É deliciosamente perigoso passar um tempo com as pessoas. Delicioso porque você pode passar a gostar dessa pessoa, e igualmente perigoso porque você pode passar a gostar dessa pessoa. Talvez seja irrefutável o fato de que você se apegará, o tempo trata de tudo, seja lá quanto deste seja preciso, mas é terminantemente certo que se acontecer, se você sentir afeição, no limiar frágil e tortuoso de se apaixonar, de amar puramente, seja lá por admiração, por necessidade ou qualquer outro motivo entre os tantos subliminares, será difícil fugir das pessoas com quem criou laços e de todas as coisas que apenas sendo vistas remetem automaticamente a uma memória boba qualquer de um tempo que já se foi e de uma pessoa de quem você já se livrou, e diz aos quatro ventos que não quer mais, mas será impossível fugir de você mesmo.
A partir do momento em que você gosta de alguém, você é capaz de enganar, cegar e trapacear a si mesmo, e talvez nem chegue o dia em que você abrirá os olhos, porque quando você gosta de alguém, você fecha os olhos e corre, salta, não sabe até onde, ou por onde chega, ignora os buracos no chão, os pequenos tropeços e acredita que pode sobrevoar abismos... E só abre os olhos quando cai... E nem todos conseguem ter tempo de abrir os olhos antes de se perder, seja lá em morte, em loucura, ou qualquer outra tentativa de fuga inútil menos consciente que admitir que foi traído por si mesmo, depois de ter admirado, apoiado, amado, sustentado e acima de tudo, confiado no objeto de sua afeição. Depois de ter se doado completamente áquela pessoa ... Ingrata ...E daí vem a mais cega das cegueiras. Afinal, há realidade melhor do que a inventada?
O ser humano é tão frágil, tão carente, tão pobre e dependente dos outros, dos sentimentos dos outros, das reações que os outros provocam, da satisfação, que como fruto de droga, trapaceia e faz deste exímio patético e imperfeito ser agarrar a fantasia de um alguém perfeito que ama, para sentir o barato da reciprocidade...O último estágio da droga, depois do investimento, do preparo, do consumo ... O que se recebe... Amar para ter amor de volta ... Plenitude... E assim nos traímos, enganamos nosso consciente pois é mais plausível inventar um paraíso do que viver num inferno, mesmo que, este, seja falso, e daí? Não é tão bom, assim? Fechar os olhos e receber os efeitos da dependência ... Sugar tudo que as pessoas podem lhe oferecer... Uma vida feliz, mais completa, cômoda, falsa e inocente, mas tão agradável que... Realidade incomoda ...
Mas um dia, esse alguém, esse teu deus criado por você irá te jogar “sem piedade” na verdade, no inferno que você tanto não quis ver, sem saber que já estava lá. A realidade aparecerá e condenará. E você descobre a traição, sente o quanto foi tolo no âmago, fere seu orgulho, começa a sentir o ódio, o desprezo, a vingança e tudo de mais negro doendo, latente na alma, e então você agride, foge dessa pessoa, achando que ela é a responsável, diz que ela não era merecedora de seus sentimentos, de sua “devoção”, de sua parte no negócio, de dar para receber... Que ela é culpada, ela te enganou... Que você é a vítima ... Pobre de você... Mal sabe o que tem por vir...
Quando Anna me traiu, escrevi uma carta de três páginas dizendo como ela era desprezível, de como a odiaria para o resto da vida, de como ela tinha me feito mal. Foi preciso três páginas para eu ter convicção em minhas mentiras.
Anna não era desprezível, muito pelo contrário, sabia ganhar as pessoas de uma forma inocente. Sorria, brincava, contava piadas, encantava...Também não a odiaria jamais, não tinha forças pra odiar mais ninguém, uma vez que esse sentimento já me consumiu quase por inteiro há muito tempo atrás e era impossível se odiar alguém como ela, por mais que eu tentasse e por mais que eu me sentisse ferida ...A imagem dela não conseguia ser apagada pela culpa de um único ato errôneo ... Talvez o certo seria dizer que deixara de amá-la, mas em horas de extrema lucidez não consigo acreditar que isso seja verdade. O fato foi que ela me fez muito mal, afinal, chorei por uma semana, mas o que é um erro quando se ama? Por mais que ela já não faça parte de minha vida, por mais que me nego em confessar que tenho saudades, que gostaria de vê-la novamente, ainda sinto alguns resquícios de amor, mas o orgulho é o que deixo de fora e me prendo quieta no corpo, menos magoada do que aparento ...
Minha carta tinha mais mentiras do que verdades. Sempre fui instável e aquela carta era uma das provas. O objetivo dela era fazer Anna chorar, tanto, como eu chorei por ter me traído daquele jeito... Um simples capricho, uma simples maldade deliciosamente não cumprida, apenas iniciada e há pouco, ressentida ... Começo a me arrepender...
Mas é bom se começar do começo...
(Essa é a suposta introdução do meu livro que ainda anda em planejamento. Por favor me mandem seus comentários e critícas, seriam de grande valia a mim.)