O véu transparente da cama continha pouca luz da manhã. Acordei, prazerosamente dolorida e cansada. Cada músculo meu doía, mas doía satisfeito. Cesar tinha um dos braço sobre meu corpo. Virei-me. Ele ainda dormia. Olhei seu rosto, um dos mais angelicais que já vi se não fosse o próprio anjo.
Cesar tinha olhos poderosos, não só na cor negra mas em forma também, possuía-os grandes, enigmáticos e era quase imperceptível mas agora via que eram um pouco puxados, perfeitamente puxados, e distribuídos impecavelmente no rosto de simetria perfeita. Tinha as sobrancelhas marcadas mas em equilíbrio, ficavam próximas dos olhos, deixando-o com olhar quase felino. Olhos sedutores, mas agora que estavam fechados, Cesar me lembrava o Cesar frágil da noite em que chorou no meu colo.
Tive vontade de acordá-lo, dizer “bom dia” realmente o desejando, de fazer carinho no seu cabelo, de beijá-lo, ou fazer o café e levar na cama como ele já fez para mim da outra vez ou então de acordá-lo para fazer amor de novo, mas senti que precisava por enquanto, ficar só comigo.
Tirei seu braço com cuidado para não acordá-lo. Desci as escadas nua e ainda suja de tinta. Vesti minha camiseta e minha calcinha que estavam sobre o sofá e sentei um pouco. A luz entrava forte pela janela da sala. Olhei para o banco, os cavaletes, as tintas e pensei aonde estaria agora há duas semanas atrás... De certo, já teria escovado os dentes, tomado banho, me vestido decentemente. Já teria tomado o café e lido o jornal. Estaria procurando algo pra fazer, algo pra terminar, algo pra limpar, algo pra ler ou ouvir e acabando por achar nada de novo. Toda aquela procura parecia não mais fazer parte de mim, nada mais parecia natural meu. Nada mais daquilo parecia me compor, apenas ter feito parte de um passado distante.
Respirei fundo. Aquela manhã de Domingo brilhava como se fosse o primeiro dia da minha vida e, talvez, realmente o fosse.
Ieda Marcondes
(trecho do livro em andamento, favor comentar)
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