Folheava um livro sobre antiga família cearense quando meus olhos se detiveram em uma fotografia de mulher.
Cabelos castanhos, bem penteados, repartidos à esquerda, cobriam parcialmente as orelhas, sustentáculos de mimosos brincos.
Um nariz bem feito, assim como os lábios entreabertos, limiar de sorriso que, certamente, tornaria a jovem ainda mais bela.
Deus estava inspirado quando desenhou o queixo perfeito que formava com a testa suave e as faces delicadas um lindo rosto.
O que mais me chamou a atenção, no entanto, foram os olhos, sonhadores, que me miravam com simpatia e amor, como se eu e sua dona fôssemos velhos companheiros. E, surpreendentemente, revelavam-se vivos, bem vivos, com um brilho que mudava de intensidade a cada instante.
Teria quantos anos a retratada? Vinte e dois. Ou seriam vinte e cinco?
Apaixonei-me por Maria Josefina, nome registrado sob a foto, a ponto de não ficar um só dia sem fitá-la demoradamente, preso à imagem apaixonada da bela mulher. E ela nada me cobrava, a não ser a prisão de meus olhos pelos seus.
Resolvi procurar a encantadora criatura que havia se apropriado de meu coração e de meus pensamentos.
Parti para o Ceará, onde, após longa e cansativa pesquisa, localizei a residência da amada. Ela casara com próspero comerciante de Fortaleza, o que não inibiu o meu desejo de encontrá-la.
Informei-me sobre o esposo que, em poucos dias, tornou-se meu amigo. Era um homem culto. Passei a sorver, com admiração, os seus conhecimentos, notadamente os vinculados ao Nordeste do Brasil.
Recebi, então, convite do novo companheiro para jantar em sua casa, aceitando-o prontamente.
Chegou, finalmente, o dia do encontro com Maria Josefina. Arrumei-me cuidadosamente. Ao mirar-me no espelho ali vi um homem de trinta e cinco anos cheio de energia e juventude. Satisfeito, saí do hotel onde me achava para o esperado compromisso.
Abriu-me a porta o anfitrião, que me pediu para sentar e foi chamar a esposa para que eu pudesse conhecê-la. Achei graça em ser apresentado a alguém com quem já me encontrava intimamente ligado e fiquei a esperar, em pé, a entrada da amada.
Encantado, vi aproximar-se aquela que tanto amor havia despertado em meu coração, com os mesmos olhos que me haviam envolvido, brilhantes e sonhadores.
Pôs-me à vontade e serviu-me, após minha aquiescência, um delicioso vinho do Porto. Na mesa de jantar, sentou-se à minha frente.
Notei a elegância de seus gestos e a delicadeza de suas mãos. Todos os movimentos e palavras de Maria Josefina encantavam-me. Conheci, então, a sua bondade, inteligência e caráter, o que tornava minha musa mais interessante que a mulher da foto.
Em algumas ocasiões eu vislumbrava o olhar apaixonado do retrato, que, no entanto, não me era destinado, mas ao seu esposo, que retribuía com carinho e visível agrado.
Saí daquela casa emocionado, certo de que nunca conseguiria conquistar a dama de meus sonhos. Seu coração já tinha dono.
Entretanto, despedi-me carregando no peito a mesma fascinação de antes, embora sabendo que Maria Josefina, com setenta e oito anos de idade, estava um pouco mais velha que a dama do retrato.