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Contos-->Carro roubado -- 18/06/2000 - 03:02 (Marcia Lee-Smith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Carro roubado

Vocês já tiveram um lapso mental, um branco total na cabeça? Com certeza sim, é muito comum. Algumas vezes nos falta o nome de alguém quando estamos conversando com o dito cujo, e isso é deveras uma situação constrangedora.
Mas o que aconteceu com Marília foi mais que um branco total, foi uma vergonha total.
Marília, que eu conheci muito bem, era e ainda é uma pessoa bastante normal, mas do tipo desligado, o que na gíria chamamos "voada".
Ela tinha um fusca, e vivia feliz com o fusca. O fusca até tinha nome, era o Abud. E a relação entre ela e o Abud era perfeita.
Mas o pobre do Abud foi ficando velho, pequeno para o tamanho da família. Na hora de levar os meninos para a escola sempre tinha um reclamando:
―Mãnhêeeee, o Fulano tá me cutucando aqui...
―Mãnhêeeee, mando o Beltrano tirar esta mochila de cima das minhas pernas....
E na hora de um passeio, uma viagem, o Abud tinha um porta-malas pequeno, e novamente era aquele inferno.
Foi aí que um amigo da família, que tinha uma concessionária, chegou e disse:
―Mas Marília, que vergonha....Você está ganhando bem, não tem dívidas, dê um presente a si mesma....Tem um carro que saiu agora, uma jóia, grande, fácil de manejar, delícia de dirigir...
Vende esta porcaria e me dá o dinheiro de entrada, que eu te entrego o carro na porta, emplacado, e você me paga como quiser, como puder.
Os meninos ficaram ouriçados. Carro novo ! O que o pessoal da rua vai dizer ?
Compra ,mãe! compra, mãe !
Que remédio? Com tanta pressão, ela disse : Sim, negócio fechado.
No dia seguinte, ela anunciou no trabalho:
―Estou vendendo o Abud !
Não faltou comprador, pelo contrário, sabedores do amor entre Marília e Abud, de como ela o tratava bem, Abud só podia ser um carro em ótimo estado. Lavado todos os dias, encerado duas vezes ao mês, levado a um bom mecânico sempre que tossia um pouquinho, ou espirrava...
―E quanto quer pelo Abud?
Ela, tímida:
―Dezoito mil cruzeiros....
Os talões de cheques voaram ! E deu até briga....
Mas ela pediu tempo, explicou que ainda teria de receber o carro novo. Contudo aceitou dois mil cruzeiros de Inácio, como sinal de negócio, e assinou um recibo.
Voltando para casa telefonou para o amigo.
―Pode mandar o carro. Vendi o Abud.
E as lágrimas desciam....
Na quarta feira ela ouviu a buzina mais estrondosa do mundo na porta, e lá estava aquela imponência, brilhando, fazendo Abud morrer de tristeza.
O funcionário da concessionária disse:
―Toda sua...Volto no fim da semana para vermos sobre o pagamento, fica bem assim?
Teve vontade de mandar sumir com aquele despautério de sua porta, mas já a meninada se enfiava pelas portas, explorando cada detalhe, acendendo os faróis, fazendo comparações depreciativas com o pobre fusca....
Que remédio?
Pediu ao funcionário que levasse a "jamanta" até o trabalho, ela teria que entregar o fusca lá...
―Claro, eu estaciono lá, ou a senhora quer que eu leve o fusca, e assim a senhora vai sentindo o carrão que comprou? dizia profissionalmente.
―Nada disso, você leva e eu vou no fusca.
Chegando lá, na guarita ela teve que informar que havia comprado aquele carro, e que o fusca iria passar para o Inácio.
Entraram, e no pátio, abarrotado de carros, a vaga do Abud foi mais uma vez do Abud, e a "jamanta" foi para o setor de visitantes.
Lá dentro, ela entregou os documentos do pobre Abud para o Inácio, que afinal iria ter seu primeiro carro, e cujos dezesseis mil cruzeiros estavam ansiosos para mudar de mãos.
Ele até pediu permissão ao chefe para ir ao Detran legalizar o carro no mesmo dia.
Marília trabalhou o dia todo. Nem mais se lembrou de Alexandrovna, o nome que a filha dera ao novo carro.
E eis que a sirene tocou ao final da tarde anunciando o fim do expediente.
Marília correu para pegar o Abud, mas qual? A vaga estava vazia...
E foi aí que o branco total estabeleceu-se.
"Meu carro foi roubado !"
Telefonou para todas as guaritas, e ligou para a polícia...
Pediram que ela comparecesse à Delegacia de Roubo de Veículos.
Telefonou para uma vizinha, pediu-lhe que pegasse os meninos na escola, e tomou um taxi para a Delegacia.
Suava frio....Quem teria feito aquilo?
Na delegacia entrou numa fila miserável, que nunca acabava, com gente gritando, falando alto, um inferno...
Afinal chegou a vez dela.
―Qual o seu carro, senhora?
―Fusca 72, verde, placa AG-8153
―Onde aconteceu, e a que horas?
―No pátio da Dravix, entre 13 e 18 horas.
―Por favor, me dê os documentos do carro.
Marília abriu a bolsa, a carteira, e nada de achar os documentos.
Olhou para o delegado, com os olhos arregalados.
―Acho que a coisa é pior que eu pensava. Roubaram os documentos também.
O delegado olhou-a ressabiado:
―A senhora teria deixado os documentos no porta-luvas?
―Não...Nunca faço isso....
―A senhora está nervosa. Vá ali no bebedouro, tome um copo de água, sente-se e procure com mais calma.
Ela foi, bebeu a água, e abriu novamente a bolsa.
E o que era aquele cheque nominal a ela de dezesseis mil cruzeiros, enroladinho dentro de um compartimento mais escondido?
O branco foi se desfazendo....Começou a ver entre a neblina que já não era tão densa. O rosto de Inácio apareceu, depois Alexandrovna surgiu buzinando e acendendo os possantes faróis...
"Meu Deus", pensou ruborizada, "O que eu faço agora?"
Suando frio foi falar com o delegado de novo.
―Dr...Posso retirar a queixa de roubo do carro?
Ele a olhou de forma estranha...
―Já expedimos o alerta para todo o estado, por que a senhora quer fazer isto?
Ela o olhou, olhos nos olhos, esticou-se em cima do salto alto, e respondeu:
―Porque eu me lembrei de que eu vendi o Abud.
―Vendeu quem?
―O Abud, doutor, meu fusca, e aqui está o cheque do resto do pagamento...
Ele a encaminhou para o delegado chefe.
―Dr. Moysés, temos uma história complicada, talvez o senhor entenda melhor....
E era mais ou menos uma e meia da manhã quando finalmente ela foi para casa.
Alexandrovna dormiu fora de casa em sua primeira noite, e no dia seguinte Marília marcou uma consulta com o primeiro psiquiatra da lista do convênio.
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