Cel. Francisco Alves era um desses nordestinos talhados para vencer. Nascido no interior do Piauí, cedo mostrou-se impaciente para sair do pequeno burgo onde fora gerado e onde vivera os seus primeiro dezenove anos de vida, pediu uma pequena ajuda ao pai, fazendeiro de origem cearense que casara com uma piaueinse do local onde se estabelecera enxotado pela seca violenta. Tangendo alguns animais e com mercadorias para dar início ao seu próprio comércio, situou-se numa cidade maior da zona central norte do Estado e ali prosperou a custa de muito trabalho e de muito tino para os negócios. Autodidata, forjou a sua personalidade destacada num mar de experiências cotidianas de relevo. Sabia contar histórias e apontar exemplos que serviriam para modificar o curso de uma vida. Pois bem, um certo dia, quando estávamos falando sobre amizades e amigos, o Coronel, fazendo um certo ar de mistério, começou: a propósito de amizade, que é tema que está sendo tão discutido neste exato momento, vopu lhes contar a história de um fazendeiro arrajado lá da minha cidade natal. O nome dele era Ananias, casado com d. Maroquinha, que morreu de parto do único filho do casal, o dr. Orlando. Ananias, que não tinha letras, fez um esforço muito grande para mandar o filho estudar no Rio de Janeiro, onde ele conseguiu, na Faculdade Nacional de Direito, o título de bacharel em ciências jurídicas e sociais. Orlando, ao voltar, foi recebido com festas pelo pai. Mas, o rapaz voltou viciado da vida de dissipações que levara na antiga capital de república, vida de farras e festas, sendo que a Faculdade ocupava apenas as horas vagas de tanta folia. Ao chegarm começou logo a criticar o pai, a quem chamava de bronco fazendeiro, homem de horizontes estreitos, e outras coisas assim. Ananias, sereno, ouvia as críticas do filho e repetia: "E mesmo, filho, você tem razão. Seu pai é um biho do mato, um homem sem letras, um ignorante".
E o rapaz, todas as noites, saía para as festas com os amigos. Enchia a boca de amigos, coisa que causava apreensão e irritação ao pai, pessoa de hábitos morigerados, tímido, solitário, homem que guardara a viuvez por tantos anos, tendo, aqui e ali, uns ligeiros casos com moçoilas sem expressão na sociedade do local, nada que tivesse durado ou tenha sido realmente sério.
Um dia, cansado daquel vida louca do filho e da boca do rapaz sempre a falar dos amigos, falou para ele: "Meu filho, eu fico pensando como é que você tem tantos amigos. Eu, na idade em que estou, só tenho três amigos: Compadre Bento, Compadre Mariano e Compadre Oscar. Só. O resto é conhecido. Conhecido é diferente de amigo. Amigo a gente troca idéias e segredos. Conhecido a gente só cumprimenta. Mas, você tem um monte de amigos, sei não, meu filho, será que eles seriam seus amigos se você não fosse meu filho e não tivesse dinheiro para lhes pagar bebida?
O rapaz olhou atravessado para o pai e responde: "Dessa cabecinha de homem iletrado só podia sair coisas desse tipo. Eu sou um homem formado, tenho - e disso me orgulho - muitas amizades. O senhor é porque se acostumou a viver nesta terra de murinho baixo, de buxixos, de intriguinhas de comadres e compadre. Vê se meu deixa em paz. Até logo que eu vou falar com meus amigos".
O velho disse:" Está bem, você topa uma aposta comigo?"
O rapaz, já com um pé na rua, gritou: "topo, sertanejo bronco, topo."
O rapaz saíu, retornou por volta da meia noite e encontrou o pai, junto à porta: "Vamos a aposta?"
O rapaz tomou um susto, já nem se lembrava que se comprometera com o pai a desafiar uma aposta que ele nem sabia do que se tratava, mas honrando a palavras empenhada, consentiu. O pai entregou-lhe um saco sujo de sangue e pesado, dizendo: ponha nas suas costas, vá bater na casa dos seus amigos, diga que matou um homem, está em apuros e que precisa de ajuda"".
O rapaz, horrorizado, argumentou: "Só podia sair uma coisa dessas desta cabeça sem miolos". O velho Ananias sorriu. O rapaz saíu e voltou ofegante, hora e meia depois. Colocou a saco no chão e disse: "Isto nada prova. As pessoas têm seus problemas, não querem se envolver." "Tudo bem, meu filho, já são quase duas e meia da manhã, escolha a casa de um dos meus três amigos, bata na porta, diga que é meu filho, que matou um homem e que precisa da ajuda dele. Escolha, vamos, que o dia daqui a pouco vai rair e estraga a aposta." O rapaz, cansado, respondeu:"Está certo, velho maluco, vou na casa do compadre Oscar, que é mais perto daqui". Dito e feito, colocou o caso às costas, andou uns duzentos metros até a casa do velho Oscar, bateu firme na porta. O velhinho da cabeça branca abriu a porta. Orlando nem deixou ele dar boa noite: Sr. Oscar, eu sou filho do seu compadre Ananias "..."O velho interrompeu, ëu sei, meu filho, o que aconteceu?" O rapaz, ofegante, respondeu: "Matei um homem e estou precisando da sua ajuda". O velho pos a cabeça de fora, olhou para os dois lados da rua e, ciente de que não ninguém, ordenou: "entre, meu filho, vamos enterrar este diabo no fundo do quintal".