu aqui sentada a perceber minha descompensação, e o menino que passa é o único que não me percebe, a alegria é tanta, e com a fonte se diverte pulando, rodopiando, com palavras indescritíveis e depois se vai, mesmo olhando para trás, tem que seguir o rumo da vida , a família lhe guia, tentando desvencilhar-lhe das ilusões da imaginação logo cedo (ou quem sabe, meramente exercendo o seu poder de castração?!).
Já não me preocupo em ser roubada, o maior saque é o da alma, das expectativas, dos sonhos, isso não podem me levar, só me levariam alguns panos, a bolsa e o livro emprestado.
Voltei a ficar sozinha, viva, a praça é minha! Tenho todas a gaivotas de porcelana e os peixes com careta soltando água pela boca, é isso, estou eu aqui sentada, olhando para quem passa, alguns nem alegres nem tristes, apenas vivendo o seu momento;
Todos olham para a água, não sei o que pensam , nem é essa minha pretensão , apenas é bom saber que alguns vêem além da própria extensão e por instantes que seja, conseguem vagar na corrente poderosa do imaginário individual, mesmo que por segundos, saem de si , e ao voltar, um sacolejo, um suspiro ou simplesmente um passo apressado.
Minha função aqui é estragar a ilusão dos passantes, eles viajam, vagando por entre devaneios e quando olham para mim, percebem-se que a realidade é ali, viva, esquisita, despojada de surpresas inesperadas e constantes.
É, hoje arrumei uma função meio amarga, mas enfim agora sou eu, amanhã será qualquer outro de nós, peças desta engrenagem chamada humanidade.