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Contos-->O caso das esfihas -- 12/08/2002 - 12:37 (Osmar Malheiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era uma loucura, como também sou desenvolvedor de sistemas, muitas vezes, o almoço fica
para depois e isto se ele vier pois muitas vezes fica anexado ao jantar...Quando eu trabalhava
perto da avenida Paulista, eu comia num daqueles fast-foods conhecidos por aquela região.
Comia em pé, no balcão mesmo para não perder tempo e o cardápio eram esfihas, kibes,
pastéis e coisas "saudáveis" desse tipo. Curioso era perceber que tinha gente com mais pressa do
que eu; pediam para viagem e tinha que ser para ontem, se não estavam fritos...
Pois bem, o lugar é o Habib´s, bom e velho fast-food dos desesperados, isso não é uma
propaganda, mas as esfihas lá são extremamente baratas ( talvez seja por isso que muitas vezes eu
passava tão mal) e faziam o pedido num minuto. Comecei a ter uma certa frequência naquele
fast-food e era frequente também ver alguns pedintes "invadindo" o estabelecimento com aquele
olhar constrangido e a mão estendida pedindo alguma coisa para comer. Vou fazer um comentário,
cruel, mas sincero: eu torcia para não ser o escolhido a ter que ajudar, pois na época tinha que
economizar de verdade e não sei por que, naquela época me sentia mais constrangido em ajudar.
Bem, esse meu aparente sossego não durou muito tempo, era um dia quente, um dia de
verão fenomenal, daqueles que parecem derreter o asfalto e pra variar eu com pressa no balcão,
literalmente devorando as esfihas. Era meio de semana e naquele momento, adentrou a casa uma
menina de aproximadamente 10 anos, descalça e cabelo totalmente despenteado, veio direto na minha
direção e pediu:
- Tio, me paga uma esfiha?
Se você está na chuva é pra se molhar meu caro. É óbvio que um dia seria eu o escolhido e
aproveitando o toque de benevolência que a mim foi dado naquele instante, atendi o chamado e fiz o pedido. Comprei três esfihas e um refrigerante...
Sobre essa questão de caridade, me lembro das palavras de meu pai que sempre dizia: "Dai
com a mão direita mas não deixe que a esquerda veja!", esse ditado popular me valeu e vale muito para que meu ego não se infle com uma atitude de caridade. Por favor, acreditem; fazer caridade significa reconhecer a existência de pessoas carentes, sem oportunidade, sem expectativa, sem nada - e isso é triste. Ajudar é importântissimo, aliás, essencial para valorizar a qualidade humana, o que tento explicar é que é tão injusto essa qualidade de "miserável" que algumas pessoas se encontram mas é pior encontrar em todos os grupos: os religiosos (evangélicos, espíritas, budistas, católicos, enfim, todos...), políticos, filantrópicos, etc, etc, aquele pequeno ( ou talvez grande ) número de pessoas que faz a caridade
inflando o ego, achando que é o máximo estar ajudando e que com isso Deus está vendo e que serão
recompensados nessa vida ou após ela.
Parece que há uma leva crescente de ficar tratando os efeitos e não a causa e isso é que me preocupa bastante, mas voltemos ao caso:
Paguei o meu pedido e o da menina e fui embora, com a séria intenção de esquecer isso. E
quando um dia se acaba logo outro vem e junto com ele vem a hora do almoço.
Fiz o bom e velho pedido "saudável" de esfihas e suco quando estava comendo, veio a mesma
menina do dia anterior e pediu:
- Tio me paga uma esfiha? - Fui mecânico, fiz o pedido, comi, paguei e ela ainda comia
enquanto fui embora. Outro dia chegando ao fim....
Dia seguinte...hora do almoço, mas dessa vez, quando estava indo para o Habbib´s me
lembrei da minha "sócia" de alimentação e literalmente mudei o caminho. Talvez alguns de vocês devam estar pensando: "Nossa, mas que cara mesquinho, não custava nada ajudar a menina caso ela aparecesse...". Mas eu não estava afim....só isso! E a única coisa que faço agora é admitir essa
minha vontade, pois sei que muitos de vocês também, muitas vezes não estão afim de ajudar, e "desviam-se" por caminhos estratégicos o que falta é admitir...
Parei duas esquinas antes do Habbib´s e comprei um daqueles hot-dogs super saudáveis que vendem em qualquer esquina. Vislumbrem ao chamariz do lanche: Hot Dog completo, duas salsichas, purê de batatas, milho, ervilha, batata palha, condimentos e um copo de suco por R$ 0,50.
Pedi um e quando ia abocanhar aquela delícia dos deuses....senti aquela cutucada no braço e junto com ela uma frase:
- Tio, me paga um lanche? - Era ela...minha sócia!!
- Mas menina!!! Todo dia você vai me pedir comida?? - disse eu já um tanto exasperado.
- Ahhh tio...desculpa, eu sinto fome todo dia...
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