Quando o menino nasceu, a senhora sua mãe brigou pelo nome que há tempos acalentava: Perlucides Lindoso. Um nome porreta! Límpido como pérola, mavioso como melodia, brilhante como estrela. Nome de artista, no mínimo de literato.
Claro, quando Perlu cresceu, seu físico começou a destoar do nome, tanto que se tornaram estranhos um ao outro. A mãe preferia apostar no nome, insistia no seu sonho: uma faixa enorme como os dizeres “PERLUCIDES LINDOSO PARA PRESIDENTE”.
Tanto fez a boa senhora que o filho herdou-lhe os sonhos, enfiados goela abaixo em seu subconsciente. Mas não tinha preparo para as glórias sonhadas. Pequeno, tímido, óculos pousados no nariz recurvo, subsistia num empreguinho de auxiliar de contabilidade. Mesmo assim, nas horas de devaneio, em sua mente cansada vinha aos poucos se formando a faixa, ou às vezes a manchete de jornal, em letras garrafais: PERLUCIDES LINDOSO ACABA COM A INFLAÇÃO NO PAÍS.
Em sua glória não enxergava a colega feiosa que tentava atraí-lo, mandando convites para o chá ou elogiando sua coleção de selos. Perlu não deixava por menos, caso amoroso apenas com as grandes estrelas da TV ou com alguma socialaite de nome badalado. E a notícia, ou melhor, a fofoca, se espalhava por toda a imprensa: FAMOSA APRESENTA-DORA DA TV DE CASO COM PERLUCIDES LINDOSO. OS DOIS JURAM QUE SÃO APENAS BONS AMIGOS.
E assim seguia nosso personagem, ora salvando a lavoura nacional, ora liquidando, num golpe magistral, a dívida externa. Na Copa, como técnico competente, levou o país ao he-xacampeonato. Evidente que somente Perlucides conseguiria tal feito. Isso sem falar no Prêmio Nobel de Literatura, que abocanhara recentemente, por sua obra que já estava sendo filmada pelo Spielberg. Aliás, para suprema glória do país, foi o único ser vivo, ou mesmo morto, a ser premiado quatro vezes com o Nobel, e isso em áreas diferentes.
Matava-se no trabalho, com rendimento insuficiente para pagar as contas mensais. En-quanto desfilava com o mesmo terno surrado, que a cada mês se tornava mais largo, esvoaçando como uma bandeira no corpo quase esquelético, Perlu se afundava nos sonhos mais absurdos. Como já se tornara por demais conhecido no país e até no exterior, a grande imprensa substituíra seu nome pela sigla PL. Coisas da mídia, aliás. Não se acordava no mundo sem ouvir já de manhã alguma notícia importante vinculada ao famoso PL.
Certo dia, sua mente explodiu, detonou. Tanta grandeza não cabia em seu invólucro mi-xuruca. PL foi notícia apenas no setor de contabilidade, onde trabalhavam seis pessoas. Mas não pensem que tudo terminou mal para nosso personagem. A partir daí, conseguiu suplantar os mais ousados sonhos de sua finada genitora. Hoje, por onde anda é acompanhado por dezenas de fanáticos que se ajoelham ao seu redor, cantando hinos, dizendo rezas fervorosas. Não falta nem a enorme faixa em letras que se vêem de muito longe: PL, TENDE PIEDADE DE NÓS!