Foda-se! A frase que mais ouvi em minha vida.
Quando nasci, prematura, fui apartada da minha mãe e colocada em uma incubadora - FODA-SE – murmurou satisfeita minha irmã, louca de ciúmes, por não ser mais o centro das atenções.
Ainda menina, levaram-me para estudar balé com uma professora de renome internacional. Dona Vera brindava-me com aulas especiais pois reconhecia um talento nato em minha pequena figura – FODA-SE – disse o pediatra, ao me proibir de dançar. Alegava, do alto da sua empáfia, que a poeira liberada pela profusão de sapatilhas faria desencadear minha bronquite asmática.
Matriculada aos quatro anos no colégio de freiras era perseguida pelas colegas mais velhas e pelas irmãs de caridade – FODA-SE – gritavam sem dó nem piedade, ao me surrarem sistematicamente. As primeiras, por me considerarem um “bezerro desmamado” , sempre a chorar. As freiras, por simples impaciência, frente ao meu despreparo infantil.
Na adolescência, todas colegas se maquiavam, tinham namorado e davam beijo de língua. Experientes e enturmadas adotavam dialeto próprio para se referir à ereção masculina:
- Ontem vi Aurora!
Eu, a mais nova da turma, obrigada por ordem materna a andar de cara lavada, não tinha namorado e perguntava, ingênua, o que significava Aurora – FODA-SE – gargalhavam as meninas, debochando da minha ignorância e marginalizando-me por ser pura demais.
Com 18 anos, ao fazer vestibular para Biologia, depois de ter passado com facilidade pelas provas mais difíceis, abandonei a última delas. Quis, com isso, tornar patente meu amor pelo namorado (o primeiro), reprovado logo de início – FODA-SE – xingou o dito cujo ao me esbofetear com violência, por não tê-lo deixado me desvirginar.
Ainda jovem, na faculdade, apaixonei-me por meu melhor amigo, que veio a ser meu primeiro homem – FODA-SE – riu-se, sarcástico, rodando triunfante minha calcinha entre os dedos ao me trocar pela feia herdeira de um rico fazendeiro da sua terra natal.
Quando mulher, já diplomada em Biologia, caí de amores por meu chefe, homem mais velho e casado – FODA-SE – esbravejou ele, quando me vi obrigada a abortar nosso filho. Em hipótese alguma admitia abandonar a pobre esposa; era ela sua companheira e sempre o apoiara na época do dinheiro curto.
Aos 35 anos, casada por carência e amizade com um homem mais velho que poderia ser meu pai (complexo de Electra assumido), tive o infortúnio de acompanhar a degeneração da sua personalidade pela instalação de uma arteriosclerose precoce – FODA-SE – maldisseram as amigas invejosas. Quem mandou dar o golpe do baú? Agora segura o tranco!
Viúva, na idade da loba, caí nas garras de um farsante, mau caráter, que namorei na Internet – FODA-SE – cuspiu ele, dando-me um chute na bunda, após se apoderar de todos os bens que meu marido me deixara.
Velha, perto de morrer, resolvi passar minha vida a limpo. Ouço, repetidas vezes e com impressionante nitidez, todos os FODA-SE com que fui presenteada até hoje. Agradeço a deferência e faço questão, em nome de uma reciprocidade um pouco tardia, de brindar todos aqueles que, de uma forma ou outra, me desfeitearam.
Assim sendo dedico a vocês, meus queridos, minhas últimas palavras:
- FODAM-SE!