Quero relatar, o mais rapidamente que puder, um feito inacreditável que presenciei dias atrás. Um verdadeiro prodígio! Eu tinha ido pescar em Lontras, uma cidadezinha muito simpática, antiga e bem roceira.
O que menos conta em pescaria é peixe. O bom mesmo é a escapulida, a zoada, a conversa, os causos, o terreno, a paisagem, aquela fita de piadas do Costinha rodando de noite junto com a cachaçada e o tira-gosto de lambari bem fritinho muito obrigado. E a Lua Cheia tenebrosa em meio aos véus da cerração. Esses divertimentos singelos de vira-lata.
Acampamos numa ilha, eu mais dois vagabundos. No sábado, resolvi dar um pulo na cidade. Tinha festa, descolei uma piranha evangélica e virei a noite. Domingo, lá pelas 8 da manhã, entrei num daqueles armazéns divinais, balcãozão centenário de madeira, soalho de madeira, prateleiras de madeira, tudo de madeira. Pedi um copão de café com leite, e pão com manteiga.
Havia ali, mais ou menos, umas 10 pessoas; saía um, entrava outro. O pessoal na roça não tem a menor pressa em terminar a compra, dia de domingo; no decorrer da conversa e da bebericação, vão acrescentando coisinha aqui, coisinha ali na encomenda a cada vinte minutos: tantos metros de corda; dali a pouco, um maço de fósforos; depois açúcar, e um tanto de fumo, e isso e aquilo, sem pressa nenhuma.
Eu já havia arrematado o delicado breakfast e me preparava pra acender um cigarrinho de palha, quando entra um caipira descaralhado de cachaça, cambaleando, e começa a encher o saco de todo mundo. Aparentava uns 20 e poucos anos. Ele intimava, com uma voz xaroposa e esganiçada: “Ei, ocê aí, me paga um tomate!” Cambaleava pra cá e pra lá, repetindo a mesma coisa: “Me paga um tomate, me paga um tomate!” Todo mundo achando graça.
O cara tava varado de fome, precisando repor as vitaminas queimadas pela noitada de cachaçal. Queria um tomate aditivado com 2 quilos de sal, mas tava sem um puto; daí intimar a todos e qualquer um, no grito, a lhe pagar o bendito tomate. Minha intenção era ajudá-lo, mas não de imediato, porque também tava me divertindo com a cena.
Nisso, estacionou uma pick up. Chegaram 2 sujeitos, crias duma manjadíssima família ali da região, ciosa e zelosa de sua fama, construída a custa de execuções, abusos e desmandos de todo tipo. Desses camaradas que matam só pra ver o outro fazer careta. Um deles devia medir dois metros de altura, e o outro, dois e meio. Ambos com pinta de babaca. O bebum, desgovernado, no embalo da zonzeira, chegou pra um deles e gritou, em meio a uma cusparada e um pisão no pé: “Me paga um tomate, ocê aí! Eu só quero um tomate, porra!” O cara soltou um suspiro e olhou pra cima, pedindo a deus que lhe concedesse serenidade. O bebum insistia: “Vai tomá no cu procêis, hem!” E berrou, já sem paciência: “Eu quero um tomate, caralho!”
Um senhor caridoso, que tava sentado num sacão de milho em frente ao balcão, acenou pro menino que tomava conta do armazém: “Ô! deixa o rapaiz levar essa merda pra lá!” O menino: “Naaão! O senhor sabe cumé que a coisa funciona aqui... O sô Onofre vive dizendo: se abrir a mão, fudeu!” “Intão debita aí na minha cardeneta e pronto!” O grandalhão interveio: “Mas de maneira alguma, sô Zé Antõim! Deixa que eu pago... Ô, pudim de cachaça! Vem cá!” O tocadão se aproxima, sacolejando-se, e breca em frente ao fazendeiro, fazendo um monte daquelas caretas que só um autêntico jeca encachaçado consegue fazer; as mãos na cintura e o corpo envergado pra trás, numa postura desafiadora: “Tu é grande mas num é dois! Eu sô pequeno mas num sô meio!” O fazendeiro riu, levando na esportiva, e mostrou-lhe o punho fechado diante do nariz, brincando apenas. “Aqui, ó!”, disse sorrindo. O bebum: “Ê, chará! forte pra mim é fumo de rolo!” O outro soltou uma gargalhada. “Por que será que todo baixinho é invocado, hem?!” O bebum: “Porque ele pensa que todo grandão é bobo!”
O fazendeirão casca-grossa parecia de bom humor naquele dia. Retribuiu a desfeita com um sorriso franco e amistoso, e apontou pro caixote de tomates. “Pode pegar ali, escolhe um bem bonito...” O bebum, mais que depressa, escolheu o exemplar mais viçoso e foi pra morder. O grandalhão: “Oopá! Peraí, peraí! Vem cá! Tá faltando o salzinho...” O pé-inchado, achando graça, estendeu a mão com o tomate: “Intão manda vê! Pó tolá qu’eu gostcho muintcho!” O outro: “P-r-o-n-t-i-n-h-o!”, e foi sacando o tresoitão! Encostou entre os olhos do sujeito, engatilhado: “Agora ENGOLE!!!... ENGOLE INTEIRO!!! Se mastigar... uma mastigadinha só e tu vai dormir no fundo daquele rio ali e VAI SER AGORA, SEU FILHO-DA-PUTA!!!!”
E não é que o cidadão escorregou o tomate inteirinho goela abaixo! Juro por deus! O cagaço faz coisa, meu caro. Escorregou o tomate-maravilha e serpenteou porta afora, saradinho do pileque, silencioso como um menino bem educado.
O treco parece impossível, mas não requer nem explicação científica. A vocação do brasileiro é essa mesmo! Mijou fora do penico, pode mandar até abacaxi com casca, que entra legal. Deus tira os dente mas abre a goela _ pelo menos disso os arrombados podem se gabar!