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Contos-->Ela, enfim -- 09/08/2002 - 18:51 (Suzie Tibiriçá) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ela me olhava como se tivesse uma camada sob os olhos para manter seu olhar distante de mim. Possuía o maxilar cerrado, de dentes travando batalhas na boca, rezando com fervor em nome do silêncio. Tinha as mãos postas, naturais, quase supérfluas, soltas no tronco. As pernas bem comportadas, formavam a base de uma estátua firme ao chão, porém, altivas, pareciam flutuar, duras mas ainda leves. Sua pele tinha uma textura semelhante ao do papel e me apetecia por tocá-la e sentir a suavidade que refletia do seu olhar, calmo, atento, vivo, eternamente vivo.
Sua presença me assustava, porém era algo que eu esperava e era impossível não passar por aquele dia. Vinha pedindo por aquilo há tempos, que fosse antes, mais rápido, mas não deixava de existir, mergulhado no ar, um certo suspense, um velho horror, do qual nunca me fez parte, mas de algum modo, sempre foi meu.
Fantasiava com o dia de nosso encontro. Imaginava a abraçando... Imaginava me atirando em seus braços quando finalmente a reconhecesse entre tudo, mas agora eu era imóvel, apenas questionando o sentido daquele sonho realizado e enfim, daqueles olhos nos meus, convite, o fim... Começo ou recomeço, não deixa de ser o fim de algo... E ela, tão perto, era o fim e o começo de algo... Sentia um certo desejo antigo me recordando das muitas facadas que levei, mas sentia um medo nunca tido antes, como se fosse algo tão belo e almejado que não pudesse ser tocado... Medo de um desejo tão pedido, que agora podia ser realizado... Se eu desse o primeiro passo, ela me levaria com ela. Talvez, eu já pertencesse a ela. Talvez ela fosse o que sempre me faltou... Minha metade... Talvez, a felicidade que nunca achei com aquela outra que me acompanhara desde o início... Mas agora ela me encarava, prometendo, entregando a paz, final, que tanto pedi em noites de insônia e inconsciência, mas sentia um horror contido no meu silêncio... Não sabia mais se eu tinha me preparado o suficiente para aquilo, se eu tinha feito tudo mesmo, se era a hora correta para partir com ela... Talvez ela me contasse tudo numa noite fria qualquer, enquanto eu estivesse deitada em seu colo e me confortasse dizendo “Sei o que faço”, mas a dúvida ainda não era sanada e irritava a ausência de som dela, de sua boca petrificada e sem piedade... A encarei de volta, esperando por respostas e procurando por resquícios de alguma coragem em mim, para me entregar a ela, enfim, como sempre quis...”Tens certeza disso?” ...E ela me fitava com sua calma soturna...”Sabes bem que és o que sempre quis.”. E ela continuava como natureza, firme e imóvel porém, entediada com minha aflição, como se eu estivesse roubando seu tempo, como se tivesse outros para salvar das mãos daquela outra, mágica mas malvada, e me mirava, parecia querer dizer, mas sem voz, sabia como fazer isso, dizia “vem logo, tola, você já é minha...”

Ieda Marcondes - 08/05/02
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